domingo, 31 de março de 2019

Bolsonaro nada tem a perder ou temer num país boçal

Espetáculo contraria o prazer do autoengano brasileiro
Bernardo Carvalho

Há duas semanas, me vi sentado durante uma hora e 40 minutos diante de três atores ingleses que, fantasiados de frangos amarelos, repetiam no palco o mesmo texto e a mesma cena, inspirada num desses jogos idiotas de auditório.

Enquanto um dos atores encarnava o apresentador, o outro pensava numa palavra que uma atriz, de olhos vendados, tinha que adivinhar. Depois de três tentativas frustradas, os três trocavam de papel e voltavam ao mesmo texto e aos mesmos erros, infinitas vezes, com pequenas variações, até a exaustão e o desespero. Em meio ao desconforto da plateia, comecei a desconfiar que, talvez, estivessem falando de nós.

Nós, brasileiros, já entendemos que o presidente que elegemos não peca pela inteligência. Nada tem a perder ou temer num país boçal, cujo projeto ele acalenta mais por intuição —por afinidade de grupo e instinto de sobrevivência— do que por estratégia.

Também já entendemos que sua eleição nada tem de revolução, a despeito do que dizem seus ideólogos; é antes um arrastão no Estado e nas instituições. Jogadas umas contra as outras, na inércia da incompetência e da ingovernabilidade, elas degringolam rumo ao caos no qual a estupidez e a arbitrariedade poderão enfim reinar livres de controle e entraves, sem necessidade de justificar excessos e exceções.

Já notamos que, no vácuo da ética, procuradores, juízes e ministros atropelam, sem pensar duas vezes, a deontologia de suas atribuições, sob o clamor da moral.

O caso da tentativa de acordo dos procuradores do Paraná com a Petrobras para a criação de um fundo bilionário sob sua jurisdição (sempre com o pretexto do combate à corrupção) é exemplar. Assim como a política ambientalista a serviço dos grandes proprietários rurais, a criminalização da educação em detrimento da educação e a concepção de um modelo de vida sexual e privado para os brasileiros, por um ministério encarregado dos direitos humanos.

Já sabemos que, no lugar do Estado laico como garantia do direito e da liberdade de culto, o governo Bolsonaro gostaria de impor a crença que lhe convém à totalidade da nação.

Já percebemos que o Brasil de Bolsonaro é o do ressentimento de um arrivismo moral contra tudo o que o contraria, que a entropia chancelada por sua eleição tem como divisa "cada um por si e nós por todos", em todas as instâncias, públicas e privadas. E que o limite desse arrivismo por enquanto ainda é a opinião pública. É natural que seu símbolo de justiça e de liberdade seja uma arma em minhas mãos.

Incompreensível seria que esperássemos outra coisa.

 'Mágica de Verdade', do grupo inglês Forced Entertainment 

E é disso que fala "Mágica de Verdade" (Real Magic), do inglês Tim Etchells, com a companhia Forced Entertainment, provavelmente o espetáculo mais radical apresentado na MIT, há duas semanas.

A certa altura, depois de mais de uma hora repetindo em moto-contínuo a mesma cena, um ator passa a soprar a palavra que ele pensou ao ouvido do colega que precisa adivinhá-la. Chega a esfregar na cara do outro a palavra escrita, mas o outro, depois de observá-la com olhar bovino, continua dizendo a palavra errada, impermeável às evidências. Nessa hora, alguns espectadores começam a gritar, porque é insuportável. Gritam a palavra certa, o óbvio, o que todo mundo já viu, ouviu e entendeu, e que continua sem produzir nenhum efeito.

O maior desafio para a crítica do moralismo populista é escapar à armadilha da sua demagogia. Como é possível uma reflexão de verdade se não se pode contrariar o público? Como é possível uma reflexão de verdade que depende de agradar as crenças e os preconceitos do interlocutor? O que é que estamos realmente dispostos a ver, ouvir e entender?

"Mágica de Verdade" encena o círculo vicioso e impermeável do absurdo e da boçalidade. É tortura para a plateia, que procura não se reconhecer no palco. A insistência no absurdo mais tosco acaba revelando os parvos indefesos que o mantêm. São ao mesmo tempo agentes e vítimas das suas próprias ações, incapazes de romper a corrente automática e repetitiva à qual estão agrilhoados e de enxergar ou compreender o que têm diante dos olhos, porque isso significaria contrariar sua lógica e sua ilusão.

É um espetáculo corajoso, mas duríssimo de ver, justamente porque nos diz respeito, porque contraria o prazer do nosso autoengano inconsequente e do nosso consentimento suicida.

A título de curiosidade, o espetáculo foi apresentado no teatro do Sesi, no centro cultural da Fiesp, templo dos que não faz muito tempo ainda gritavam nas ruas que não iam pagar o pato.

Bostonaro ofende todos os árabes e metade dos israelenses numa tacada só

Fernando Horta

Bolsonaro diz que vai abrir um "escritório de negócios" em Jerusalém.

Para quem não sabe, "escritório de negócios" é uma sub-representação. Normalmente, como o nome diz, é apenas um entreposto para questões de certificação comercial e informações.

NUMA TACADA SÓ, o asno que nos governa desgosta o mundo muçulmano todo, os judeus que apoiam Netanyahu (porque um escritório de negócios não é uma embaixada) e os judeus que são contra Netanyahu (porque o primeiro ministro israelense está sob sérias ameaças de prisão por corrupção). Desagrada também à esquerda israelense (porque Bolsonaro é claramente fascista e racista) e coloca o Brasil em linha de ataque do terrorismo internacional.

Ou vocês acham que os muçulmanos vão permitir que se abra um "escritório de negócios" em Jerusalém, sem nenhuma represália?

Política externa não é para ser feita por adolescentes e indigentes mentais. E é a política externa que vai derrubar Bolsonaro...

Não haverá país nenhum

Elias Machado

Há quem diga que, em nome da convivência se pode seguir adiante sem um consenso mínimo, incluindo uma visão da História de nosso país. Não, não e não! Não existe a menor possibilidade de elaborar um projeto de desenvolvimento sustentável e de longo prazo para o Brasil, como Nação e como Estado, sem um consenso mínimo sobre quem somos, sobre o que queremos e sobre o que devemos evitar celebrar porque se trata de um dos períodos mais sórdidos de nosso passado, a ditadura militar 1964-1985.

Enquanto evitarmos este tipo de debate e sobre outras questões fundamentais como as reformas estruturais e políticas (nas escolas, nas universidades, no legislativo, no executivo, no Judiciário, nas forças armadas, nas polícias, nos partidos políticos, nos sindicatos, enfim, em todas as instituições essenciais para a redução das desigualdades aviltantes existentes entre os brasileiros seguiremos atormentados pelo que marca a nossa História como país: um passo adiante de três passo atrás.

Todos os golpistas são filhos da puta


É triste observar que, passados 55 anos, persistem as estruturas essenciais para recompor, e pôr em ação, a qualquer momento, o monstro gerado nos anos de terror. Não absolvo fascistas de qualquer idade. Novos e velhos não se movem por ignorância ou manipulação. É adesão consciente às políticas de extermínio e exclusão que sempre estiveram à disposição das classes dominantes. Não há inocentes. São filhos da puta mesmo.

Gilson Caroni Filho

Torturadores da ditadura transformaram-se em bicheiros e milicianos


1 - A famosa "grande guerra do bicho", pegou fogo na disputa pelo espólio do capo China da Saúde, em 1981. O fuzuê ali envolveu cenas de traição, assassinatos em série, fugas espetaculares, e culminou com a queima do Mariel Mariscot em pleno centro do Rio durante o dia.

