sábado, 22 de dezembro de 2018

Corrupção política é "gota no oceano", diz sociólogo Jessé Souza


O alvo principal do novo livro do sociólogo Jessé Souza é a classe média, mas os partidos, o empresariado e a imprensa também estão na mira do autor potiguar.

Doutor em sociologia pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha, Jessé acaba de lançar "A Classe Média no Espelho" (Estação Brasil). Para ele, a massa da classe média no país assume posições diversas conforme a conjuntura.

Como havia feito em "A Elite do Atraso" (2017), Jessé critica a ideia da corrupção como um traço cultural do brasileiro. Para o sociólogo, esse pensamento dominante leva ao enfraquecimento das esferas do poder público.

Em entrevista à Folha, Jessé, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) entre 2015 e 2016 (governo Dilma), não poupou o PT, partido que, para ele, "enfia no próprio ventre a faca do moralismo postiço".

Herança da escravidão
Já andei por muitos lugares do mundo e nunca vi sociedade tão desigual e perversa como a nossa. É herança da escravidão, que nunca foi percebida e criticada [como deveria].

Eu estava em um restaurante em São Paulo dias atrás e vi um casal achincalhar o garçom, que era excelente. Diziam coisas como: "Se você fosse menos preguiçoso"¦". Isso é sadismo, vem da escravidão. A dominação não é só econômica, é moral. Invoca essa necessidade de humilhar para criar uma sensação de distinção.

Elite
O que a elite brasileira fez? Primeiro, humilhou o povo para que ele continue sendo assaltado. Como? Dizendo que a corrupção vem de Portugal, desde 1381, como escreveu o [Raymundo] Faoro, o mais influente historiador do Brasil, repetido pela esquerda e pela direita o tempo todo.

Dizer que a corrupção [atual] vem dessa época é idiotice porque o conceito moderno de corrupção pressupõe a invenção de soberania popular, que vem, na prática, da Revolução Americana, em 1776, e da Revolução Francesa, em 1789. E não se pode tratar isso como transmissão de sangue, "biologizando" esse aspecto. Assim, a elite rouba a capacidade de resistência e de reflexão da população.

Santíssima trindade
Há uma santíssima trindade do liberalismo chique brasileiro. É, na verdade, um liberalismo tosco, formado por Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Fernando Henrique Cardoso.

FHC foi o professor mais importante da USP. Não à toa, como presidente, ele foi um representante da elite paulistana, de sua fração financeira.

Classe média
O ódio ao pobre [caracteriza parte expressiva da classe média]. Esse ódio é resultado do acordo entre a elite e a classe média. Quando aconteceram golpes de Estado entre nós, com o apoio da classe média, houve o pretexto da corrupção. Basta perguntar se alguém da classe média saiu às ruas quando partidos de elite roubam. Eu nunca vi.

Bolsonaro na classe média
Não foi a classe média inteira que o apoiou. Como se pode ver no meu livro, faço uma divisão. Há nessa classe 70% de conservadores e cerca de 30% que formam parcela mais crítica, que respeita as minorias e tem uma pauta progressista dentro do neoliberalismo.

Corrupção
O que é abordado no Brasil é a corrupção política, de Estado. É claro que ela é recriminável, mas quero chamar atenção para o fato de que o estado do Rio não está na miséria porque o [ex-governador] Sérgio Cabral roubou R$ 280 milhões. Não quero dizer que ele não deveria estar preso e que o que fez não é recriminável.

Acho que a Lava Jato e a TV Globo, ao criminalizarem e estigmatizarem a Petrobras, de quem o estado do Rio inteiro e parte do Brasil dependiam, são as causadoras da debacle.

A corrupção política é usada para tornar invisível esse saque feito pelas elites. A corrupção da política é uma gota no oceano quando comparado ao real saque, por meio da sonegação, por exemplo. É isso que deixa o Brasil pobre.

Lava Jato
Se quer acabar com a corrupção, como é que blinda o sistema financeiro? [O ex-ministro Antonio] Palocci propôs denunciar o sistema financeiro para conseguir delação, e a Lava Jato não aceitou.

Brasil sob Bolsonaro
Se houver alguma recuperação econômica, será por parte do capital mais sujo, que irá comprar aqui as coisas a preço de nada. Vem aí um saque neoliberal muito forte. O novo governo significa a subordinação do Brasil a interesses do capitalismo americano. Como os pobres não vão ficar menos pobres, haverá endurecimento ou repressão.

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