terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Feliz Ano Novo?


Difícil arranjar algo para dizer do ano que está terminando.

Como em qualquer ano, todos nós tivemos nossos quinhões pessoais variados de alegrias e de frustrações, de encontros e de perdas. Mas, nas felicidades e nas tristezas, sempre fomos acompanhados por uma sombra chamada Brasil.

Foi um ano - mais um - de destruição acelerada do país. Um ano em que nos tornamos mais brutos, mais atrasados, mais desiguais, mais subalternos. E em que nossa capacidade de resistência se mostrou, de novo, muito aquém do necessário.

É essa a nossa história, afinal. Uma história de vitórias populares, quando as há, tímidas e cheias de ambiguidades. E derrotas maiúsculas, avassaladoras.

O Brasil, em suma, parece que conspira para nos deprimir.

O que posso desejar para 2020 é não sucumbir a esse sentimento. É lembrar de, a cada passo, olhar para os lados e ver esse tantão de gente forte, de gente digna, de gente com o coração do lado certo do peito e a mente afiada, buscando o caminho que nos devolva a esperança.

Obrigado a todas e todos - mesmos aqueles com quem posso ter divergido fortemente em algum ponto do percurso - que mantêm a luta nas trincheiras da democracia.

Que 2020 seja de muita luta. E que nos brinde com algumas vitórias, já que ninguém é de ferro...

Quasímodo


Leandro Fortes

Para manter de pé uma agenda econômica que prevê a destruição do patrimônio público nacional e a retirada de direitos em série do trabalhador brasileiro, a mídia e a classe média idiotizada por ela mantêm no poder um demente que torce a cabeça de uma criança, na praia, e depois coça o saco, para o mundo todo ver.

Bolsonaro tem um método de construção de imagem popular baseada na premissa estúpida de que os pobres são, majoritariamente, imundos, como ele.

Não se trata apenas de uma questão estética, embora a combinação de chinelões e unhas podres, exibida como supra sumo da simplicidade presidencial, seja mais que lamentável. 

Trata-se, sobretudo, de um deficit de higiene - física e mental - levada ao paroxismo do absurdo. 

Bolsonaro, nesse campo, governa diretamente para a massa de analfabetos políticos gestados à margem da ciência e dos bom modos. Estes, ativados, na campanha eleitoral de 2018, pelo bombardeio de fake news que ajudou a elegê-lo.

Para essa gente, esse homem de aparência grotesca e modos de brucutu é - e, pelo jeito, sempre será - um mito.

Moda 2020


As candidaturas avulsas e o fracasso do PSOL


Luis Felipe Miguel

Áurea Carolina co-assina artigo em defesa das candidaturas avulsas - chamadas, a meu ver cachorramente, de "candidaturas cidadãs". Por quê? Partidos não podem representar a cidadania?

O argumento é que esses candidatos, que se agrupariam em listas de avulsos, teriam melhores condições de representar minorias - mulheres, indígenas, LGBTs etc.

Ninguém nega que as estruturas partidárias em geral impõem obstáculos a integrantes de grupos minoritários. Mas a solução é implodir os partidos?

Quem mais ganha com a personalização da disputa e a ausência de compromissos programáticos abrangentes, que as candidaturas avulsas promovem? Não há dúvida: as celebridades da mídia e os donos do dinheiro.

É isso que nós queremos? Uma representação política tomada por artistas decadentes e marionetes de milionários?

A filiação partidária impõe compromisso ao candidato, faz com que ele responda publicamente por um projeto que o transcende. O controle das direções partidárias sobre a apresentação de candidaturas, com todos os problemas que tem, força negociações e é um freio às ambições dos detentores de visibilidade pública ou capital econômico.

Com as candidaturas avulsas, tudo isso, que no Brasil já é muito frágil, desapareceria de vez.

Os grandes ganhadores seriam as iniciativas de captura empresarial da política, tipo RenovaBR, Acredito, RAPS. É a porta aberta para a tabatização geral da política, em benefício de lemmans e hucks.

No Congresso, esse contingente de eleitos "soltos", comprometidos apenas com a própria carreira, desorganizaria de vez os trabalhos parlamentares - que têm os partidos como unidade fundamental.

