sexta-feira, 30 de abril de 2021

Vaga


 

Resumão da primeira semana da CPI da Covid

Encruzilhada


Nani Lucas

O Brasil é um país genocida

Ynaê Lopes dos Santos - DW 

A cultura do extermínio e da sua naturalização acompanha o Brasil ao longo dos séculos. De indígenas a vítimas da ditadura e da covid: as vidas e as mortes de pessoas supostamente menos humanas parecem pouco importar.

"Somos um país genocida. Não apenas hoje, quando temos quase 400 mil mortos pela pandemia. Mas desde sempre."

Há muito tempo, uma grande amiga, também historiadora, me disse: "Você precisa ler este livro."

O tema é devastador. O genocídio no maior hospício do Brasil. Eu, que já trabalho com um dos temas mais violentos da história brasileira, retardei minha leitura por anos. E quando a fiz, foi de supetão, numa espécie de atropelo guiado pela fina escrita da autora Daniela Arbex e por toda a violência e tristeza que o livro carrega. Como um remédio amargo, que tomamos num gole só. Foram 60 mil mortos dentro de uma instituição, administrada pelo Estado, que tinha a função de oferecer tratamento e condições de vida adequadas àqueles considerados doentes mentais.

O Hospício de Barbacena, fundado em 1903, abrigou milhares de vidas. E, infelizmente, destituiu de humanidade praticamente todas elas, naquilo que a autora bem chamou de "Holocausto brasileiro", expressão que dá título ao livro. Uma sucessão de tragédias pessoais, incompreensões da natureza humana, racismo, machismo e decisões políticas criminosas que resultaram num campo de concentração em pleno sudeste de Minas Gerais. Um retrato do que temos de pior.

A leitura de Holocausto brasileiro: Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil em plena pandemia, quando o Brasil vive a pior crise sanitária de todos os tempos, foi uma atitude quase masoquista da minha parte. Todavia, essa experiência foi fundamental para solidificar a certeza de que somos um país genocida. Não apenas hoje, quando temos quase 400 mil mortos pela pandemia. Mas desde sempre. E se engana quem considera que essa constatação retira a responsabilidade de governantes e instituições públicas pelo que está acontecendo. Na realidade, tal constatação nos devolve à História, essa senhora do tempo, que nos ensina a diferenciar tragédias de projetos políticos. Porque, quando a tragédia tem destino certo, ela perde a sua imponderabilidade e, por isso, precisa ganhar outro nome. E, em certa medida, é isso que nos falta por aqui: rememorar e nomear as nossas carnificinas. 

O número de homens e mulheres indígenas mortos desde 1500 é praticamente incalculável. As estimativas apontam que 70% do total da população nativa foi dizimada, o que, numa perspectiva bem conservadora, indica que praticamente 2,5 milhões de indígenas sucumbiram ao projeto que estava sendo gestado no período colonial. O Brasil também foi o território da América que mais recebeu africanos escravizados. Ao menos 4,5 milhões de homens e mulheres foram retirados à força do continente africano e subjugados à instituição escravista em terras brasileiras. Isso sem contar a violência inerente e cotidiana da vida em cativeiro, fosse para os africanos, fosse para aquelas e aqueles nascidos no Brasil.

Mesmo horrorizados, muitos dirão que apesar de profundamente violentas, as trucidações pelas quais indígenas e negros passaram ao longo de quatro séculos da história do Brasil não podem ser lidas de forma anacrônica. O que é verdade. A escravização e a catequese forçada, por exemplo, foram duas instituições que tiveram respaldo legal e moral por séculos. E, mais do que isso, foram práticas disseminadas que formataram a sociedade brasileira. Entretanto, isso não significa dizer que elas foram os únicos projetos vigentes à época. Basta um olhar mais atento para a história do Brasil, para observamos que ela está cravejada de lutas e formas de resistência implementadas por homens e mulheres que não aceitaram viver apenas sob o signo da violência, e que forjaram outros mundos, outras possibilidades de ser, pagando preços altos por tais ousadias.

Ou seja, não houve um único período da história do Brasil no qual a escravidão e as explorações coloniais não estivessem sendo questionadas e combatidas. O que nos leva a pensar sobre a legalidade e a moralidade como atributos historicamente construídos, que serviram a interesses e grupos sociais específicos. E ao optarem repetidamente por uma legalidade e moralidade de extermínio, esses interesses criaram uma cultura na qual é muito nítido o escalonamento da humanidade: há vidas que valem mais do que outras. E o que determina o valor dessas vidas é a combinação entre cor da pele, gênero e condição socioeconômica.

Mesmo com transformações políticas e econômicas significativas do período republicano e o avanço na luta dos direitos humanos, a cultura do extermínio e da sua naturalização nos acompanham. Há pessoas que são, supostamente, menos humanas que outras e, por isso, suas vidas e mortes parecem pouco importar. O que dizer dos 25 mil assassinados em Canudos? Dos milhares de mortos desaparecidos e torturados em nossas experiências ditatoriais? Dos 111 detentos mortos no Carandiru?  Do massacre da Haximu? Das chacinas da Candelária e do Vigário Geral? Do massacre de Eldorado dos Carajás? Das vidas ceifadas por balas perdidas? Da imensa maioria dos 400 mil mortos pela covid?

Como definir esses episódios da nossa história?

Extermínio, genocídio, massacre, matança, aniquilação, mortandade, trucidações. Sinta-se à vontade para escolher.

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Mestre e Doutora em História Social pela USP, Ynaê Lopes dos Santos é professora de História das Américas na UFF. É autora dos livros Além da Senzala. Arranjos Escravos de Moradia no Rio de Janeiro (Hucitec 2010), História da África e do Brasil Afrodescendente (Pallas, 2017) e Juliano Moreira: médico negro na fundação da psiquiatria do Brasil (EDUFF, 2020), e também responsável pelo perfil do Instagram @nossos_passos_vem_de_longe.

Os valores de Guedes

Bernardo Mello Franco

Nenhum economista espelharia tão bem os valores bolsonaristas como Guedes

Paulo Guedes perdeu a aura de superministro, mas continua a ser o homem certo para o cargo que ocupa. Nenhum outro economista espelharia tão bem os valores e princípios do bolsonarismo. Ou a ausência deles.

Em dois anos e quatro meses no poder, Guedes já ofendeu mulheres, servidores públicos e pobres em geral. A lista de insultos voltou a crescer na terça-feira, em reunião do Conselho de Saúde Complementar.

Sem saber que estava sendo gravado, o ministro disse que “o chinês inventou o vírus, e a vacina dele é menos efetiva do que a americana”. A frase criou um novo atrito diplomático com o maior parceiro comercial do Brasil.

Guedes também reclamou do envelhecimento da população, um fato que deveria ser comemorado. “Todo mundo quer viver cem anos”, resmungou, acrescentando que não haveria como atender a todos no setor público.

A queixa revela desprezo pelos idosos mais pobres e insensibilidade com o morticínio no país. Um estudo de Harvard mostrou que a pandemia reduziu a expectativa de vida dos brasileiros em quase dois anos.

O ministro não pode culpar a câmera indiscreta pelo seu festival de preconceitos. Em eventos públicos, ele já fez coisas como chamar servidores de “parasitas” e dizer que a primeira-dama da França “é feia mesmo”.

Em outra palestra, apontou o que via como efeito indesejado do dólar baixo: “Empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada”. Ele sugeriu que as trabalhadoras deveriam se contentar com passeios mais modestos: “Vai para Cachoeiro do Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu”.

Na reunião de terça, Guedes reclamou que o Fies bancou a faculdade de “filho de porteiro” que tirou zero no vestibular. A história é inverossímil porque o programa exige nota mínima para conceder bolsas. Mas a mentira não é o pior da fala ministerial.