2- Mariel, egresso do esquadrão da morte e expulso da Scuderie Le Cocq na década de 1970, queria entrar no negócio da contravenção. Gente que aparentemente não tinha relações com a contravenção entrou na roda, fortalezas foram estouradas.

3 - No final houve uma reconfiguração da geopolítica do bicho, a redivisão de territórios, o fortalecimento da cúpula formada em 1975, a diversificação de atividades criminosas, a captura definitiva das escolas de samba e uma nova estabilidade.

4 - A estabilidade foi quebrada com a disputa pelo espólio de Castor de Andrade e a polêmica sobre os caça-níqueis, introduzidos aqui pela Máfia Corsa em conluio com parte da cúpula.

5 - Foi nesse processo que a "tigrada" dos porões da tortura da ditadura militar passou a ser cooptada, com o desmonte do regime, pelos capos do bicho para trabalhar como tropa de choque

6 - As diversas reconfigurações do crime desembocam na configuração posterior das milicias cariocas.

7 - O grupo do presidente do Brasil nas forças armadas é exatamente o do "pessoal dos porões" que foi recrutado para formar milícias a serviço da contravenção, levando a expertise forjada na pratica sistemática da tortura e do assassinato seletivo.

O chanceler anti-iluminista

Nada para comemorar


55 anos de horror sem fim


O guru do miliciano

Em um mês, guru de Bolsonaro escreveu 13 vezes 'c*', 34 vezes 'p*ta' e 59 vezes 'f*da'

ANCELMO GOIS

O devasso de Virgínia 

Há ou não há hipocrisia num governo (e numa bancada evangélica) que se diz conservador nos costumes — chegou a acusar adversários de absurdos como estimular mamadeira de piroca e “kit gay”, ambos comprovadamente fake news — em cultuar o chulo Olavo de Carvalho como eminência parda (foi um dos poucos convidados de Bolsonaro para um jantar em Washington)?

Sabe quantas vezes o ideólogo escreveu o palavrão “c*” no Twitter só no último mês? 13. Mas isso é fichinha perto de outros dois palavreados habitués do discurso olavista: “p*ta” (34 vezes só em março) e “f*da” (59 vezes). São tuítes elegantes como “O Nhonho (Rodrigo Maia) quer articular c* com piroca. A piroca dele e o c* nosso” ou “O ministério é do Vélez (Rodríguez). Que o enfie no c*”. Sem contar que chamou os militares brasileiros de “cagões”. 

E olha que tudo o que sabe o chanceler Ernesto Araújo veio dessa boca suja...

O golpe e a ditadura são lembrados todos os dias por cada um de nós

Todo dia é aquele


A ordem de comemorar os 55 anos do golpe de 64 seria, vinda de qualquer cabeça antidemocrática, uma provocação tola e de mau observador. No caso de Jair Bolsonaro, a incompreensão da realidade é, claro, muito maior. Inclui até a falta de percepção do que tem sido sua vida.

Comemorar —relembrar com outros—  o golpe e a ditadura em data determinada é redundância. Mais do que eventualmente inesquecíveis, o golpe e a ditadura são lembrados todos os dias, por cada um de nós, sem depender de vontade. Os restos de autoritarismo, apodrecidos mas ainda criminosos; os cacos de legislação, os privilégios e impunidades; as discriminações, boicotes e perseguição aos que não rezam pelo conservadorismo; as preocupações e temores com o golpismo latente —tudo isso integra ainda a vida neste país.

Todos os dias são ainda lembranças e dejetos do 31 de março e do mais autêntico 1º de abril, com suas reproduções cotidianas por 21 anos.

Muitos milhares têm a agradecer o que receberam da ditadura, por via direta ou pelas circunstâncias. Por isso mesmo, também para esses beneficiados os dias são derivações do golpe. Entre os beneficiados, está Bolsonaro. Em posição particular e, por ironia, conquistada por meio da ditadura já na incipiente democracia.

Era o governo Sarney. Veja foi convidada à casa do tenente Bolsonaro para um "assunto importante". O tenente não apareceu na reportagem. Para os efeitos públicos, sua mulher então cumpriu o papel de porta-voz: ou o governo aumentava o salário ("soldo militar") dos tenentes, ou o abastecimento de água do Rio seria cortado pela explosão de bombas em um ponto crítico das adutoras. Foi oferecido para fotografia um croquis, bastante tosco, da linha de adutoras e das localizações.

Não houve o aumento exigido. Como reafirmação, um segundo plano seria a explosão de bombas em quartéis, com a pretensa participação de outros tenentes. Não houve aumento, mas a essa altura correram vagas informações de que o tal tenente estava sob inquérito. O processo daí decorrente foi até ao Superior Tribunal Militar.

O tenente Jair Bolsonaro agiu como terrorista. A publicação de Veja difundiu muita preocupação, tanto pelo anunciado ato terrorista, como pelo indício de grave agitação no meio militar, tão perto ainda do fim inconformado da ditadura. Para os militares, não houvera mudança essencial. O que incluía o STM, onde os dois juízes que evoluíram para a condenação à tortura e outras violências da ditadura, general Pery Bevilacqua e almirante Julio Bierrenbach, haviam sofrido a represália da exclusão. Ser apoiador da ditadura foi, desde 64, uma condição humana especial, com poderes e direitos acima de todos os códigos e convenções do convívio civilizado. O essencial dessa aberração parecia intocado, mas, afinal, o regime era outro.

Apesar disso, e embora não por unanimidade, o tenente terrorista foi absolvido. No centro de um conchavo, não lhe era sentenciada a devida condenação, mas passaria para a reforma. O que ainda lhe rendeu, como bonificação dada na época aos reformandos, promoção ao posto seguinte (por isso o "capitão Bolsonaro") e o soldo correspondente e integral.

Já na primeira eleição posterior à reforma, Bolsonaro candidatou-se a vereador no Rio. Foi eleito pelos militares e suas famílias, que depois lhe asseguraram sucessivas posses como deputado federal. Uma vida fácil e improdutiva na Câmara ou fora dela, assim como a eleição presidencial, que Bolsonaro só teve graças à ditadura. 

A continuidade do tribunal militar de índole ditatorial, quando a imprensa temia soar como provocadora e revanchista, protegeu o julgamento do tenente terrorista com um silêncio que mais tarde não haveria. Nem, portanto, a impunidade premiada.

Além dos restos de 21 anos anticivilizatórios, imagens de Jair Bolsonaro são lembranças diárias daquela desgraça nacional. A ordem de comemorações é só provocação redundante.

Privê


sábado, 30 de março de 2019

Sérgio Marlboro e o câncer

Fernando Horta

Sobre o "grupo de trabalho" do ex-juiz Sérgio Marlboro e sua "jenial" ideia de baixar o preço do cigarro.

O "jenial" ex-juiz disse que "se o consumo aumentar as medidas estão descartadas" e o que impressiona é o termo "se". Denota que o "jenial" ex-juiz não conhece microeconomia, saúde pública e a história de luta do mundo todo contra o tabagismo desde os anos 60.

A micro-economia mostra em um produto em equilíbrio das curvas de oferta e demanda, se o preço subir, a quantidade consumida diminui. Se o preço descer a quantidade consumida aumenta. O quanto diminui ou aumenta depende da "elasticidade" do produto.