Áurea Carolina deve saber do que está falando - afinal, tem formação em Ciência Política. É uma boa deputada, com registro consistente à esquerda. Mas esse entusiasmo com a candidatura avulsa é revelador de um mal que atinge uma parcela considerável de militantes da nova geração: personalismo excessivo, pouca disposição para o trabalho por excelência de construção coletiva que é o partido.

Este é o drama do PSOL. Cronicamente incapaz de cumprir seu "destino manifesto" - ser o sucessor do PT como porta-voz de uma esquerda anti-establishment e enraizada no movimento popular - parece sempre condenado a ser mais um guarda-chuva de porta-vozes de bandeiras progressistas do que propriamente um partido político.

Os que defendem 2013 são indefensáveis


Fernando Horta

Eu não entendi o choro a respeito das declarações do Lula sobre 2013.

Os que defendem 2013 acham que não houve participação externa nos "protestos"?

Os que defendem 2013 sustentam que o "movimento" gerou mudanças positivas no país?

Os que defendem 2013 certamente defendem o movimento de Taiwan contra a China, não é?

Os que defendem 2013 não enxergam nenhuma relação entre aquele junho e Bolsonaro?

Os que defendem 2013 sabem que em junho NENHUM indicador econômico era ruim?

Os que defendem 2013 sabem que pautas 2013 incitaram e que pautas não incitaram?

Os que defendem 2013 sabem como um movimento que inicia com o Movimento do Passe Livre de pauta municipal tirou 30% de aprovação do governo federal?

Os que defendem 2013 sabem explicar porque NUNCA MAIS o movimento do Passe Livre ou seus assemelhados conseguiram nada nem parecido, mesmo com uma situação econômica infinitamente pior como hoje?

Os que defendem 2013 como o "prenúncio da liberdade" no Brasil sabem explicar porque os ataques físicos na época a todos os movimentos de esquerda partidária que são relatados?

Os que defendem 2013 conseguem explicar porque foram as ÚNICAS manifestações populares que tiveram cobertura total da mídia até as do MBL? Teria a mídia se enganado e ajudado a "revolução brasileira"?

Os que defendem 2013 podem apontar expoentes de esquerda que surgiram naquele momento e hoje ocupam postos de representação na estrutura de governo?

Os que defendem 2013 são capazes de contar quantas lideranças de direita emergiram e estão atualmente eleitos a partir dos "gloriosos" movimentos de 2013?

Os que defendem 2013 não enxergam NENHUMA semelhança entre o junho de 2013 no Brasil e as "Revoluções coloridas" que ocorriam pelo mundo?

Há muitos e "doutos" textos na net de gente defendendo 2013. Todos os que li padecem de um mínimo de empiria para defender o "movimento" como meritório.

E 2013 foi, sem qualquer dúvida, o início da desestabilização da esquerda na América Latina e do neofascismo no Brasil.

Uma das pautas que o "junho de 2013" defendeu arduamente foi o arquivamento da PEC que regulava e continha os abusos do Ministério Público. Sem 2013, a Lava a Jato não teria destruído o Brasil.

O que de bom Bolsonaro produziu em seu 1º ano de governo?


Ranier Bragon
O ano 1 do mandato de Jair Messias Bolsonaro irá merecidamente entrar para a história como um dos mais lastimáveis que já vivemos.
Então, é 2020! Quer dizer, quase, o que nos permite uma última olhada neste impagável 2019.

O ano 1 do mandato de Jair Messias Bolsonaro irá merecidamente entrar para a história como um dos mais lastimáveis que já vivemos. Os ataques a pilares da democracia, à ciência, à história, à diversidade, à civilização e ao bom senso em geral encontraram um terreno fértil na idiotia das redes sociais e nos gabinetes do Executivo, em Brasília.

Como isso não é novidade pra ninguém, permito-me neste último dia de 2019 praticar exercício reverso, o de tentar vislumbrar o que de bom o bolsonarismo produziu no ano.

Seria muito mais divertido, é verdade, ficar apenas na lista precedida da advertência “contém ironia”.