Em novembro, o jornal “El País” entrevistou Gabriella Juvenal Figueiredo, mestranda em história da arte na Espanha. Filha de um porteiro e uma doméstica, ela relatou uma vida de discriminação por estudar entre jovens da elite. “Infelizmente, tive de aprender a sobreviver ao lado dessas pessoas que te olham por cima do ombro”, disse.

Ao contar o que enfrentou, Gabriella resumiu os valores de Guedes.

Bolsonaro oferece 400 mil mortos ao lúmpen-milicianato

Bolsonaro deu voz aos que viviam nas sombras, esgueirando-se nos escuros da história nunca visitados pela teoria política

Tio Rei

A instalação da CPI da Covid mexe com os bofes de Jair Bolsonaro. Agride o seu senso de onipotência —injustificado segundo um crivo objetivo, mas compreensível se visto por lentes clínicas. O golpista de primeira hora, que nunca precisou de comissão de inquérito ou de oposição organizada para pregar o rompimento da ordem —como provam os atos antidemocráticos que patrocinou já em 2019—, não aceita que sua obra seja questionada. Os, até agora, mais de 400 mil mortos são o seu grande legado ao lúmpen-milicianato que o aplaude.

A política sempre deve ter precedência na análise da vida pública, embora os dados de personalidade não possam jamais ser ignorados. Uma leitura mais aberta de Maquiavel sugere que a “fortuna” e a “virtù” —a história herdada que condiciona alternativas e as escolhas ditadas pela personalidade— também podem ter um enlace negativo. Em vez de surgir o Príncipe, eis que aparece o ogro, que a democracia tem de esconjurar. Ou morreremos todos.

Assim, é claro que, ao não arredar um milímetro das posições as mais estúpidas e reacionárias, que muitos enxergam danosas e contraproducentes para seu próprio futuro político, Bolsonaro age com cálculo. Ele deu voz a esse público que existia nas sombras; que se esgueirava nos escuros da história; que se acoitava nos desvãos nunca visitados —não de modo suficiente ao menos— pela teoria política.

Guedes e Bolsonaro personificam a versão brasileira do centauro do neoliberalismo

O homem certo

Bozonaro e Guedes são feitos do mesmo material
A cada entrevista ou pronunciamento fica mais evidente que Paulo Guedes é o homem certo. Suas ideias, seu comportamento, sua gestão à testa do Ministério da Economia provam a cada dia que outro homem não estaria à altura —ou à baixeza, no caso— exigida para esse cargo. Nenhum outro ministro representa de forma tão essencial as forças políticas que levaram Jair Bolsonaro à Presidência da República.

O presidente da República e o ministro da Economia são absolutamente complementares e encarnam, ainda que em corpos distintos, um só espírito. São, portanto, apenas aparentes as suas contradições.

De um lado um sujeito cuja falta de modos é lida como "autenticidade". Manda jornalistas se calarem, desdenha do sofrimento da pandemia e agride quem dele discorda. Encarna o autoritário, que muitos pedem.

Na outra ponta, o "intelectual", reconhecido pelo mercado como grande gestor e homem de sucesso. É o campeão da liberdade, que o mercado deseja. Mas nada como os momentos de crise para erodir as aparências e fazer emergir das profundezas a natureza gemelar dos dois personagens. Quando acossados, o ódio que nutrem a pobres, a trabalhadores, a pequenos empresários e a aposentados emerge de forma primordial e sem freios.

Mas que espírito é esse que no governo brasileiro habita dois corpos e que tem o poder de se apresentar simultaneamente como defesa intransigente da liberdade e ameaça à democracia? Há alguns anos as ciências sociais, nas mais variadas áreas, têm se esforçado para compreender o fenômeno que alguns denominam como neoliberalismo autoritário. Acho que nenhum outro termo pode explicar melhor o "bolsoguedismo".

O uso do termo neoliberalismo autoritário é controverso. O termo se refere às condições objetivas e subjetivas surgidas com as transformações no regime de acumulação e no modo de regulação do capitalismo provocadas pelas crises do fordismo e do Estado de bem-estar social. Tais mudanças levariam à atualização das formas de regulação estatal na economia e a processos de reorientação ideológica conduzidos pelas exigências da concorrência de mercado.
O que os mais diversos autores têm apontado é que desde as suas origens o neoliberalismo esteve relacionado com o esvaziamento da democracia, já que medidas para limitar o poder econômico são consideradas interferências políticas que ameaçam à liberdade.

A liberdade, na visão dos considerados teóricos do neoliberalismo, se materializa na ordem da concorrência, e não no contrato social. Trata-se, portanto, de construir o mercado blindado das demandas democráticas e de redistribuição igualitária, "livre" de constrangimentos sobre o investimento e a lucratividade capitalista. Isso explicaria o movimento para desmantelar os sistemas de proteção social, a oferta pública, gratuita e universal de saúde e educação e a facilitar a captura do orçamento público por interesses privados.

Mas há os que considerem um absurdo a vinculação entre autoritarismo e neoliberalismo e, para tanto, fornecem exemplos de governos e países democráticos que adotaram o receituário neoliberal.

Pierre Dardot denuncia a confusão teórica daqueles que acusam essa incompatibilidade. Segundo o autor francês, é preciso distinguir: 1) autoritarismo como regime político; 2) autoritarismo político neoliberal e 3) a dimensão autoritária irredutível do neoliberalismo. O primeiro não é exclusividade de governos neoliberais. O segundo é resultado da acomodação das políticas neoliberais a distintos regimes políticos, democráticos ou autoritários, o que é determinado pelas circunstâncias históricas. Já o terceiro é o que Dardot chama de "restrição do deliberável", o que, em outras palavras, é a decomposição das instâncias de participação popular por meio de "reformas" e uso de medidas jurídicas excepcionais, especialmente no que se refere a decisões econômicas.

Guedes e Bolsonaro personificam a versão brasileira do centauro do neoliberalismo, que é metade liberdade econômica para o andar de cima da pirâmide social e metade repressão e violência para o andar de baixo. De vez em quando somos forçados a lembrar que é um único ser, com os mesmos projetos e o mesmo negacionismo da realidade social. No fundo, quem quer a liberdade de Guedes pede por autoritarismo; quem quer o autoritarismo de Bolsonaro é porque demanda a liberdade de Guedes.

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Ora direis...


Conversa com Bia e Mau

O Brasil é presidido por um sujeito acusado de crimes que vão de peculato, terrorismo, genocídio, assassinatos, fraude eleitoral e associação com milicianos

Crise? Vocês não viram nada ainda

Brasil afunda sem futuro à vista

Ricardo Melo


Vamos às premissas.

O Brasil é presidido por um sujeito transtornado, acusado, ele e sua famiglia, de crimes que vão de peculato, terrorismo, genocídio, assassinatos, fraude eleitoral eletrônica e associação com milicianos, entre tantos outros.

O Congresso é um lupanar político à cata de verbas para manter currais. Pouco se importa com a destruição acelerada do país. Seus integrantes disputam o dinheiro do povo como urubus farejam o cheio de cadáveres.

O Judiciário funciona como biruta de aeroporto. Decide de acordo para onde sopra o vento. Acerta de vez em quando, erra na maioria das vezes. Vossas Excelências estão mais preocupadas em salvar suas próprias biografias embora seja um pouco tarde.

Vamos aos resultados.

O Brasil mantém-se como um dos top five das mortes e contaminados pela Covid-19. Não há política de saúde nem saúde na política. 400 mil mortes, fora os óbitos habituais. Ministros de alto coturno tomam vacina escondidos para não melindrar o chefe que até hoje considera tudo como uma “gripezinha”.

A economia está nas mãos de um especulador barato (ou caro...). Os indicadores, quando lidos de forma isenta, exibem uma derrocada generalizada, mas Paulo Guedes enxerga o pôr do sol onde o mundo e os brasileiros veem o Brasil dissolvido nas trevas.