Há um consenso médico de que fumar faz MUITO mal à saúde. E, portanto, é interesse público diminuir o consumo de cigarros. Assim, se coloca um imposto sobre o cigarro e se consegue diminuir a quantidade consumida. O que leva a diminuir os custos com saúde pública ligado ao tabaco

Os "seguidores" e discípulos do juiz Marlboro já foram às redes sociais demonstrar todo o seu "conhecimento" sobre o assunto. E levantam dois "jeniais" argumentos:

Afirmam que como a nicotina vicia, a alteração do preço não altera o consumo visto que o viciado faria de tudo para continuar tendo a droga. Assim, a medida do "jenial" marlboro seria para ajudar a vida das pessoas viciadas. O argumento é todo falso.

Quem estuda o assunto diferencia os consumidores em vários grupos. Há desde os que "entram" no consumo (quase sempre jovens ou crianças) até os que, mesmo consumindo doses diárias não apresentam os sintomas clínicos de vício. Portanto a "necessidade" da nicotina é variável.

A política de aumento de preço é mais efetiva entre os consumidores novos do cigarro (crianças e jovens) que não têm recursos para consumirem a ainda não são viciados a ponto de deixarem de gastar com outras necessidades. Este grupo é o MAIS NUMEROSO consumidor em países pobres.

Exatamente fruto desta política que houve toda uma mudança na cultura do tabagismo nos últimos 20 anos e hoje a indústria do câncer de pulmão vê o menor número de jovens fumando em quase dois séculos.

O segundo argumento (contrabando) é ainda mais bobo. Arjumentam os defensores do "jenial" Moro que o aumento do imposto sobre o cigarro aumenta o contrabando e faz com que as pessoas continuem consumindo e um produto de inferior qualidade. Assim o juiz estaria "ajudando" o país.

Este argumento é ainda mais falso. Ele tem 3 grandes erros. Em primeiro lugar os estudos de microeconomia não diferem entre o produto "legal" e o contrabandado. Para a microeconomia, o contrabando é apenas mais uma das forças a forçar o preço para baixo, e só isto.

Assim, se existem carteiras de cigarro "originais" vendidas a dez reais e o contrabando vendendo a cinco. O mercado vai se regular e chegar a um preço entre estes dois pontos, fazendo tanto o produto original baixar de preço, quando o do contrabando aumentar.

Note, por favor, que se o preço do produto contrabandeado aumentar estamos conseguindo o nosso objetivo que é reduzir o consumo. Ou alguém aqui acha que o maço de cigarro sendo vendido a 20 reais (Exemplo) o contrabandista vai vender o seu por 2,50?

Claro que não! Os agentes no mercado visam sempre vender ao maior preço possível. Logo o valor do maço contrabandeado RESPONDE também ao preço do imposto colocado e sempre para cima.

Mas vamos imaginar que o produto "legal" consiga baixar muito o preço. Que sem o imposto o produto baixe 30% o seu preço. Isto vai acabar com o contrabando? Não! O produto contrabandeado é de pior qualidade e tem uma "elasticidade-preço" muito maior do que o produto "legal".

Chama-se "contrabando" de forma genérica, mas o fato é que "em todas as etapas de produção e transporte" este produto tem uma performance mais barata que o nacional. Assim NUNCA o produto nacional vai conseguir reduzir o preço a ponto de acabar com o contrabando.

O que vai acontecer é que se o maço do produto "original" for reduzido a 1 real, surgiram contrabandistas vendendo a 0,85 centavos. E, lembremos, o consumo de ambos os produtos continuará aumentando.

Agora vamos para a outra ponta: o consumidor. Com uma carteira de cigarro vendida a 50 reais, quem consome? Certamente uma pessoa já postada na vida. Que ganha bem e tem, ao menos em tese, condições de julgar o mau que está se fazendo. O estado não interfere no "direito de fumar"

Agora, baixe-se a carteira de cigarro para 1,50. Sem impostos, sem nada. A indústria fumageira internacional agradece. Quem consome? Certamente os já postados na vida e mais um enorme número de crianças e jovens que não consumiriam o produto a 50 reais.

Veja-se, por favor, que a medida do "jenial" juiz Marlboro, atinge negativamente jovens, e pessoas mais pobres. Não faremos aqui relação dizendo que são as mesmas pessoas que são atingidas pelo "pacote anti-crime", pela "reforma da previdência" e etc.

Vamos ainda, a um outro lado: a diminuição de recursos do governo para atender aos malefícios do tabagismo. Com um imposto alto, temos mais recursos para o governo. Não vamos discutir gestão. Se os recursos vão ou não para a saúde é algo para nossos nobres deputados. Em tese, vão

Agora, se você reduz o imposto (observando as curvas de compensação pelo aumento do consumo) teremos menos dinheiro para os custos da saúde com o problema. Isto pq mesmo que o aumento de consumo iguale a diminuição de impostos na contabilidade final, o custo da saúde será igual.

Ou seja, o juiz Marlboro ainda vai prejudicar as contas públicas. Criar mais déficits e razões para diminuir o acesso à saúde e reclamar do Estado "que não funciona" no Brasil.

Assim, as medidas do "jenial" juiz Marlboro não diminuem o contrabando, não melhoram a saúde da população, atacam crianças e pobres, aumentam os lucros das multinacionais do tabaco e geram mais câncer.

Nada disto é "em benefício do povo" ou "do Brasil". Mas claro que estará tudo muito bem explicado se a indústria fumageira bancar sua campanha à presidência da república em 2022. Aí entenderemos suas ações, como entendemos a Lava a Jato e a prisão ilegal de Lula.

O ignorancialismo como narrativa ideológica


Juremir Machado da Silva

O professor Álvaro Laranjeira, da Universidade Tuiuti do Paraná, cunhou a categoria ignorancialismo, que pode ser vista na prática.

O ignorancialismo é uma visão de mundo.

O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, deu uma declaração que o coloca no tempo do ignorancialismo. Segundo ele, o nazismo era de esquerda. A afirmação é desonesta. Contraria o saber acumulado pelos especialistas, o contexto histórico, os documentos, os testemunhos e a ideologia professada por Hitler.

O comunismo era um dos inimigos a abater pelo nazismo.

A esquerda pode ser atacada por muitos defeitos, mas não pela defesa de um darwinismo racial, característico da extrema-direita.

A raça como sistema de hierarquia social não faz parte do imaginário marxista, mas do ideário de extrema-direita ainda em voga.

Não, o nazismo e o fascismo não eram de esquerda. Eram de extrema-direita. Sustentar o contrário é falsificar a história.

Em 1923, Hitller declarou: "O Marxismo não tem o direito de se disfarçar de socialismo. O socialismo, ao contrário do marxismo, não repudia a propriedade privada (…) e, ao contrário do marxismo, é patriótico. Poderíamos ter nos denominado o Partido Liberal".

No seu livro repugnante, escreveu: "Foi durante esse período que meus olhos foram abertos a dois perigos cujos nomes eu mal conhecia e não tinha nenhuma noção de seu terrível significado para a existência do povo alemão. Estes dois perigos eram o marxismo e o judaísmo”.

Para que os ignorancialistas sejam desmascarados, Hitler foi mais claro: “Entre os milhões de indivíduos de um mundo que lentamente se corrompia, Karl Marx foi, de fato, um que reconheceu, com o olho seguro de um profeta, a verdadeira substância tóxica e a apanhou para, como um necromante, aniquilar rapidamente a vida das nações livres da terra. Tudo isso, porém, a serviço de sua raça”.

Só a ignorância ou a desonestidade intelectual podem sustentar o contrário.

O ignorancialismo atacou em outra seara, o golpe midiático-civil-militar de 1964, que, como tal, não pode ser festejado.