Ou não foi espetacular a sonhada e esperada abertura da caixa preta do BNDES que qualquer um já podia acessar pela internet? Ou a pedagógica discussão nacional-carnavalesca sobre o golden shower? Ou a descoberta, pelo menos da minha parte, e aqui quase ironia não há, de como há mais sensatez do que podia imaginar em figuras como Alexandre Frota, Janaina Paschoal e o general Mourão? Ou, termino por aqui, a lista é interminável, a celebrável constatação de que, devido ao que passamos a saber, jamais poderemos voltar a usar, sem a advertência “contém ironia”, o termo “filósofo” associado a Olavo de Carvalho.

O que de bom o bolsonarismo produziu até aqui está, sem ironia, na reação provocada. Artistas, cientistas, educadores e tantos e tantos outros não se curvaram (tudo bem, alguns, sim). A homofobia virou, enfim, crime. O Judiciário e o Congresso, com todas as suas mazelas, barraram até o momento a institucionalização do retrocesso civilizatório —no caso de Câmara e Senado, conduziram inclusive coisas que o governo mais atrapalhou que ajudou, como a reforma da Previdência.

Coquetéis molotov foram e continuarão sendo jogados pelos talibãs da nova ordem. Resistir será a prova definitiva da solidez da nossa democracia😂 e das nossas instituições.

Olavo de Carvalho, o oráculo da idiotia brasileira


Moisés Mendes

LETÍCIA E O OGRO

Todo mundo já sabe, de Camaquã a Ibicuitinga, que a jornalista Letícia Duarte foi chamada de vagabunda, mentirosa, maliciosa, idiota e puta, durante entrevista com Olavo de Carvalho para um perfil publicado agora pela revista The Atlantic.

O sujeito estava irritado com um texto anterior de Letícia sobre a figura grotesca do entrevistado. Olavo queria ser melhor retratado.

Muitos podem perguntar: mas como alguém continua a conversa depois de tantas agressões? Um alguém poderia cair na armadilha e ir embora. Não Letícia Duarte.

Quem acompanha o que ela faz sabe que não desistiria tão facilmente. Eu sei porque leio quase tudo que Letícia escreve, desde quando era foca e muitos anos antes de se mudar para os Estados Unidos (mora agora em Nova York e faz mestrado na Columbia).

Posso dizer que sei também porque conheço Letícia. Se fosse mais exibido, diria que trabalhei com Letícia na mesma redação de Zero Hora.

Mas não vou dizer nada disso, nem que tomávamos café juntos e que eu me lembro da sua alegria quando conquistou o primeiro prêmio nacional.

Digo apenas o que todos já sabem, que Letícia é um dos grandes nomes do jornalismo brasileiro hoje. Está na área de comentários o link para uma reportagem que ela fez com refugiados sírios em 2016.

É daquelas maratonas que te deixam exaustos só de pensar como uma aventura como essa (incluindo a aventura do próprio jornalista) começa e como parece que nunca termina.

Essa é a minha amiga Letícia Duarte, que pôs, não o dedo, mas seu texto forte na cara do ogro Olavo de Carvalho, o oráculo da idiotia brasileira.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Onde ver os fogos de fim de ano


Vendas de natal


Um tornado de bobagem

Último sucesso:Festival Internacional da Canção de 1970
Vinícius Carvalho

Confesso que achei engraçado ver o vídeo do "Tony Tornado" falando que "não se tem como cantar pior que Chico Buarque", num programa de "calouros" da Rede Goebbels que culminou por premiar - por pena, por marketing, para produzir uma narrativa pobre e mela cueca de superação, e não por talento - um ex-goleiro da Chapecoense cantando um aborto fecal transformado em hino popularesco do Chiqueirinho e Chororô.

"Tony Tornado" falando que Chico "canta mal", usando uma gravata borboleta, como um garçom de puteiro ou um mágico de circo, num programa de calouros da Rede Goebbels, é tipo a materialização do conceito de TERRAPLANISMO na música e na arte brasileira.

É o poste mijando no cachorro.