Nem Guedes acredita no que ele fala, vamos combinar. Tanto que já trocou, e vem trocando, sua “equipe” de auxiliares. Não é bobo. Prepara o desembarque para manter seu patrimônio individual.

A miséria se espalha. A quantidade de pobres e famintos se multiplica no país. Quem consegue sair às ruas vê isso a céu aberto. O novo auxílio emergencial é uma piada.

Não satisfeito em desprezar a pandemia e ignorar a doença, o capitão terrorista resolveu quebrar o termômetro. Cancelou o censo. É como subir num avião sem plano de voo nem destino.

Vamos ao futuro.

Criaram a CPI da Covid. Mais um balcão de negociatas. A única coisa certa é que o capitão ficará ainda mais acuado. Nem tem para onde fugir, exceto usar o dinheiro público para salvar o seu pescoço e da famiglia.

O povo, ora o povo.

Crise? Preparem-se.

A marca de 400 mil mortos por covid-19 é o símbolo da transformação do desastre numa catástrofe


Marca de 400 mil mortes por covid simboliza fracasso do governo Bolsonaro
No fim de abril de 2021, enquanto se discute se o genocida é genocida, Bolsonaro continua a dinamitar todas as medidas de combate ao coronavírus.

Sem a pandemia, o governo Bolsonaro já seria desastroso. A marca de 400 mil mortos por covid-19, alcançada nesta quinta-feira, é o símbolo da transformação do desastre numa catástrofe. No fundo, é a marca de mais um fracasso brasileiro.

O governo não tem projeto econômico para o país crescer e combater a desigualdade social. A incompetência é a regra do ministério, com destaque para Paulo Guedes (Economia). A atual administração prega abertamente a selvageria com propostas de armar a população, bem ao gosto de milicianos homenageados pela família presidencial. Trata-se de um governo que agride minorias cotidianamente e destrói o meio ambiente enquanto protege criminosos.

A lista de retrocessos é longa. A pandemia só agrava a tragédia brasileira. Literalmente, Bolsonaro oferta a paz dos cemitérios aos cidadãos. O país não merecia ter o pior presidente da sua história justamente numa hora de crise sanitária global. Os danos levarão anos para serem sanados.

Além das mortes que poderiam ter sido impedidas, parte da população que adoeceu por obra de um governo irresponsável sofrerá com sequelas, o que gerará mais pressão sobre o SUS (Sistema Único de Saúde).

O presidente Jair Bolsonaro sempre minimizou os impactos da pandemia. Desde o começo, ele implementou uma estratégia de imunidade de rebanho que é negligentemente homicida. Atingimos 400 mil mortes porque Bolsonaro decidiu pagar o preço de deixar o coronavírus correr solto. Foi intencional, não decisão por pura incompetência, apesar disso ter contribuído para colocar em prática a resposta presidencial à pandemia.

Em 23 de março do ano passado, o empresário bolsonarista Junior Durski, dono da rede de restaurantes Madero, sintetizou essa estratégia numa postagem na internet. Durski criticava um lockdown que nunca seria aplicado no país:

"O Brasil não pode parar dessa maneira. O Brasil não aguenta. Tem que ter trabalho, as pessoas têm que produzir, têm que trabalhar. O Brasil não tem que essa condição de ficar parado assim. As consequências que teremos economicamente no futuro vão ser muito maiores do que as pessoas que vão morrer agora com o coronavírus. (...) "Não podemos [parar] por conta de 5 ou 7 mil pessoas que vão morrer, eu sei que é muito grave, sei que isso é um problema, mas muito mais grave é o que já acontece no Brasil".

No fim de abril de 2021, enquanto se discute se o genocida é genocida, Bolsonaro continua a dinamitar todas as medidas de combate ao coronavírus.

O presidente, que falou mal da máscara inúmera vezes, estimula aglomerações sem proteger o rosto. Ele, que desprezou a vacina ao lançar dúvidas sobre sua eficácia e desestimular as pessoas a se imunizar, diz que não vai tomar nada agora. Só quando todo mundo se vacinar. Bolsonaro, que receitou medicamentos que podem fazer mal à saúde sem eficiência contra o coronavírus, disse nesta quarta-feira que tomaria cloroquina novamente.

O presidente mantém sua estratégia de boicote a todas as medidas de combate à pandemia na hora em que o Brasil atinge 400 mil mortes e caminha celeremente para chegar a meio milhão. Ele não vai mudar, apesar de, dia sim, dia não, ter gente propagandeando uma mudança de tom.

Como o Congresso e a Procuradoria Geral da República se omitem e se tornam cúmplices de uma catástrofe sanitária que transformou o Brasil num covidário, a tragédia tende a se prolongar. Os brasileiros terão de esperar outubro do ano que vem para tomar a medida mais eficaz contra a pandemia: no voto, desalojar Bolsonaro da Presidência.

Por que a Sputnik V foi rejeitada pela Anvisa de Bolsonaro?


A atual Anvisa nunca teve a intenção de autorizar o uso da Sputnik V no Brasil. A esperança dos atuais dirigentes do órgão era empurrar a decisão com a barriga até a Covid deixar de ser problema, mas a  exigência do STF precipitou as coisas e obrigou o órgão a se posicionar sobre a questão. O arrazoado da Anvisa contém apenas pretextos pinçados na documentação para justificar "tecnicamente" a negativa da autorização já decidida desde o começo. Há pressões norte-americanas para dificultar o comércio da Rússia com qualquer país e a vacina é apenas mais um alvo das decisões geopolíticas dos EUA. Países menos alinhados com as posições norte-americanas têm resistido às pressões, mas não o Brasil atualmente. Os técnicos da Anvisa justificaram a negativa do registro da Sputnik V com vários argumentos, todos questionáveis. No entanto,  o mais grave é o que afirma ser a vacina composta de vírus replicante, potencialmente perigosa à saúde humana.

É afirmação lastreada na ignorância ou na má fé. A Anvisa já autorizou o uso da vacina AstraZeneca, que opera sob o mesmo princípio da Sputnik e possui a mesma tecnologia de fabricação. Ambas utilizam adenovirus como vetor da informação genética do vírus da Covid e ambas induzem as células humanas a produzirem as proteínas virais necessárias à produção de anticorpos pelo organismo da pessoa vacinada. Embora indesejada a replicação viral, nesse caso, pode ser inclusive necessária para a vacina funcionar, apesar dos mecanismos de replicação do vírus serem inativados pelo seu processo de fabricação. Como a cepa do adenovirus é virtualmente inócua, como agente patológico, isto significa que mesmo que ela se replique não há perigo para a pessoa vacinada,  já que, ao mesmo tempo,  a replicação pode potencializar a produção de anticorpos. Dizer que o vetor replicante da vacina  é elemento suficiente para condená-la é confissão de ignorância e incompetência profissional. É confissão da má fé.

Quanto ao tipo de adenovirus utilizado em ambas as vacinas, deve ser esclarecido que a AstraZeneca usa vírus retirado de rim de chimpanzés enquanto a Sputnik utiliza adenovirus retirado de orofaringe humana. 

Ao condenarem a Sputnik, os técnicos deixaram de considerar que o vírus utilizado pela vacina russa é um vírus absolutamente domesticado, amplamente disseminado nas populações humanas e incapaz de produzir qualquer doença detectável. Esquecem, igualmente de dizer que o vírus do chimpanzé é, potencialmente  mais perigoso. Como há notícias não comprovadas de que o adenovirus russo é retirado de fetos humanos, obtidos de descarte de abortos legais realizados na Rússia na década de 1960, e mantidos em laboratório mediante replicação artificial, é provável que a decisão da Anvisa tenha sido também religiosa, além de satisfazer a demanda da metrópole. Mas as cepas E1 e E3, utilizadas na Sputnik foram isoladas, de fato, de amígdalas de crianças vivas e são mantidas em laboratório mediante a replicação seriada do adenovirus em culturas de células tumorais humanas, criadas especificamente para esse fim. 