1 Em 1964 houve um golpe, uma ruptura institucional com tanques nas ruas que derrubou um presidente legítimo.

2 João Goulart não tinha qualquer vínculo com o comunismo.

3 Jango não preparava um golpe. Portanto, não houve contragolpe.

4 Não havia guerrilha de esquerda instalada no país.

5 O golpe não atendeu a demandas da sociedade. Ele foi preparado ao longo de três anos com apoio dos Estados Unidos da América.

 6 O golpe foi dado para evitar reformas essenciais para o país.

7 O golpe instaurou uma ditadura que torturou, matou, cassou arbitrariamente parlamentares, prendeu sem devido processo legal e cometeu todo tipo de abuso e crime contra direitos humanos.

8 A violência começou com os golpistas. A guerrilha de esquerda veio depois. Os crimes dos golpistas começaram em abril de 1964, com a Operação Limpeza, e, só até agosto de 1964, prenderam milhares de pessoas, dando início ao longo período de tortura.

9 A ditadura conviveu com enorme corrupção, promoveu a censura, enterrou o país na miséria, tolerou o trabalho infantil, ampliou o fosso da desigualdade, produziu uma enorme dívida externa e reproduziu os mecanismos de concentração de renda e poder.

10 A anistia nos termos da ditadura foi uma artimanha para impedir a punição dos torturadores e dos ditadores. Os que combateram a ditadura foram punidos com prisão, tortura, exílio, condenações por tribunal de exceção e execuções.


O ignorancialismo trava uma guerra pelo controle da narrativa histórica. Quer impor o falso como verdadeiro. É pura ideologia no sentido trivial do termo: deformação do real por força de uma lente que distorce o acontecimento em nome do desejado, produto de uma lavagem cerebral que ignora fatos e abraços ficções.

O açougueiro da Constituição


Toffoli, de guardião a açougueiro da Constituição.

Fernando Brito

É espantosa – e apavorante – a fala feita ontem, numa palestra em São Paulo, que “que depois da Páscoa pretende assinar um termo de compromisso com representantes do Executivo e do Legislativo para enxugar a Constituição”.

“Enxugar” a Constituição significa tirar pedaços dela, excluir da proteção constitucional situações e atividades que a vontade majoritária da sociedade, pelos constituintes, resguardaram. Exatamente o contrário do que é o papel do STF que Toffoli preside, o de guardião do texto constitucional.

Não torna menos grave a sua fala o fato de tê-la exemplificado com o trato constitucional de assuntos tributários, cujo detalhamento de fato não deve estar ao abrigo da Lei Maior, mas é impossível que o presidente do Supremo não perceba que, ao se abrir esta temporada de “poda” da Constituição, será inevitável que o machado corte outros direitos e regras, tanto na distribuição federativa dos recursos públicos quanto – e ainda pior – nas garantias e liberdades individuais.

Agora mesmo, com o mesmo “nobre objetivo” de reduzir a quantidade de temas tratados na Constituição planeja-se o diabo: acabar com reajustes anuais de salário, com o recolhimento do PIS pelas empresas em favor do seguro desemprego e outras garantias hoje constitucionais.

Se as questões previdenciárias – inclusive as dos tributos a ela destinados – estivesse fora da “Constituição enxuta”, podem crer, maiorias eventuais do congresso poderiam até decidir pela degola física dos velhinhos para economizar recursos para o “mercado”.

É certo que precisamos de mudanças na Constituição, mas por um instrumento adequado a este fim, que é uma constituinte, eleita para este fim e com limites de atuação temática muito claros. Processos de enxugamento constitucionais produzidos por “pactos” entre os poderosos, está na cara, só produzirá benefícios aos poderosos.

E os poderosos, no Brasil, valha-me Deus, são um desastre.


Brasil entrega soberania nacional em troca de migalhas para políticos e militares corruptos


Elias Machado

Com uns oficiais superiores destes calibre não é de estranhar que a única alternativa do Brasil seja a entrega das riquezas do país como o pré-sal, o urânio e suas águas; das empresas estratégicas como Elbit, Mectron, Embraer, Petrobras, Infraero, Eletrobras, Nuclebras e de tecnologias de ponta como a da exploração de petróleo em águas profundas, a das centrífugas nucleares e dos avanços biotecnológicos na produção vegetal e animal. Ora, ora, o Brasil, que tem a melhor localização base de lançamento de satélites do mundo devido a proximidade do Equador; que é o único dos cinco grandes países que não conseguiu concluir seu programa aeroespacial - possivelmente por causa de sabotagem do exterior - resolve entregar a sua base para um país estrangeiro em troca de 1% de um mercado de 1 trilhão de dólares em 2040, o que corresponde a apenas 3,5 bilhões de dólares. A dimensão do crime de lesa-pátria está em que somente no caso do pré-sal o Brasil abriu mão de uma riqueza comprovada que está avaliada em 30 trilhões e, pior ainda, renunciou a 1 trilhão de reais ao isentar as petroleiras que vão extrair o nosso petróleo do pagamento de impostos por 40 anos.

Em troca dessa migalha de 3,5 bilhões, que é uma ninharia perto do que o país poderia ganhar se tivesse condições próprias de usar a sua base, o Brasil se compromete a não utilizar a Base de Alcântara para fins militares e, na prática, renuncia ao seu direito soberano de se defender de ataques de potências estrangeiras hostis e como justificativa o ministro, um tenente-coronel da Aeronáutica, cita que o Brasil é signatário do Tratado assinado no governo de FHC em 1995, um ano antes da tentativa de assinatura da entrega da Base de Alcântara em 1996, naquela época impedida pelo Senado Federal. Dos três grandes países que lançaram programas aeroespaciais no final dos anos 50 e começo dos anos 60 (Brasil, China e Índia) o Brasil é o único que não teve competência para desenvolver um VLS, o que o colocaria ao lado dos Estados Unidos e da Rússia. Na atualidade, um país que não tem um programa aeroespacial não tem condições de competitividade econômica, na defesa de sua soberania e de participação efetiva no comando da geopolítica mundial, tendo obrigatoriamente que se aliar a quem detém este tipo de tecnologia para se defender de agressões externas como aconteceu com a Síria de Bashar Al-Assad ou, mais recentemente com a Venezuela, que firmaram acordos com a Rússia. Se não tiver condições de se defender deste tipo de ataque um país pode ser totalmente destruído como ocorreu com a Iugoslávia em 1999, com o Iraque em 2001 ou com a Líbia em 2011, atacados sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU pelos Estados Unidos e pela OTAN.

E o que é mais grave se este acordo vier a ser referendado pelo congresso nacional, como se sabe, o fato da existência deste tratado somente servirá para impedir que o Brasil utilize a Base de Alcântara para fins militares. Todo mundo sabe que os Estados Unidos descumprem todos os tratados que assinam e utilizam os tratados internacionais apenas para reafirmar seus interesses estratégicos. O que significa que, uma vez instaladas em Alcântara, ninguém vai impedir que as tropas dos Estados Unidos utilizem a base para o que for de seu interesse e conveniência. Como estes oficiais superiores das Forças Armadas que dão sustentação ao desgoverno do atraso, da ignorância e da filosofia do ódio como política oficial de Estado são todos entreguistas e subservientes aos interesses estratégicos dos Estados Unidos o que se espera é que a oposição, os líderes sindicais e dos movimentos sociais se mobilizem para impedir mais este crime contra os interesses estratégicos do Brasil porque, na prática, depois que se entregar a Base de Alcântara para as tropas do Pentágono o Brasil vai voltar a ser tutelado por uma metrópole estrangeira, renunciando aos seus legítimos interesses de soberania porque, entre outras coisas, sequer poderá utilizar sua Base para o lançamento de foguetes militares para se defender de ataques hostis e, muito possivelmente, sequer para o lançamento de satélites militares de geolocalização, sem os quais não existe a menor possibilidade de obter sucesso em uma guerra na atualidade. A pergunta é: qual país soberano que renuncia ao direito de se defender em caso de agressão externa? 