É o Olavo de Carvalho refutando Newton e Einstein.

É a luta do Maguila contra Evander Holyfield.

É o pai que é antivacina e vê o filho quase morrer de catapora.

É chegar fantasiado de cu numa festa de pirocas.

É o Felipe Dylon querendo criticar o Gilberto Gil.

É o Lagartense Esporte Clube querendo zoar o Barcelona.

É o Ferrugem ensinando samba ao Nelson Sargento

É o Sérgio Moro prendendo o Lula.

É o atacante Afonso Alves perguntando "quem é Romário?"

É o Amaral marcando o Zidane.

É o Celso Roth dando nó tático no Rinus Michels.

É o Sambô tocando Sunday Bloody Sunday alegremente.

É o Vitor Kley querendo dar aula de guitarra para o Jimi Hendrix.

É o seu tio na ceia de natal falando que nazismo é de esquerda.

É o "não é só por 20 centavos".

É o Rodrigo Constantino encarando o Ciro Gomes. "Dá bilhão?"

É, enfim, o ato de cagar pra dentro no auge de um surto de hemorroidas.

Resta rir, sentir pena e torcer para que um tornado o carregue...

Dos campeões aos pastores


Mathias Alencastro
Na próxima década, transitaremos do capitalismo oligárquico de Estado ao capitalismo missionário de Estado
No ano de 2010, aparato público-privado erguido na ditadura, fortalecido por Collor e FHC nos anos 1990 e energizado por Lula nos anos 2000 se preparava para conquistar a África. A Vale constituía uma rede de entrepostos que iam do norte do Brasil às docas de Xangai passando pelas minas de bauxita e carvão da Guiné e de Moçambique.

A Odebrecht reconstruía de cabo a rabo Angola, já candidata a se tornar a maior potência petrolífera africana. A Petrobras via no Golfo da Guiné a extensão natural do pré-sal brasileiro no Atlântico Sul.

No auge da política de campeões nacionais, as linhas entre o público e o privado não existiam mais. Todas contavam com o mais irrestrito apoio do poder do Estado.

Em 2010 todos acreditavam que a próxima década seria o começo de uma nova época do capitalismo de Estado brasileiro. Ela acabou sendo marcada pelo término inesperado do ideal do Brasil Grande dos anos 1970.

Um ideal manchado pela colusão entre o público e privado, escândalos de corrupção e a contradição irreconciliável do discurso humanista e do método predatório. Não surpreende, portanto, que os últimos anos tenham sido dedicados a encontrar culpados e demonizar o passado.

Porém seria conveniente lembrar que as patologias do capitalismo de Estado brasileiro são, infelizmente, comuns a outras potências. Tome-se, por exemplo, o caso da campeã nacional francesa Elf.

No final dos anos 1990, a gigante petrolífera esteve no centro do maior escândalo de corrupção da Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Envolveu políticos de todos os bordos, uma juíza que virou candidata fracassada a presidente, uma teia de cleptocratas tropicais, e até o filho de François Mitterrand, Jean-Christophe, passou a ser conhecido por papamadit (papai me disse) pela sua propensão a falar em nome do pai nas negociatas.

Depois da farra, a República francesa passou um batom e seguiu o baile como se nada fosse. Rebatizada e reestruturada, a Elf, hoje Total, virou a página e expandiu seus negócios na África e principalmente em Angola e Moçambique, onde o Brasil alimentava grandes ambições.

Como sabemos os novos mandatários brasileiros preferiram agradar uma parte da opinião pública enfurecida e abandonar as campeãs nacionais, deficientes, mas fundamentais para o desenvolvimento internacional do país.

O problema é que na política como nos negócios, o vazio não existe. Aproveitando a desarticulação do Itamaraty, os movimentos evangélicos ocuparam os lugares dos executivos das grandes empresas na cabine de pilotagem da política africana brasileira

Na próxima década, transitaremos do capitalismo oligárquico de Estado ao capitalismo missionário de Estado, trocando o paradigma da China do século 21 pelo do Portugal novecentista que conferia à Igreja Católica poderes imperiais para cumprir a sua missão colonizadora na África.