Discordo dos meus colegas de parte da comunidade científica brasileira, que aprovaram o veto da Anvisa ao imunizante russo, produzido pelo Instituto Gamaleya. Colegas a quem respeito deixam de considerar fatos que necessitam ser levados em conta, no julgamento da questão. Em primeiro lugar, é necessário considerar que o tratamento dado pela Anvisa aos desenvolvedores de vacinas não tem sido imparcial. A Anvisa não exigiu a realização de inspeções nas instalações dos fabricantes da Pfizer, Moderna ou dos fabricantes da Astra-Zeneca, enquanto submeteu aos fabricantes russos e chineses tal exigência. Ela aprovou prontamente a vacina de Oxford, quando essa vacina utiliza o mesmo tipo de vetor viral e está sujeita, também, a ser contaminada com vírus replicante, no processo de fabricação sobre a qual a própria Anvisa não tem controle. Contaminação essa que está por ser provada, no caso da Sputnik V.

É necessário também considerar que a avaliação de risco da infecção por formas replicantes do vetor viral está sendo desproporcionalmente exagerada. As cepas de adenovirus utilizadas na fabricação da Sputnik são consideradas praticamente inócuas, embora outras cepas desse organismo possam produzir infecções respiratórias e gastrointestinais sem gravidade. Se ignora que a experiência humana com esse agente infeccioso é milenar, sendo raríssima a ocorrência de infecções potencialmente mortais ou incapacitantes. Isso significa que mesmo na possibilidade improvável de contaminação da vacina com formas replicantes do vírus não é razoável esperar a ocorrência de doenças que justifiquem o não uso da vacina.

Ignora-se também que a experiência da indústria com esse vetor não é nova. As cepas russas do adenovirus estão sob teste há mais de trinta anos. Elas são os mesmos vetores virais da vacina contra a infecção pelo Ebola, produzida pelo mesmo laboratório da Sputnik V. São os mesmos vetores que ajudam a prevenir eficazmente essa infecção mortal desde o início da década passada, mediante a vacinação de milhares de pessoas.

Não se pode ignorar que nesse tempo todo de experiência  com esse vetor não há notícia de qualquer ocorrência capaz de justificar o temor de danos à saúde de quem se expõe a ele. Não há qualquer relato de ocorrências na experiência com a vacina contra o Ebola e nem contra a Covid, nos testes realizados contra essa última doença até agora. Fato que não se repete com a vacinação com  a AstraZeneca. Essa vacina já provocou a morte mais de 190 pessoas em todo o mundo. É fato conhecido e indisputado. Ninguém a proibiu  em nenhum lugar, exceto na Noruega e Dinamarca. Muitos de nós aceitam o risco de morte com essa vacina, mas relutam em aceitar riscos menos graves e menos frequentes de uma vacina que possui um componente muito menos letal.

Pode-se argumentar que as ressalvas à Sputnik se devem à escassez de dados sobre a segurança da vacina ou a ocultação intencional das ocorrências indesejáveis produzidas por ela. Mas isso é um insulto à inteligência do estudioso imparcial da questão. Os resultados dos estudos feitos com mais de 30 mil  pessoas não evidenciam a concorrência de efeitos indesejados em frequência maior que os produzidos por outras vacinas. É igualmente difícil admitir que a ocultação de fatos negativos possa ser sustentada por mais de trinta anos de experiência com esse vetor ou nas experiências recentes com a Sputnik V. Só quem se alimenta de teorias de conspiração pode acreditar que não há informações suficientes para o julgamento isento do produto.

Dilermando Fazito é médico sanitarista aposentado do Ministério da Saúde e pesquisador na área de leishmaniose e malária, na qual trabalhou durante mais de 40 anos. Foi orientador de mestrandos e doutorandos de medicina na UFMG em metodologia científica e professor do curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Barbacena. Atualmente é consultor na prefeitura de Belo Horizonte. Recentemente, deu um parecer positivo para o uso da Sputnik 5 à equipe técnica que analisou a viabilidade da compra da vacina pela prefeitura.

Sir O'Gomes faz de palhaços seus possíveis aliados


Ciro desgarra de presidenciáveis e acaba com sonho de candidatura única de centro

Mônica Bergamo

A iniciativa de Ciro Gomes de divulgar filmetes com suas propostas para o Brasil jogou um balde de água fria em políticos que formaram com ele o chamado G-6 —grupo de presidenciáveis que reúne também o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, o governador de SP, João Doria, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, o apresentador Luciano Huck e o empresário João Amoêdo.

BREQUE

A ideia é que todos, ao menos publicamente, atuassem como se não fossem ainda candidatos, permitindo o diálogo e até, quem sabe, uma candidatura única para 2022. Mas Ciro, nas palavras de um deles, “desgarrou”. E acabou com o projeto de unir a todos em torno de um nome que ganhasse força para se contrapor a Jair Bolsonaro e a Lula na sucessão presidencial.


ACELERADOR

A atitude não surpreendeu: Ciro nunca se comprometeu a retirar a pré-candidatura, ainda que temporariamente, de cena.

ACELERADOR 2

Na semana passada, o PDT anunciou que contratou o jornalista e marqueteiro João Santana para cuidar da comunicação do partido. A legenda desde então já lançou três filmetes em que Ciro fala sobre propostas para o Brasil, numa postura de candidato.


ACELERADOR 3

A integração de Santana ao projeto de Ciro solidificou a certeza de que o pedetista será candidato, chova ou faça sol. O jornalista comandou as campanhas vitoriosas de Lula para presidente, em 2006, e de Dilma Rousseff em 2010 e em 2014.

​com BIANKA VIEIRA e VICTORIA AZEVEDO

Bolsonaro comemora 400 mil CPFs cancelados



Brasil atinge marca de 400 mil mortes pela Covid-19
Um em cada cinco óbitos registrados no país desde março de 2020, quando começou a pandemia, foi provocado pelo novo coronavírus

RIO — A tragédia da Covid-19 no Brasil não é visível apenas na impressionante marca, atingida nesta quinta-feira (29), de 400.021 óbitos, segundo o consórcio dos veículos de imprensa. Em meio a falta de vacinas e um governo questionado em CPI por sua ação na pandemia, o peso do novo coronavírus sobre o sistema de saúde também surge em outro indicador — uma em cada cinco mortes notificadas no país (21,7%) desde março do ano passado é decorrente da doença.

O índice foi calculado a partir de dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), entidade que representa todos os cartórios do país. A primeira morte provocada pela pandemia, segundo registros oficiais, ocorreu no dia 17 de março do ano passado. Desde aquele mês, o Brasil contabilizou 1.843.281 óbitos totais. A associação assinala que os cartórios são responsáveis pelo fornecimento de dados — e o número, portanto, pode estar defasado — mas relação de um quinto deve permanecer.

Apesar do percentual elevado, pesquisadores entrevistados pelo GLOBO acreditam que ela pode ser ainda maior: a subnotificação ainda é alta no país, já que muitos infectados pelo coronavírus morrem em casa, sem recorrer ao atendimento médico, devido ao colapso do sistema hospitalar. Há, também, óbitos por Covid-19 que são registrados como síndrome respiratória aguda grave (SRAG) sem causa determinada.

A escalada da pandemia é comprovada por seguidos recordes batidos nas últimas semanas. Desde a chegada do coronavírus no Brasil, houve 18 ocasiões em que o país registrou mais de 3 mil mortes diárias em decorrência da doença — 13 vezes em abril e cinco em março deste ano.

O Brasil é o segundo país em óbitos acumulados, atrás apenas dos EUA (cerca de 575 mil), e também o segundo no registro de novas ocorrências da Covid-19 na última semana, ranking liderado agora pela Índia. A taxa de letalidade mais que dobrou, de 2% no final de 2020, para 4,4% na semana passada.