Ciromínions usam os mesmos métodos dos bolsomínions

Fernando Horta

Antes do Ciro fugir para a Europa, eu tinha escrito umas duas postagens sobre o fato de eu acreditar que Ciro não era opção para a esquerda brasileira. Isto ainda bem antes do segundo turno.

Foi a semana que eu mais fui agredido nas redes sociais. Até ameaça aos meus filhos apareceram de "esquerdistas" ciristas. Fui olhando os perfis dos agressores. Todos perfis com pouquíssimos seguidores (entre 50 e 80), com poucas publicações e quase nenhuma curtida nas publicações. Ou seja, perfil com pouca interação. Alguns antigos, que não haviam sido criados naquele momento, mas sempre com as mesmas características.

Num dos ataques eles escreviam ofensas e, em seguida, "Tsunami Ciro"... Todos. 

Eu já sabia, por ter muitos contatos na área que Ciro Gomes estava montando uma "equipe" digital, mais de um ano antes das eleições. Inclusive tendo prometido ministérios para professores e etc. O que transtornou a cabeça de muita gente.

Os ataques eram, claramente de robôs e usando táticas idênticas aos do Bolsonaro. 

Desde que postei pequeníssimas críticas à tal Tabata, ocorre a mesma coisa. Gente entrando inbox me ameaçando, negativando a página sem nunca terem entrado ou lido nada. Ofensas e agressões do mesmo perfil sempre. Perfis com poucos seguidores, fechados, sem interação.

Eu não tinha pensado em usar meus canais para ir à fundo na questão "Tabata" ... mas sinceramente, acho que vale à pena. Desde a ida à Harvard financiada por Paulo Lemann, até a defesa da "pós política", da prisão do Lula, da "ajuda humanitária americana" de Guaidó à Venezuela, passando pelo apoio à reforma da previdência e outras coisinhas que vale à pena destrinchar.

Ao que parece Paulo Lemann não só elegeu candidatos que gastaram estranhamente mais de 1,2 milhão em suas campanhas, mas mantém uma estrutura de defesa nas redes, disposta a atacar o mínimo movimento contra seus "preferidos" e "preferidas".

Aviso que aqui não vão me ameaçar.


Edit 1: Algumas pessoas, por pura falta de caráter, estão ligando minha crítica à tal pessoa com minha candidatura a Dep Federal. Eu me orgulho dos quase 500 votos que tive. De todos e de cada um. As pessoas próximas a mim sabem que tive um problema de saúde gravíssimo com meu filho durante a campanha e que me tirou da parte final dela. Ainda assim, eu gastei menos reais por votos do que todos os que se elegeram. E se me perguntassem se eu queria 1,2 milhão do instituto Lemann para fazer a minha campanha, eu diria, sem sombra de dúvidas, que não. Não troco um voto dos que recebi pelo dinheiro do "Renovabr", Luciano Huck, Paulo Lemann ou assemelhados. Política é feita de princípios, de valores e de história. E estas são coisas que eu não negocio.

Ernesto Araújo confunde coragem com falta de vergonha


Esse papo de "esquerdistas piram etc" é intelectualmente pífio. Confunde coragem com falta de vergonha. O ministro se porta como um tolo ao fazer defesa patética de algo que, além de burro, enfraquece o Brasil perante a comunidade internacional.

Além de dar sinais de ser alguém ausente de brilhantismo intelectual, Ernesto Araújo segue cartilha de transformar o governo em performance para a fandom. Um ministro de Relações Exteriores chamando o mundo de louco para ganhar aplausos em casa é, além de ridículo, irresponsável.

Igor Natusch

Probleminhas da ditadura


Bolsonaro será o ato final da ditadura de 1964

O exorcismo e descarrego final do autoritarismo 1964 virão do retumbante fracasso total do desgoverno bolsonarista. O aumento do desemprego, a desestruturação social do poder aquisitivo, o desmonte da saúde, a deforma da previdência, o descontrole da deseducação no MEC, o descarte da cultura, o desmoronamento da justiça com o juiz politiqueiro, o descrédito dos torturadores, a destruição dos direitos humanos dos excluídos e periféricos, a desnacionalização e privatização entreguista, todas essas desesperadas medidas promovem a desmoralização e deserção dos seus apoiadores no PSL, nas forças armadas, no sistema judicial, na grande mídia, no empresariado, na classe média troglodita, nos pastores de extrema-direita, nas hordas bolsonazistas. Todo apoio anterior se desmancha com incrível rapidez depois de 100 dias de um desgoverno horroroso, desestruturador, decrépito e sem destino. Bolsonaro será o ato final, o epílogo da desconstrução, derrota e decepção definitiva da ditadura de 1964. A extrema-direita será desprezada, descontada e descartada depois disso tudo.

Ricardo Costa de Oliveira

Amigos ursos


Paulo Coelho: fui torturado pela ditadura do Brasil. É isso que Jair Bolsonaro que celebrar?




28 de maio de 1974: um grupo de homens armados invade meu apartamento. Começam a revirar gavetas e armários – não sei o que estão procurando, sou apenas um compositor de rock. Um deles, mais gentil, pede que os acompanhe “apenas para esclarecer algumas coisas”. O vizinho vê tudo aquilo e avisa minha família, que entra em desespero. Todo mundo sabia o que o Brasil vivia naquele momento, mesmo que nada fosse publicado nos jornais.

Sou levado para o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), fichado e fotografado. Pergunto o que fiz, ele diz que ali quem pergunta são eles. Um tenente me faz umas perguntas tolas, e me deixa ir embora. Oficialmente já não sou mais preso: o governo não é mais responsável por mim. Quando saio, o homem que me levara ao DOPS sugere que tomemos um café juntos. Em seguida, escolhe um táxi e abre gentilmente a porta. Entro e peço para que vá até a casa de meus pais – espero que não saibam o que aconteceu.

No caminho, o táxi é fechado por dois carros; de dentro de um deles sai um homem com uma arma na mão e me puxa para fora. Caio no chão, sinto o cano da arma na minha nuca. Olho um hotel diante de mim e penso: “não posso morrer tão cedo.” Entro em uma espécie de catatonia: não sinto medo, não sinto nada. Conheço as histórias de outros amigos que desapareceram; sou um desaparecido, e minha última visão será a de um hotel. Ele me levanta, me coloca no chão do seu carro, e pede que eu coloque um capuz.

O carro roda por talvez meia hora. Devem estar escolhendo um lugar para me executarem – mas continuo sem sentir nada, estou conformado com meu destino. O carro para. Sou retirado e espancado enquanto ando por aquilo que parece ser um corredor. Grito, mas sei que ninguém está ouvindo, porque eles também estão gritando. Terrorista, dizem. Merece morrer. Está lutando contra seu país. Vai morrer devagar, mas antes vai sofrer muito. Paradoxalmente, meu instinto de sobrevivência começa a retornar aos poucos.

Sou levado para a sala de torturas, com uma soleira. Tropeço na soleira porque não consigo ver nada: peço que não me empurrem, mas recebo um soco pelas costas e caio. Mandam que tire a roupa. Começa o interrogatório com perguntas que não sei responder. Pedem para que delate gente de quem nunca ouvi falar. Dizem que não quero cooperar, jogam água no chão e colocam algo no meus pés, e posso ver por debaixo do capuz que é uma máquina com eletrodos que são fixados nos meus genitais.