A vida com as campeãs nacionais era um inferno. Mas ao lado do que vem pela frente, era o paraíso.

Mercado de oportunidades


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Faça sua autocrítica, mude seu comportamento e tente consertar a merda que fez


Mario Marona

Mensagem de fim de ano:

Aos amigos, conhecidos e gente que eu conheço de vista e que nem por isso desprezo.

Você que se acha de esquerda e não se deu conta de que o boicote e a sabotagem aos governos do PT começaram no dia exato em que Lula tornou-se um candidato viável contra FHC na campanha eleitoral de 2002.

Você que se acha de esquerda e não percebeu que o mensalão foi uma acusação ao PT segundo a qual o governo petista subornou seus próprios parlamentares para votar a favor dele, o que não faz o menor sentido.

Você que viu a Lava Jato sendo incensada pela mídia escrota e transformando um juiz desqualificado em herói nacional, mas jura que nem desconfiou que tinha alguma coisa que não batia naquela história.

Você que apoiou os protestos de 2013 que foram movidos pelas táticas da guerra híbrida, e se emocionou como um revolucionário com a tática dos black blocks (com PMs infiltrados) que ajudaram a desestabilizar um governo democrático no auge de sua popularidade e no ano em que atingia o nível mais alto de atendimento dos direitos dos pobres e excluídos em toda a nossa história.

Você que sentiu nojinho quando o governo social democrata que assumiu em 2003 se viu obrigado a fazer alianças com partidos e forças políticas conservadoras porque, do contrário, não seria capaz de governar, já que, infelizmente, o Brasil não vivia uma situação pré-revolucionária.

Você que preferiu se omitir e fingir-se de isentão diante do golpe de estado que derrubou o último governo democrático do país porque, justo no período em que o Brasil vivia uma crise econômica e, por mais que se esforçasse para superá-la, e quando mais precisava dos progressistas como você, o governo não conseguia vencer o bloqueio político do Congresso, do mercado e, sobretudo, da mídia.

Você que defendia que o povo fosse às ruas para protestar por quaisquer 20 centavos no preço da passagem, mas não defendeu passeatas e manifestações em defesa da democracia quando ela estava ameaçada, contra o golpe, contra a extinção da CLT, contra a aprovação da reforma previdência e todos os demais retrocessos que nem te prejudicam muito, agora, mas são verdadeiros desastres na vida dos teus pais ou dos trabalhadores.

Você que viu o maior líder popular do país desde Getúlo Vargas ser perseguido, acusado, condenado e preso sem provas sólidas e ficou quieto porque, enfim, “o PT estaria pagando pelos equívocos” que teria cometido.

(Acréscimo inspirado no amigo Milton Leite)

Você que anulou o voto ou votou em branco no segundo turno da eleição do ano passado, sob o argumento cretino de que "político é tudo igual" ou, como disse o Estadão em manchete e editorial, "Haddad ou Bolsonaro: uma escolha difícil".

Você que acusa Lula de ser o outro lado de uma moeda a ser desprezada e descartada, e afirma que a polarização é a causa dos nossos males e não um conflito natural, inevitável, e NECESSÁRIO, numa sociedade excludente do país que produziu a segunda maior desigualdade social do mundo, depois de 350 anos de escravidão e mais de 500 anos de racismo.

Você que começa a perceber – alvíssaras! – que Bolsonaro é um desastre ou, pior ainda, a perfeita tradução da tragédia que, em parte, foi provocada por sua omissão, enquanto você, um cara bacana e sensato, agia como o sujeito que bebeu pra cacete na festa de aniversário, mas achou que poderia dirigir para casa, com três crianças no carro, e que nada daria errado só porque elas não estavam usando cinto de segurança.

Você fez merda – e com esta opinião estou sendo generoso, por não dizer que você agiu deliberadamente contra o fio vulnerável de democracia que nós vivíamos.

Digamos que tenha sido apenas idiota.

Vá lá: distraído.

Mas é preciso que fique bem claro: você se tornará eternamente responsável, culpado, e um rematado canalha, se continuar defendendo, como se fossem defensáveis, retrospectivamente, os erros de avaliação que cometeu.