Para o sanitarista Christovam Barcellos, coordenador do MonitoraCovid-19 da Fiocruz, a situação da pandemia poderia ser ainda mais grave. Segundo ele, uma investigação do registro de óbitos apontaria que a Covid-19 já teria matado mais de 500 mil pessoas no país. O diagnóstico caberia às secretarias de Saúde, mas muitas não têm a infraestrutura necessária para o trabalho.

Barcellos destaca ainda as mortes "indiretas" causadas pela pressão que a pandemia causou sobre as redes hospitalares.

— Há complicações que não puderam ser atendidas, devido a fatores como a exaustão dos profissionais de saúde, a falta de oxigênio e medicamentos nos hospitais e a superlotação de UTIs — explica. — Este quadro contribuiu para óbitos indiretos: quantas pessoas tiveram infarto e não conseguiram ser socorridas? Quantos tiveram cirurgias adiadas e viram sua saúde piorar?

Platô elevado

Um boletim divulgado nesta quarta-feira pela Fiocruz demonstra sinais tímidos de queda no número de casos (-1,5% ao dia) e óbitos (-1,8% diários) por Covid-19 no país. Para Barcellos, seria um indicativo de que o Brasil teria atingido ao pico da pandemia. No entanto, como a reprodução do coronavírus ainda é acelerada, não há tendência de queda na curva epidemiológica.

— Isso significaria que chegamos a um platô, da mesma forma como na primeira onda, em meados de 2020. A diferença é que, desta vez, estacionamos em um índice muito mais elevado. No ano passado, eram cerca de mil óbitos por dia. Agora, atingimos até 3 mil — alerta. — A lição que deveríamos ter aprendido é que este momento deve ser o de reorganização de serviços, e não de flexibilização total.

Outro obstáculo é a circulação de variantes do coronavírus, especialmente a P.1, que emergiu na Amazônia em novembro do ano passado. Um estudo divulgado na quarta-feira (28) pela Secretaria estadual de Saúde de São Paulo indicou que a variante foi detectada em 90% de 1.439 sequenciamentos genéticos analisados pelo Instituto Adolfo Lutz (SP).

A primeira onda do coronavírus demorou meses para atingir o país inteiro, destaca Barcellos. A P.1. cumpriu o mesmo trajeto em semanas. Não está comprovado se a variante é mais letal, mas, segundo pesquisadores, a velocidade do contágio poderia atrasar a erradicação da pandemia.

Inverno que se aproxima é desafio

Eliseu Alves Waldman, epidemiologista e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, pondera que o país pode ter atingido o pico da segunda onda da pandemia, mas que enfrentará um novo desafio nas próximas semanas:

— Entraremos no inverno no fim do mês que vem, quando ocorreu o pico da primeira onda. Então, pode haver um novo recrudescimento do Sars-CoV-2 nesta época, como ocorre com todos os vírus respiratórios — explica Waldman. — Como não tomamos medidas mais radicais para diminuir a circulação do vírus, pode ser que ela seja mantida em um patamar muito alto.

Além das mais de 400 mil mortes, Waldman atenta que o país conta com aproximadamente 14,5 milhões de infecções confirmadas. Muitos casos, segundo o epidemiologista, são de pessoas que foram internadas. Embora tenham conseguido sobreviver à Covid-19, podem ter sido vitimadas com outras mazelas.

— O vírus deixa sequelas, principalmente respiratórias, cujas consequências a médio e longo prazos ainda são desconhecidas, mas que demandarão um atendimento especial. Hoje, a prioridade ainda é evitar o colapso do sistema de saúde — atenta o epidemiologista. — A pandemia também está provocando a diminuição da cobertura de pacientes com outras doenças infecciosas ou doenças crônicas não transmissíveis, que deixaram de ser atendidos. É o caso da tuberculose, que tem uma incidência muito alta no Brasil, da hipertensão e do diabetes.

Também preocupa a marcha lenta da vacinação no país. Iniciada em janeiro, a campanha de imunização contemplou com uma dose apenas 14,5% da população, o equivalente a 30,5 milhões de pessoas. O Brasil é o quarto país que mais aplicou vacinas, mas somente o 22º em doses aplicadas a cada cem habitantes, de uma lista 52 nações que reportam cobertura vacinal para Covid-19.

Barcellos e Waldman indicam que a imunização, que começou em grupos prioritários — idosos, profissionais de saúde e populações vulneráveis, como os indígenas — deve provocar um efeito cascata, que reduzirá a pressão nos hospitais sobre casos graves. A redução dos índices de mortalidade por Covid-19 já foi registrada em pessoas acima de 80 anos, e em breve poderá será vista em pessoas de outras faixas etárias. No entanto, devido à demora para comprar vacinas, o país segue longe da imunização em massa.

O curioso fenômeno de demência coletiva que apaga expressões populares


Take away ou para viagem?

Sérgio Rodrigues

Saiu nesta Folha, na coluna Painel S.A.: “Restaurantes querem aportuguesar o take away na pandemia”. Era o dia 1º de abril, mas não se tratava de uma pegadinha com o leitor.

O texto era sério e explicava que o modelo em que “o cliente vai até o estabelecimento, a pé, buscar a refeição” se tornou “conhecido no Brasil depois da quarentena”.

Éramos informados de que, embora o intrigante conceito comercial tenha semelhanças com o de drive thru –“que recebe o consumidor de carro e já é tradicional por aqui há décadas”–, a troca de rodas por sapatos traz novos desafios.

Chef de máscara e roupa branca prepara sacola de papel com alimentos para viagem, em frente a parede branca

“Além de take away, os restaurantes chamam o modelo de pick up, to go, grab and go e outras variações de expressões em inglês com o mesmo significado de pegar e levar”, prosseguia a nota.

“Se a gente não unificar isso, cada lugar do Brasil terá um entendimento diferente”, angustiava-se o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes.

Adorei o humor involuntário da coisa, fundado no pacto de invisibilidade —do qual se espera que o leitor participe— da expressão “para viagem”.

Anterior não só à pandemia atual, mas também à da gripe espanhola, a locução “para viagem” goza de consagração popular e lexicográfica.

Informando tratar-se de um brasileirismo informal, o Houaiss a define assim: “acondicionado em embalagem, para ser levado e consumido em outro local (diz-se de comida, alimento)”.

Quer dizer que os brasileiros já sabiam ser possível comprar uma refeição no restaurante e levá-la para casa antes que os americanos nos ensinassem a fazer isso com seu mind-blowing conceito de take away ou grab and go?

Aparentemente, sim: já se levavam quentinhas cheias de bolinhos de bacalhau para casa na República Velha, quem sabe até no Império. Por incrível que pareça.

Como explicar então a hilariante —a princípio, e logo também perturbadora— invisibilidade de “para viagem” no impasse tradutório da associação de restaurantes?

Imaginei um conto de fadas em que o povo de certo burgo começasse a esquecer o nome das coisas, numa espécie de demência coletiva, sendo forçado a adotar palavras importadas para os atos mais rotineiros.

“Ah, se tivéssemos um nome para essa bebida preta que tomamos depois de acordar!”

“Você quer dizer, na morning?”

“Sim, a bebida da morning. Essa preta aromática.”

“Mas nós temos um nome: coffee.”

“Ah, é, obrigado. Me passa a butter?”

O leitor não deve imaginar que o colunista compartilhe qualquer traço de xenofobia com o ex-deputado Aldo Rebelo, que 20 anos atrás tentou enquadrar os estrangeirismos numa lei ridícula.

A mania anglófila que mesmeriza parte da sociedade brasileira —um fenômeno de classe média e alta concentrado nos setores corporativo e marqueteiro— é jeca, mas não é motivo de alarme.

Os restaurantes nem precisariam traduzir take away, como nunca traduziram drive thru. Línguas assimilam isso bem. O que causa espanto é que, buscando uma tradução, não enxerguem a que está debaixo do seu nariz.