Entendo que, além das pancadas que não sei de onde vêm (e portanto não posso nem sequer contrair o corpo para amortecer o impacto), vou começar a levar choques. Eu digo que não precisam fazer isso, confesso o que quiser, assino onde mandarem. Mas eles não se contentam. Então, desesperado, começo a arranhar minha pele, tirar pedaços de mim mesmo. Os torturadores devem ter se assustado quando me veem coberto de sangue; pouco depois me deixam em paz. Dizem que posso tirar o capuz quando escutar a porta bater. Tiro o capuz e vejo que estou em uma sala a prova de som, com marcas de tiros nas paredes. Por isso a soleira.

No dia seguinte, outra sessão de tortura, com as mesmas perguntas. Repito que assino o que desejarem, confesso o que quiserem, apenas me digam o que devo confessar. Eles ignoram meus pedidos. Depois de não sei quanto tempo e quantas sessões (o tempo no inferno não se conta em horas), batem na porta e pedem para que coloque o capuz. O sujeito me pega pelo braço e diz, constrangido: não é minha culpa. Sou levado para uma sala pequena, toda pintada de negro, com um ar-condicionado fortíssimo. Apagam a luz. Só escuridão, frio, e uma sirene que toca sem parar. Começo a enlouquecer, a ter visões de cavalos. Bato na porta da “geladeira” (descobri mais tarde que esse era o nome), mas ninguém abre. Desmaio. Acordo e desmaio várias vezes, e em uma delas penso: melhor apanhar do que ficar aqui dentro.

Quando acordo estou de novo na sala. Luz sempre acesa, sem poder contar dias e noites. Fico ali o que parece uma eternidade. Anos depois, minha irmã me conta que meus pais não dormiam mais; minha mãe chorava o tempo todo, meu pai se trancou em um mutismo e não falava.

Já não sou mais interrogado. Prisão solitária. Um belo dia, alguém joga minhas roupas no chão e pede que eu me vista. Me visto e coloco o capuz. Sou levado até um carro e posto na mala. Giram por um tempo que parece infinito, até que param – vou morrer agora? Mandam-me tirar o capuz e sair da mala. Estou em uma praça com crianças, não sei em que parte do Rio.

Vou para a casa de meus pais. Minha mãe envelheceu, meu pai diz que não devo mais sair na rua. Procuro os amigos, procuro o cantor, e ninguém responde ao meus telefonemas. Estou só: se fui preso devo ter alguma culpa, devem pensar. É arriscado ser visto ao lado de um preso. Saí da prisão mas ela me acompanha. A redenção vem quando duas pessoas que sequer eram próximas de mim me oferecem emprego. Meus pais nunca se recuperaram.

Decadas depois, os arquivos da ditadura são abertos e meu biógrafo consegue todo o material. Pergunto por que fui preso: uma denúncia, ele diz. Quer saber quem o denunciou? Não quero. Não vai mudar o passado.

E são essas décadas de chumbo que o Presidente Jair Bolsonaro – depois de mencionar no Congresso um dos piores torturadores como seu ídolo – quer festejar nesse dia 31 de março.

E a merda levou... (Gone with the shit...)

Liberdade é não ter que trabalhar
Mario Sergio Conti

Cracolândia no centro de Favelândia. Gente e pizzas jogadas no chão. Pessoas perfumadas, com estolas de pele, saem de um concerto de harpas.

Antes de embarcar em blindados ou liteiras, falam à plateia.

Sandy: Toda história até hoje é a história da luta de classes.

Junior: Senhores e escravos, patrícios e plebeus, nobres e servos, burgueses e trabalhadores —opressores e oprimidos viveram em conflito.

Leandro: Como os antagonismos foram simplificados ao máximo, a oposição se dá agora entre duas classes irreconciliáveis.

Leonardo: Traficantes e drogados?

Engels: A Ambev versus cervejeiros de todos os países?

Sergio Moro: PCC, PT e Comando Vermelho contra pessoas de bem?

Marcola: Esqueceu-se das milícias e do baixo clero, urubu malandro?

Carluxo despeja a metralhadora na plateia e urra: É nóis!

FHC: Não é nada disso, gente de maus bofes (à parte: mas melhor que os lamentáveis lulopetistas). A contradição determinante se dá entre os que pedem e os que entregam pizza, os motoboys.

Paulo Guedes: O augusto príncipe dos sociólogos louva nossa utopia —a sociedade desregulada na qual uns levam e outros comem pizza. Graças à nova Previdência, os motoempreendedores irão ralar até caírem mortos no asfalto —jovens, para não onerarem o Estado micro.

Bruna Barros

Max Horkheimer: O jovem trabalhador na sua moto tolera o trabalho porque curte a barulheira do escapamento. Está na fase anal.

Theodor W. Adorno: Não se pode misturar prazer e trabalho. A felicidade subjetiva é, até ela, ideologia.

Horkheimer: Liberdade é não ter que trabalhar. A sociedade harmônica que acaba em pizza é uma utopia brasileira.

Adorno: O Brasil é louco e racional ao mesmo tempo. É inimaginável um país no qual a exploração é intensificada até a insanidade sem que surjam forças objetivas de contestação.

Caminhoneiros, vestindo coletes amarelos, precedidos por motoboys, cruzam o palco e berram: É nóis! É nóis! É nóis!

Walter Benjamin: A ideia de que a sociedade possa ser diferente do que é ocorre apenas aos humanos. Mas os brasileiros pertencem à espécie?

Marcuse: A bozo-burguesia desenvolvimentista criou o iFood, o PFL e o Rappi para extorquir mais-mais-valia do mercado motoboy.

Adorno: A liberdade não é a liberdade de acumular. A liberdade só existe onde já não há necessidade de acumular.

Ministra Damares, num tomara-que-caia rosa-choque: É preciso negar o conhecimento e abrir espaço para a fé.

José Arthur Giannotti, de fraque azul-cerúleo: Quem disse isso, antes da ministra, foi Kant. É por essas e outras que a balbúrdia Bolsonaro contribui para o avanço do capitalismo bestial —e do Brasil idem.

Olavo de Carvalho, babando: Eu sou o Quincas Borba da nova era! O Brás Cubas do apocalipse! Carlos Lacerda redivivo! Paulo Francis cuspido e escarrado! O narrador machadiano reloaded: manhoso, cruel, boçal!

Edir Macedo, de turbante: Só Bolsonaro é grande, e Olavo é seu profeta.

Onyx Lorenzoni, nu numa banheira vermelho-rubi: Um bom banho de sangue comunista nos limpará de quaisquer pruridos.

Isaac Babel: O anticomunismo é o iluminismo dos idiotas.

Bolsonaro, agitando uma bandeira da Tradição, Família e Propriedade: O Brasil se preparou durante cinco séculos para minha Presidência. Botarei nossas histéricas tradições em ordem.

Hamilton Mourão, fantasiado de Bonaparte: Heróis matam, vide Ustra.

General Augusto Heleno, fantasiado de Mourão, sentado numa pilha de carniça haitiana: O bonapartismo anuncia a boa nova do fascismo.

Mourão: Os brasileiros esquecem. A cada nova geração é preciso dar-lhes choques nos genitais e arrancar suas unhas com alicate. Para que aprendam a se comportar. Para que trabalhem e sejam felizes.

Fantasiada de Ustra, Michelle fala ao celular, em libras: Uma meia mozarela, meia calabresa.

