sábado, 23 de março de 2019

Neofascismo une Lava Jato ao bolsonarismo

Luis Felipe Miguel

Temer livre?


Não, certamente não é para tanto. Há uma boa lista de malfeitos do ex-usurpador que fazem com que ele não possa ser qualificado como "preso político". Mas não é possível negar que sua prisão, neste momento, sem sequer a sombra de um fato novo que a justificasse, teve propósito político. E o juiz Marcelo Bretas, que determinou a prisão com um documento tão vagabundo e negligente que parece que foi produzido pelo próprio Sérgio Moro, tem tantos ou mais motivos que Temer para estar na cadeia.

A prisão de Temer reforça o enquadramento punitivista, que no Brasil é emblematizado pela Lava Jato. Não enfrenta a corrupção sistêmica, porque recusa tanto o veredito sobre suas causas (a vulnerabilidade do Estado diante do capital) quanto o caminho para combatê-la (a efetiva democratização do processo decisório). Funciona, na verdade, como um estímulo para que as apostas sejam mais altas; seu efeito liquido pode a confluência final entre política e banditismo. É interessante, aliás, que os juízes e promotores da Lava Jato gostem tanto de falar em "organizações criminosas", mas a operação não contribuiu nada, muito pelo contrário, para reagir ao avanço do crime organizado na política brasileira.

Deve-se reconhecer que a Lava Jato resistiu bravamente àquele que parecia ser seu destino: ser mero instrumento do Centrão. Em vez disso, uniu-se ao núcleo duro do bolsonarismo, com quem compartilha uma visão de mundo com tonalidades fascistas. Não sou profeta, mas tendo a acreditar que essa união é duradoura, já que as afinidades são muitas.

Temer já deu as contribuições que tinha que dar para a destruição do Brasil - e foram várias. Hoje, é carta fora do baralho. Foi abatido por uma briga que o transcende: Lava Jato e bolsonarismo raiz de um lado, raposas do Centrão do outro, o Supremo correndo por fora e os militares tentando servir de árbitros.

Comemoramos que isso torna mais difícil a aprovação da catastrófica reforma da Previdência de Paulo Guedes (e o "mercado" já anda dando sinais eloquentes de que está #xatiado com as desavenças entre aqueles que deveriam servi-lo). Tudo bem. Mas acho bem mais prudente apostar na pressão popular - as manifestações de ontem, desprezadas pela mídia, foram um bom começo - do que ficar esperando que eles se desacertem.

Também é bom ter em mente que, neste conflito dentro da coalizão golpista, muitas das saídas possíveis passam por uma radicalização autoritária - e que nenhuma das alas se dispõe de fato a reabrir o diálogo com o campo popular ou a repactuar um ordenamento democrático nos moldes da Carta de 1988. Como dizia o antigo premiê chinês, Zhou Enlai, não importa se os elefantes estão brigando ou fazendo amor, é sempre a grama debaixo deles que fica esmagada.

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