A quem quiser entender por que palavras importadas não nos fazem mal, recomendo o livro “Estrangeirismos – Guerras em Torno da Língua” (Parábola), organizado por Carlos Alberto Faraco e lançado no calor da polêmica aldo-rebeliana.

O caso do take away me fez voltar a ele, mas não encontrei nada sobre o fenômeno de demência coletiva que apaga expressões populares como “para viagem”. Quem sabe entramos numa nova fase.

Ele diz o que pensa



As grandes igrejas não querem fiéis, querem consumidores

Carapanã

As grandes igrejas não querem fiéis, no sentido estrito do termo, querem consumidores. Não é sobre o dízimo simplesmente, mas sobre o controle de corpos e mentes através de uma indústria cultural que já tem décadas de existência. 

Qualquer projeto de ensino público laico é enxergado como inimigo do complexo cultural gospel. Boa parte do poder político das igrejas deriva desse complexo - e consequentemente o do bolsonarismo também. 

Converter é mudar o estilo de vida. É assistir Record ao invés de Globo, é deixar de frequentar pagodão pra consumir música de pastor-cantor, etc etc. Ser um bom cristão, vejam só, é consumir entretenimento gospel. 

Essa construção ficcional do "mundo" (como os evangélicos se referem ao que está fora da esfera de influência da igreja) é necessária pra manter o fiel na linha. Lembro desse tipo de mediação ter relativamente pouca tração na política durante a década de 1990. Não mais. 


O Brasil não merecia isso

João Ximenes Braga

"No lugar de declarar guerra ao vírus, ele declarou guerra à ciência, à medicina e à vida. As mortes seriam evitadas. Sua necropolítica e sua política da morte constituem um crime contra a humanidade que deve ser investigado. Hoje, Bolsonaro é um perigo para o mundo todo e o povo brasileiro não merece".

Miguel Urban Crespo, deputado do Parlamento Europeu, esta manhã, no plenário, durante uma longa sessão de humilhação internacional para o Brasil.

Aquelas pessoas que diziam "o Lula não pode representar o Brasil lá fora" e falavam da deselegância do andar de Dilma estão satisfeitas agora? Aquela classe média que não queria pobre no aeroporto e que se preocupa em manter as aparências, tá feliz com as aparências mantidas por um miliciano genocida que expele marimbondos putrefatos ao falar?

O Brazil que tanto se preocupava com as aparências, matou o Brasil internacionalmente respeitado por seu soft power e mostrou sua verdadeira face.

Concordo com tudo que o eurodeputado falou, inclusive a parte sobre não merecer. O Brasil que gerou Paulinho da Viola não merecia isso. Nem o Brazil que gerou o sacolé de bicheira merecia, acho.

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Rebanho


 

Segredos e Surpresas



Paulo Jegues é um ministro singularmente incompetente, despreparado e insensível à realidade

Luis Felipe Miguel 

Guedes deixou, faz tempo, de ser "superministro". Mas, aferrado ao cargo, aceitou bem a nova situação. E continua cumprindo o papel ao qual estava destinado: é o talismã que faz com que a burguesia e seus porta-vozes não abandonem o governo, por mais criminoso e insano que ele se mostre.

Para dourar a pílula, insistem na balela de que Guedes representa uma ala "racional" ou mesmo "técnica" do governo. Um pobre banqueiro constrangido à convivência com milicianos e terraplanistas.

É uma lenda que não resiste a cinco minutos de observação de Guedes, um ministro da Economia singularmente incompetente, despreparado para o cargo e insensível à realidade.

Basta pinçar alguns highlights de sua performance na reunião do Conselho de Saúde Complementar, ontem.

Ele falou com liberdade porque não sabia que a reunião estava sendo transmitida pelas redes sociais do Ministério da Saúde. Então assumiu plenamente a teoria conspiratória preferida da extrema-direita, dizendo que "o chinês inventou o vírus".

Isso para louvar a eficácia superior das vacinas estadunidenses, porque "o americano tem cem anos de investimento em pesquisa". Inadvertidamente, confessou que seu projeto é de um Brasil para sempre atrasado - já que sua política econômica não dá nenhuma margem para investimento em pesquisa.

Aproveitou para, uma vez mais, defender o desmonte do sistema de saúde pública - em vez disso, seriam dados vouchers, para o pobre "ir no Einstein, se quiser".

A velha defesa a priori das virtudes do mercado, que, entre muitas outras coisas, ignora que o mercado opera por segmentação. Tenho uma ideia melhor: cobrar dos ricos os impostos que Guedes não quer cobrar e socializar todo o sistema hospitalar. Com isso irá ao Einstein não quem "quiser", mas quem precisar.

De quebra, anunciou que morrer jovem é ato de patriotismo (ele e seu chefe bem podiam dar o exemplo). Segundo Guedes, hoje “todo mundo quer viver 100 anos” e o orçamento do Estado não aguenta.

Nem é preciso qualquer comentário para descrever o tipo de visão que sustenta uma frase destas.

Mas o eterno Chicago boy pode ficar orgulhoso. O governo ao qual ele serve, adotando as políticas que ele patrocina, está promovendo a primeira redução da expectativa de vida dos brasileiros em décadas.

MiJair Boçalnato diz que a Antártica fica no Brasil

O país de Boçalnato é uma esbórnia

Claudio Guedes

Radical

O projeto de destruição de Bolsonaro é radical. Não poupa nem o Exército. Ou não é uma desmoralização para a instituição ver um general da ativa de bermudas, camiseta, flanando sem máscara - cujo uso é obrigatório em espaços públicos - em um shopping de Manaus? Ou um general da reserva, chefe da Casa Civil, afirmar que se vacinou contra a COVID19 escondido - para não contrariar o chefe - porque ele, o general, quer viver! 

O país de Bolsonaro é uma esbórnia.

Choronavirus, pãodemia e cloroquiners deveriam entrar para o dicionário

 

Gregorio Duvivier

Na pandemia da Covid-19, nós ressuscitamos uma dezena de palavras moribundas e mortiças

Você deve ter lido esta matéria: a língua alemã criou mais de mil palavras na pandemia. Chamam de “coronaangst” o medo da pandemia, e de “impfneid” a inveja das pessoas que já se vacinaram. Tem nome até praquele corte de cabelo que você fez em si próprio: “coronafrisur”, ou coronacorte.

“Até nisso os alemães trabalham mais que a gente!”, pensei, invejoso, antes de perceber que não ficamos pra trás. Não criamos mais de mil palavras, claro. Em português não é assim que funciona.

Palavra aqui não é mosquito, que basta um pouco de água parada pra se reproduzir. Nosso léxico, romântico, precisa de clima pra acasalar. Não se faz uma palavra assim: coronarraiva. Tá vendo? Não rolou. Em português tem que ter química pra dar match. Mas quando rola é bonito de ver. E aconteceu diversas vezes nessa pandemia.

À proliferação de padeiros deram o nome brilhante de pãodemia. Chamamos de choronavírus a tristeza pandêmica e as crises de choro tão comuns no confinamento.

Quarenteners são os que ainda acreditam nas recomendação da OMS, em contraponto aos cloroquiners, que confiam mais no general Pazuello. Os participantes de uma festa pandêmica são os covidados.

Já o imunizante chinês foi batizado por seus detratores de Vachina. Repleto de bonecas e brinquedos, o lugar em que escrevo virou um ex-critório. Esse acabei de inventar. Perdão.

Não só de palavras novas se encheu nossa boca. Ressuscitamos uma dezena de palavras moribundas, mortiças como a palavra mortiça. Os alemães, tão atentos à sustentabilidade, deveriam se perguntar: por que fabricar palavras com tantas encostadas, apodrecendo no armário? Lavou, tá nova.

"Assintomático” constava nos compêndios médicos, nunca tinha frequentado conversa de WhatsApp. A palavra “imune” pertencia ao Big Brother, assim como “confinamento” e “casa de vidro”. “Genocida” pertencia aos livros de história (que saudade) e hoje está em todas as goelas do país.