Marcela: É pra já, madame.

Ela põe a pizza e R$ 500 mil na mala de um motoqueiro, que acelera e empina a máquina: Motoboys de todos os países, uni-vos!

De toga, como Nero, e dedilhando uma Kalashnikov, Bolsonaro toma a pizza e a mala do motoboy: Depois de mim, o dilúvio!

Um golden shower tsunâmico cai sobre a plateia.

Pano rápido.

sexta-feira, 29 de março de 2019

Tabata Amaral é mais uma neoliberal, nem mais nem menos

Fernando Horta

Duas jovens parlamentares mulheres atacaram o ministro da educação Vélez Rodrigues.

De um lado, o discurso tecnicista e gerencialista de Tabata Amaral do PDT que atualmente está em disputa com o partido porque pretende descumprir a ordem dos trabalhistas e votar A FAVOR da reforma da previdência.

De outro, o discurso humano e social da Fernanda Melchionna do PSOL.

Qual das duas "viralizou" nas redes? Certamente a da neoliberal Tabata Amaral que tem a seu serviço as mesmas ferramentas usadas por Ciro na campanha.

Ainda, Samia Bomfim, também mulher, também jovem dá uma aula no chanceler delirante do bolsonaro e nenhuma menção.

Adianto que não morro de amores pela Melchionna, mas me parece que este viralizar de um discurso tecnicista e gerencista pobre, por uma neoliberal que se apresenta para a esquerda de forma tão rápida não é mero acaso.

Compas, por favor, não criem ídolos durante a noite que não se sustentam à luz do dia. À noite todos os gatos são pardos ...

Edit 1: Bater no Velez é como bater em cego. Não é régua para se medir "preparo".

Edit 2: o discurso dela é pobre e neoliberal. Vejam que o centro do discurso é a palavra "meta". Ela transforma "resultados" numa função de "planejamento" e "metas", baseado em dados empíricos. Como professor tenho muito receio de gerencismo, metas e empiria para "avaliar" educação. Nem tudo o que conta pode ser contado e já vimos o neoliberalismo na educação... Este é o tipo de discurso que vai fazer professor ser demitido por não cumprir "metas" ...

Edit 3: Campanha de Tabata para chegar à câmara consumiu 1,2 milhão de reais ... "follow the money" para entender a quem serve e o que defende...


E o PT?


Governo pode "desmoronar" e analistas agora falam: "Eu avisei"




“Os investidores estão começando a se dar conta”, escreve a coluna Bello, na nova edição da Economist. Com a ilustração acima, alerta que, “a menos que Jair Bolsonaro aprenda a governar, seu mandato pode ser curto”.

No dia anterior, a Bloomberg havia publicado que, “Depois de somente 86 dias, Bolsonaro já está em apuros”. A análise trouxe trechos como “Às vezes, seu governo parece que pode desmoronar”.

Outra reportagem da Bloomberg destacou como analistas financeiros, citando da britânica Aberdeen Standard à polonesa Cinkciarzpl, começam a reagir com variações da expressão “Eu avisei”.

Ainda outro texto da Bloomberg, listando empresas que deixam o país, ouviu do economista Marcos Lisboa: “Não vejo nenhum investimento significativo acontecendo. Onde está a fonte de crescimento?”.

Antes, a agência Associated Press havia despachado para New York Times e outros “o novo golpe” no país, com o fechamento das fábricas do laboratório Roche, depois de Ford e outras. Um quadro que é “dramatizado na forma de filas colossais” de desempregados em São Paulo.

Também a China está de olho. Na agência Xinhua, “Dívida pública continua crescendo, e o processo de reformas está sendo testado”. Enfatiza que “a dívida do governo brasileiro cresceu em fevereiro apesar das promessas de redução”.

Ao fundo, espalha-se a reação à ordem de Bolsonaro para as “comemorações” militares do golpe de 1964, no domingo (31).

Na América Latina, veículos como o jornal argentino La Nación e a revista de finanças mexicana Expansión abordaram a ação “polêmica”, que “representa uma reviravolta na interpretação da história desde que o país recuperou a democracia”. Foram pela mesma linha, entre muitos outros, o espanhol El País, o francês Le Figaro e o alemão Der Tagesspiegel.

Washington Post recordou passagens da “história sombria que o presidente brasileiro quer festejar”, ouvindo vítimas de tortura. Encerrou com a avaliação de que “a falta de responsabilização ajudou Bolsonaro a buscar aplausos em cima de um passado sangrento”.

Hélio Schwartsman é um Olavo de Carvalho voltado para o público com ensino fundamental completo

Luis Felipe Miguel

Depois de muitos anos de bons serviços, Hélio Schwartsman foi promovido - ele foi incluído no Conselho de Redação da Folha, em decisão da mesma reunião de acionistas que mudou a diretora do jornal e submeteu de vez o jornalismo aos interesses financeiros do grupo. Aliás, a Folha sempre fala em "reunião de acionistas", sem maiores detalhes, e a gente pensa numa assembleia, mas ela se resume a três integrantes da família Frias.

O ponto é que o sucesso não subiu à cabeça. Schwartsman continua fazendo o que sempre fez, que é dar uma roupagem pretensamente "científica" às crendices do liberalismo mais tosco. É uma espécie de Olavo de Carvalho, mas voltado a um público com um pouquinho - um pouquinho só - a mais de sofisticação intelectual.

A coluna de hoje se dedica a espinafrar Bolsonaro, o que é, devemos reconhecer, tarefa fácil. Mas, claro, o ângulo é a incapacidade de empurrar a reforma da Previdência goela abaixo do povo brasileiro. A alturas tantas, diz o colunista que "sem ela [a reforma da Previdência], o país se tornará em um ou dois anos inadministrável".

Mesmo Schwartsman é capaz de perceber o que ele está fazendo aqui. Ele está se colocando na posição de garoto de recados de Paulo Guedes, reproduzindo o discurso terrorista que tenta impedir qualquer debate sobre a Previdência Social. Com menos ou mais disfarce, é isso que quase toda a cobertura da grande imprensa faz.

Cabe a nós fazer o contrário, ou seja, forçar o debate. Apesar de toda a propaganda incessante, os trabalhadores percebem que existe algo de muito errado em serem chamados a dar mais uma cota desproporcional de sacrifício para "salvar" um país que lhes nega quase tudo. Discutir a previdência a contrapelo do discurso hegemônico permite não apenas contestar Bolsonaro, mas todo o consenso neoliberal e austericida que contamina até mesmo a parte da esquerda preocupada em parecer "responsável" diante do capital.

Quem são os candidatos criados pelo bilionário Jorge Paulo Lemann


IstoÉ Dinheiro 24/08/18
Quem são os candidatos criados por Jorge Paulo Lemann
Conheça os jovens políticos que podem tornar real o sonho do bilionário brasileiro de ver um de seus pupilos na Presidência da República

The Economist chama Bostonaro de "aprendiz" e diz que mandato vai durar pouco


The Economist diz que mandato de Jair Bolsonaro pode ser curto

Victor Rezende, O Estado de S.Paulo

A mais nova edição da revista britânica The Economist, em matéria publicada nesta quinta-feira, 28, voltou a fazer críticas ao presidente Jair Bolsonaro, a quem chamou de “aprendiz de presidente”, e afirmou que o mandato dele pode ser curto "a menos que ele pare de provocar e aprenda a governar". (Leia aqui o artigo na íntegra)

Bolsonaro já havia sido alvo de críticas por parte da revista no ano passado. "Bolsonaro ainda não mostrou que entende seu novo emprego. Ele dissipou o capital político em seus preconceitos, por exemplo, pedindo que as Forças Armadas comemorassem o aniversário, em 31 de março, do golpe militar de 1964", trouxe a reportagem.