“Pandemia” morava nos cafundós do dicionário, perto da palavra “quarentena” —outra palavra mortiça que voltou a nos assombrar. Ou “platô”, antes restrita aos geólogos, e “cepa”, antes restrita aos enólogos. Disso também tenho saudades.

Não devemos nada aos gringos na abundância vocabular. Talvez só nisso, mesmo. Deve existir em alemão uma palavra pra inveja de alguém por algo que nós já temos. Em português existe: complexo de vira-lata. Aliás: vira-lata, que palavra.

terça-feira, 27 de abril de 2021

Urubu nasce sabendo achar carniça


No mesmo dia o Paulo Guedes reclama que as pessoas querem viver cem anos e puxa briga com o país que mais nos fornece vacinas.

Se ele fosse inteligente, eu até pensaria que há uma estratégia para impedir a vacinação e matar mais gente.

Mas não tem estratégia, não. É pior. É instinto. Urubu nasce sabendo achar carniça.

João Ximenes Braga 

Desmoronando


Amarildo

Ministro Paulo Jegues critica brasileiros que insistem em não morrer: "Todo mundo quer viver 100 anos”


Guedes critica aumento da expectativa de vida: "Todo mundo quer viver 100 anos”

Brasil Econômico

O ministro da Economia , Paulo Guedes , afirmou nesta terça-feira (27) que não foi a pandemia que tirou a capacidade de atendimento do setor público, mas sim "o avanço na medicina " e "o direito à vida''.

"Todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130 ", disse. Segundo ele, "não há capacidade de investimento para que o Estado consiga acompanhar" a busca por atendimento médico crescente.

De acordo com o ministro, o Estado "quebrou" e, diante da escassez de recursos do sistema de Saúde , o setor público não terá capacidade de atender à demanda crescente por atendimento da população.

Desde 1940, a expectativa de vida do brasieliro médio só vinha aumentando, ano após ano. Dos anos 40 para 2019, houve um acréscimo de de 31,1 anos de vida para alguém que nascesse no Brasil, e o número passou de 45,5 anos para 76,6.

Em 2020, com a pandemia e as mais de 2 mil mortes diárias , o tempo estimado de vida após o nascer foi de 75,4 anos em 2020, um ano a menos que no período anterior.

Finanças públicas

Em fevereiro de 2020, um mês antes da crise sanitária se instalar no Brasil, um estudo da Secretaria do Tesouro Nacional já apontava a necessidade de gastos adicionais em saúde entre 2020 e 2027 devido ao envelhecimento populacional.

"Há uma forte pressão para elevação das despesas [em saúde] em decorrência do processo de envelhecimento da população, dado que a população de maior idade demanda proporcionalmente mais serviços de saúde", avaliou a instituição.

No ano pré-pandemia, a regra do teto de gastos impediu um aumento das despesas na área de saúde. Em 2019, R$ 9,05 bilhões deixaram de ser empenhados para essas despesas, de acordo com o Tesouro Nacional.

Com a eclosão da pandemia no início de 2020, foram gastos R$ 42,7 bilhões a mais no setor. Em 2021, o governo vem liberando gastos pontuais por meio de créditos extraordinários. 

A regra do teto de gastos vale por 20 anos, e pode ser reavaliado a partir de 2026.

Se os brasileiros morrerem, o país vai para a frente

Paulo Jegues ofende a China de novo

Covid-19: SP volta a superar mil mortes por dia; casos somam 2,8 milhões



Do UOL, em São Paulo

O estado de São Paulo voltou a registrar mais de mil mortes em um dia por covid-19. Dados divulgados no boletim de hoje da Secretaria Estadual da Saúde apontam 17.992 novos casos e 1.044 novas mortes no período de 24 horas.

A última vez que a marca de mil mortes foi superada foi no dia 20 de abril, quando foram registrados 1.122 óbitos. Os números de hoje têm dados acumulados do final de semana, quando habitualmente são registrados menos óbitos e casos.

Abril já é o mês mais letal da pandemia no estado com mais de 17 mil mortes, contra 15.159 de março, mês que havia batido recorde. No total, já são 2.856.225 casos e 93.842 óbitos por covid-19 no estado desde o início da pandemia.

Hoje, São Paulo tem 22.112 pacientes internados em UTIs (Unidade de Terapia Intensiva) e 11.686 em enfermarias. A taxa de ocupação dos leitos de UTI no estado é de 80% e na Grande São Paulo é de 78,3%.

Nos últimos dias, o governo do estado apontou uma queda conjunta nos indicadores de novos casos, óbitos e novas internações pela primeira vez em dois meses.

De acordo com o governo paulista, o registro de novos casos diários em relação à última semana epidemiológica caiu 14%, novas internações reduziram em 6% e óbitos, em 23%. O Centro de Contingência do Coronavírus atribui as quedas à diminuição de circulação nas fases restritivas.

O projeto de destruir o Brasil com uma visão de mundo tacanha encontrou um porta-voz perfeito em Paulo Guedes

Como Bolsonaro, Guedes atravessa a rua para pisar em casca de banana
Não tem a menor condição de ser ministro da Economia. É um trapalhão, um farsante. 

Há certa injustiça em considerar que o presidente Jair Bolsonaro é o principal personagem do governo a gerar problemas e crises do nada. Paulo Guedes, ministro da Economia, é outro especialista em atravessar a calçada para pisar em casca de banana. Como um todo, o governo tem alta capacidade de dar tiros no pé.

Mas é difícil entender o que leva um ministro da Economia a falar tantas bobagens como se suas palavras não tivessem impacto. Não aprendeu nada em dois anos e pouco?

Reportagem do "Valor Econômico" revela que Guedes fez ataques gratuitos à China em reunião do Conselho de Saúde Suplementar. No melhor estilo trumpista, ele disse que "o chinês inventou o vírus" e que a vacina da potência asiática seria menos eficiente do que os imunizantes americanos. Qual é o sentido de atacar o maior parceiro comercial do Brasil e país do qual temos dependência para produzir vacinas?

Mas o ministro não parou por aí. Apesar de fato notório, ele fez confissão sobre a incapacidade do atual governo para dar respostas à pandemia: "Nós do governo não teremos capacidade de cuidar da saúde do povo". A afirmação ocorreu no contexto da velha demonização do serviço público com exaltação equivocada da iniciativa privada.

Segundo Guedes, os foguetes da Nasa agora são privados porque o setor público não tem capacidade para a tarefa. Ele só se esqueceu de seis décadas de forte investimento público americano na exploração do espaço.

Segundo o "Valor", Guedes pediu que a reunião não fosse divulgada ao público quando soube que estava sendo gravada e transmitida. Ora, ele compreende muito bem que sua fala provocaria problemas na já tumultuada relação entre o Brasil e a China.

Arrogante, o ministro pensou que estava numa reunião secreta na qual poderia arrotar as besteiras de sempre, como dizer que a economia brasileira tem problemas porque o país foi governado pela esquerda nas últimas décadas. Paulo Guedes é uma pessoa inadequada para ocupar o Ministério da Economia, mas essa incapacidade talvez seja pré-requisito para o posto na atual administração.

Trapalhão e farsante, Guedes tem uma visão de mundo estreita inclusive sobre a sua área de especialização. Até hoje não entendeu que a pandemia mudou a política econômica do mundo desenvolvido e mostrou a importância do estado para combater a covid-19 e reduzir desigualdades. Repete chavões abandonados até pelos neoliberais.

No seu americanismo infantil, ele poderia estudar as medidas que estão sendo adotadas pelo presidente Joe Biden. Os EUA decidiram implementar um projeto econômico com uma participação estatal que não era vista desde o New Deal de Franklin Delano Roosevelt.