De acordo com a Economist, "muitos supunham que a chegada do governo de Bolsonaro por si só daria vida à economia. Mas, três meses depois, ela continua tão moribunda quanto sempre". A revista apontou que os investidores estão começando a perceber que o ministro da Economia, Paulo Guedes, "enfrenta uma tarefa difícil" para fazer com que o Congresso aprove a reforma da Previdência e enfatizou que "o próprio Bolsonaro não está ajudando".

Mesmo assim, a reportagem também indicou que a reforma previdenciária "não é suficiente" para fazer com que o País apresente um crescimento econômico robusto e listou outras mudanças, como uma reforma tributária e outras medidas, para fazer com que a competitividade aumente.

A revista também trouxe, na reportagem, a recente tensão entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e apontou que essa crise deve fazer com que a reforma da previdência sofra "atrasos e diluição". Além disso, a Economist também lembrou que o filósifo Olavo de Carvalho, apontado como ideólogo do governo Bolsonaro, chamou de "idiota" o vice-presidente Hamilton Mourão, que, de acordo com a revista, "tentou impor alguma disciplina política", embora esteja "frequentemente em desacordo com a família Bolsonaro". A ligação entre a família Bolsonaro com ex-policiais do Rio acusados de matar Marielle Franco também esteve presente na reportagem da Economist

quinta-feira, 28 de março de 2019

Compromisso dos militares com a Democracia hoje é ainda menor do que em 64

"Os militares de hoje não têm maior compromisso com a democracia do que os de 1964 - talvez menos, já que naquela época havia uma ala legalista que logo foi extirpada. Se algo mudou em sua doutrina, foi a aceitação cada vez maior do império do mercado e o abandono da visão nacionalista"
Uma célebre pílula de sabedoria diz que é melhor ver o copo meio cheio do que vê-lo meio vazio. Eu não concordo. Acho que o ideal é avaliar de forma realista quão cheio ou vazio o copo está e superar essa dicotomia simplista em que "cheio" e "vazio" são as duas opções, ignorando as múltiplas gradações intermediárias.

Na ordem do dia assinada pelos chefes militares, relativa ao aniversário do golpe de 1964, há quem esteja focando no trecho que fala de "transição para a democracia". Se falam em transição para a democracia, então reconhecem que antes havia ditadura. Logo, estão reconhecendo que o regime de 1964 era ruim. Logo, estão repudiando o golpe. Epa, o copo está quase cheio!

Um olhar um pouquinho mais detido sobre a ordem do dia nos diz outra coisa. Ela é vazada na retórica antiquada que é própria deste tipo de documento, pelo menos entre os militares brasileiros, com longos circunlóquios desnecessários. Mas já no quinto parágrafo há a caracterização do comunismo como o equivalente do nazifascismo: "ideologias totalitárias, em ambos os extremos do espectro ideológico", "faces de uma mesma moeda", "ameaças à liberdade e à democracia".

Mais do que um erro histórico grosseiro, há aqui a adesão a uma perspectiva interessada, que associa as lutas emancipatórias da classe trabalhadora ao espantalho do "totalitarismo". Ao impor um veto a uma opção política que nossa ordem constitucional admite como legítima, o discurso dos chefes militares extrapola os limites aceitáveis.

Está aberto o caminho para, no parágrafo seguinte, a repressão à chamada "Intentona Comunista" de 1935 ser apresentada como o equivalente à participação na Segunda Guerra Mundial - em ambos os casos, os "cidadãos fardados", como a ordem do dia diz, salvaram o Brasil dos "extremistas". 1964 aparece como um prolongamento disso. Os comunistas estavam chegando. As famílias, "alarmadas", "colocaram-se em marcha". Às pobres forças armadas não sobrava alternativa, a não ser atender "ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira", interromper "a escalada em direção ao totalitarismo" e assumir "o papel de estabilização daquele processo".

Em suma: o golpe de 1964 e a ditadura (nunca nomeada como tal, claro) salvaram o Brasil. Está difícil ver um copo meio cheio aí.

A frase seguinte é a exaltada como demonstradora de certo remorso: "Em 1979, um pacto de pacificação foi configurado na Lei da Anistia e viabilizou a transição para uma democracia que se estabeleceu definitiva e enriquecida com os aprendizados daqueles tempos difíceis". Mas a ênfase é na "pacificação", que, pela narrativa até então desenvolvida, certamente significa que os comunistas se arrependeram. O ponto central é a Lei da Anistia, aquela que marotamente impediu que os crimes da ditadura fossem investigados. A transição, convém observar, não é para "a" democracia, mas para "uma" democracia - antes poderia, então, vigorar "outra" democracia. Essa uma democracia "se estabeleceu definitiva", o que é uma bela maneira de ignorar os sérios reveses que ela tem sofrido nos últimos anos.

Então o copo está inteiramente vazio? Não. O fato de que a retórica dos chefes militares seja tão cheia de elipses e ambiguidades mostra certa vergonha do passado da corporação. Ter na Presidência da República um bufão desqualificado que exalta a tortura dá a medida da diferença.

Os militares de hoje não têm maior compromisso com a democracia do que os de 1964 - talvez menos, já que naquela época havia uma ala legalista que logo foi extirpada. Se algo mudou em sua doutrina, foi a aceitação cada vez maior do império do mercado e o abandono da visão nacionalista. De resto, continuam vendo com enorme desconfiança a classe trabalhadora e reagindo contra qualquer tentativa de mobilização dela e de outros grupos subalternos. Podem até admitir o ritual eleitoral, desde que ele não ameace o status quo, e as liberdades civis, desde que sejam exercida nos limites que eles consideram adequados. Enfrentar a mentalidade antidemocrática da cúpula militar foi uma das muitas tarefas que os governos da transição brasileira não cumpriram. Mas, sem ela, qualquer democracia que a gente volte a construir permanecerá frágil.

O silêncio dos bolsomínions


Leandro Fortes

Aos poucos, eles estão desaparecendo. Velhos amigos cheios de razão, parentes furiosos, vizinhos valentões, madames maquiadas de ódio, estão todos em silêncio, à beira do abismo.

Não há mais arminhas nas mãos, nem chola-mais nas redes. Até os kkkkk se escondem na timidez. Rufam, aqui e ali, uns poucos tambores de ódio pelas mãos de meia dúzia de fanáticos, mas nem os mais selvagens dos antipetistas encontram forças para defender o indefensável.

Não estão arrependidos, o arrependimento requer uma força moral distante da personalidade da maior parte dos eleitores do Bozo. Estão apenas paralisados, diante da sucessiva quebra de expectativas relacionadas ao admirável mundo novo que se anunciava.

Há superministros com superpoderes inúteis. Paulo Guedes faz mais grosserias do que contas. Sergio Moro, sabe-se agora, entrou no governo para tornar o cigarro mais barato. O primeiro, um Chicago Boy com 30 anos de atraso, o segundo, uma nulidade cuidadosamente construída para parecer um herói.

Há um ministro da Educação que cita Pablo Escobar. Outro, de Relações Exteriores, corrobora com a tese do nazismo de esquerda. A ministra da Mulher, ao pé da goiabeira, teme o que chama de "armadilhas do feminismo".

Não houve, a rigor, um único dia de governo.

Em meio a esse desalento, Bozo e os filhos continuam no Twitter, frenéticos, um esforço comovente para parecerem vivos, funcionais, sem entender que já estão mortos.

São burríssimos.