Mas o ministro da Economia prefere gastar o seu tempo para falar besteiras sobre a China, o programa espacial americano e o papel do estado e da iniciativa privada no desenvolvimento do Brasil. Temos de reconhecer que Bolsonaro tem um ministro à sua altura. O projeto de destruir o Brasil com uma visão de mundo tacanha encontrou um porta-voz perfeito em Paulo Guedes.

Enorme derrota

O começo dos trabalhos da CPI da Pandemia nesta quinta foi uma enorme derrota do governo, responsável por agravar os efeitos da tragédia sanitária no Brasil. Não deu certo a tentativa de impedir a indicação de Renan Calheiros (PMDB-AL) para relator. Tampouco funcionou a estratégia para obstruir e atrasar os trabalhos da comissão do Senado.

Falar em investigação de governadores e difundir comemorações do Palácio do Planalto foram bobagens ditas a respeito da reunião de hoje. A negligência homicida de Bolsonaro, que implementou estratégia irresponsável de imunidade de rebanho, será o foco. Em minoria na CPI, o governo tem muito com o que se preocupar.

Pinturas vivas

O custo do caos

INSEGURANÇA JURÍDICA


Ontem um juiz decretou que Renan não poderia ser o relator na CPI da pandemia. Hoje outro juiz (no caso de segunda instância), decretou que ele pode ser. O que vale? Sei que formalmente a segunda instância, o ponto não é esse. Qual o precedente que vale? 

A decisão do juiz 1 ou a decisão do juiz 2? Por que é o que vale? Qual o fundamento da decisão que valerá? O que devemos esperar quando casos semelhantes ocorrerem? Se caísse com outros juízes, a decisão seria diferente? Por que? São infinitas as perguntas. As respostas nos levam a um labirinto no qual o ponto de chegada é a completa imprevisibilidade das decisões judiciais e um custo econômico altíssimo advindo disto. 

A decadência de um país


Luis Felipe Miguel 

Duas breves notas e um excurso sobre a decadência de um país

Primeira nota: Não tenho, evidentemente, nenhum conhecimento especializado para julgar a decisão da Anvisa sobre a vacina russa. Mas como confiar nela?

A agência está tomada pelo bolsonarismo. É de desconfiar de uma decisão que agrada tanto à política genocida do Planalto, em seu embate com os governadores, e aos grandes laboratórios ocidentais.

A desmoralização da Anvisa é outros dos crimes do cara da casa de vidro contra a saúde pública brasileira.

Segunda nota: O juiz de primeira instância que decidiu ditar a composição da CPI da Covid é mais uma demonstração do vale tudo imperante no Brasil desde que começou o desmonte da Constituição de 1988.

A separação de poderes cedeu lugar à lei da selva, em que pode mais quem berra mais alto.

O Senado já decidiu que vai ignorar a "decisão judicial", o que no caso é óbvio, mas o impressionante é o juiz Charles Morais achar que podia não apenas recepcionar - ou o verbo é receptar? - a ação movida por Carla Zambelli, como conceder limitar.

O excurso: Na verdade, para saber que estamos vivendo num país esculhambado basta lembrar que Carla Zambelli é deputada - mais ainda, uma das pessoas fortes do Congresso...

Aquilo deu nisso

Ex-senadora virou aspone depois de não se eleger nem para vereadora

Ricardo Costa de Oliveira

Reapareceu Heloísa Helena, um dos maiores símbolos viscerais da esquerda antipetista nos governos do PT. Ganhou um cargo de indicação no Senado, indicação no gabinete de oposição da REDE e do senador Randolfe, o mesmo partido de Marina, que no segundo turno de 2014 apoiou e abraçou Aécio Neves e na prática pregou o voto nulo no segundo turno de 2018. 

Lembremos da oposição violenta, raivosa, renegada, destrutiva e cheia de falsa superioridade moral para atacar Lula, Dilma e o PT, contribuindo para alimentar o antipetismo e apoiarem o golpe de 2016 no "fora todos". 

Heloísa Helena não construiu nada no campo da esquerda, como muitos dos que votaram nela. Do outro lado a base sindical da Conlutas e Intersindical é mais um divisionismo sectário, autofágico e estéril

Com o golpe de 2016 não conseguiram mobilizar, organizar e nem liderar nenhum movimento político, partidário, sindical ou social alternativo contra a direita, contra Temer ou contra Bolsonaro, porque o objetivo deles sempre foi o ataque sectário contra o PT, sem oferecerem nada de substantivo no campo popular da esquerda, ou da organização de novas lideranças e movimentos sociais. 

Os que saíram do PT falavam em autocríticas e sempre é bom olhar a si próprios no espelho das contradições em curso, agora mais uma vez está claro que Lula é o grande puxador de samba, com a ajuda de muitos outros intérpretes juntos, até prova em contrário...

O "cara da casa de vidro"


Cristina Serra

O repórter Sérgio Ramalho, do site The Intercept, teve acesso a um relatório do Ministério Público do Rio de Janeiro com o resumo dos grampos telefônicos de comparsas de Adriano da Nóbrega. Como se sabe, Adriano era o chefe da milícia Escritório do Crime e foi morto em uma operação policial, na Bahia, que mais parece queima de arquivo. As conversas indicam conexões muito mais profundas entre o ex-policial militar e Bolsonaro do que se sabia até então.

Após a morte de Adriano, seus cúmplices teriam procurado um homem, mencionado nos grampos como o "cara da casa de vidro". Fontes do MP-RJ ouvidas pelo site dizem tratar-se de Bolsonaro, e a "casa de vidro" seria uma referência à fachada envidraçada do Palácio da Alvorada. O homem também aparece no relatório como "Jair" e "HNI (PRESIDENTE)". HNI é a sigla para Homem Não Identificado.

As conversas começaram na data da morte de Adriano e foram interrompidas dias depois, quando surgiram as supostas menções a Bolsonaro. O Ministério Público estadual não tem poder para investigar o presidente, e um caso como esse teria que ser encaminhado à Procuradoria-Geral da República.

Adriano da Nóbrega seria peça chave para o esclarecimento de crimes que, de alguma forma, embaralham no mesmo enredo a milícia que chefiava, alguns de seus parentes, o amigo de longa data Fabrício Queiroz e o clã presidencial. Todos juntos e misturados no esquema das rachadinhas.

Esclarecer essas conexões deveria ser prioridade absoluta de investigadores, imprensa, autoridades e instituições no Brasil. Porém, as investigações que envolvem o sobrenome Bolsonaro parecem contaminadas pela lentidão e por generosa condescendência em instâncias do aparelho estatal. Não por acaso, Bolsonaro sente-se à vontade para debochar dos 400 mil mortos pela pandemia usando a expressão "CPF cancelado", a gíria miliciana para pessoas assassinadas.

segunda-feira, 26 de abril de 2021

25% dos brasileiros se vêem representados pelo pior, mais reles, mais inepto, mais cafajeste e autoritário velho imundo que já se viu por aqui

João Ximenes Braga 

Jornalista da CNN relata que os partidos de Centro encomendaram pesquisas que revelam que o eleitor não quer uma terceira via, aposta mesmo em Lula X Bolsonaro. O que achei curioso foi essa última frase  nos tuítes dela: "Bolsonaro, por sua vez, indicam as pesquisas, 'pode fazer o que for que não baixa de 25% das intenções de voto'". A gente já brincou aqui, tem gente que, mesmo que esse homem esfaqueie e estripe uma criança em praça pública, continuará chamando-o de mito. Agora parece que é científico.

Se verdade for, e 400 mil mortos depois, escândalos de corrupção, administração destruidora, economia em frangalhos, parece que é, o que podemos concluir disso?

Que 25% dos brasileiros se vêem representados pelo pior, mais reles, mais inepto, mais cafajeste e autoritário velho imundo que já se viu por aqui. O inominável vai passar, não porque eu queira, mas porque tudo passa. Agora, como vamos reconstruir um projeto civilizatório com essas pessoas no caminho, eu sinceramente não sei. Não sei mesmo.