Você não precisa da minha solidariedade, e não a terá, mas pode ter coragem de dizer a si mesmo e aos seus amigos mais próximos, francamente:

-- OK, admito, fiz merda, errei pra caralho, me penitencio, e por isso decidi que a partir de agora vou fazer o que estiver ao meu alcance pra corrigir esta cagada.

Vai pela sombra e bom 2020 pra você.

Cultura, sob Bolsonaro, vive volta da censura, perda de ministério e viés evangélico


Primeiro ano da pasta no governo teve caça a temas sensíveis, conservadores em postos importantes e mudanças na Rouanet 
Gustavo Fioratti - Bruno Molinero

As ações do governo na Cultura em 2019 tiveram duas tônicas —a censura voltou a ameaçar a livre expressão de artistas subsidiados por verba pública, com agressividade que não se via desde a redemocratização, e a indústria do audiovisual, que vinha registrando crescimentos sucessivos e levava o cinema nacional para os principais festivais do mundo, foi freada com paralisações e cancelamentos de prêmios e patrocínios.

A extinção do Ministério da Cultura, definido no fim de 2018 e confirmado bem no início deste ano, já dava sinais de uma revisão histórica. Representou o ponto inicial de uma coleção de conflitos entre a classe artística e o governo.

Criado em 1985 pelo então presidente José Sarney, a instituição foi transformada na Secretaria Especial da Cultura, subordinada à pasta da Cidadania, sob comando do médico Osmar Terra. Em novembro, passou a fazer parte do Ministério do Turismo.

Já entre as primeiras medidas para o setor, o presidente Jair Bolsonaro questionou o patrocínio das empresas estatais à cultura. Reduziu o montante de incentivos na Caixa Cultural, no Banco do Brasil e nos Correios.

O governo anunciou ainda que a fatia mais robusta, vinda da Petrobras, deixaria de existir para ser realocada para programas de educação e produção tecnológica. O corte provocou preocupação, sobretudo nas direções dos grandes festivais de cinema.

O resultado da interrupção se consolidou no transcorrer de todo o ano, com a redução significativa das programações do Festival do Rio e do Anima Mundi, entre outros.

A leitura de que Bolsonaro promoveria um desmonte foi imediata e ganhou as redes. Em abril, uma nova mudança profunda na política de incentivos públicos atingiria uma parte significativa do mercado, o das artes cênicas.

Desde as eleições, Bolsonaro atacava a Lei Rouanet, questionando os subsídios públicos a produtores que, ele supunha, já andavam com pernas próprias. O teto de incentivos da lei caiu de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão.

As mudanças geraram protestos principalmente dos produtores de espetáculos musicais, que não ficaram dentro das exceções —planos anuais de museus, por exemplo, continuaram podendo captar fora do novo limite.

Neste fim de ano, o governo reconheceu o erro e divulgou que espetáculos musicais poderiam ter um teto superior, a princípio de R$ 10 milhões.

Também em abril, houve a paralisação da Ancine, a Agência Nacional do Cinema, depois que o Tribunal de Contas da União questionou a metodologia usada nas prestações de contas de produções incentivadas. Obras aprovadas em editais tiveram de esperar a situação ser regularizada para ter acesso a verbas retidas.

Em agosto, o governo começou a pôr em prática a retaliação a obras com temas que desagradavam a ala bolsonarista, vetando trabalhos que falavam sobre regimes autoritários, sexualidade e questões de gênero. Naquele mês, houve o cancelamento de um edital da Ancine que incluía incentivo a projetos para TVs públicas com temática LGBT —era o início de uma série de atos de censura que atingiriam também os programas de incentivos das empresas estatais.

Houve, por exemplo, cancelamentos de espetáculos como “Abrazo”, da companhia Clowns de Shakespeare, e “Gritos”, da Dos à Deux. A primeira trazia a história de um governo que proibia cidadãos de falar. A segunda era protagonizada por uma travesti.

Em setembro, a Folha revelou que a Caixa havia implementado um sistema de censura prévia, determinando inclusive que funcionários investigassem as redes sociais dos artistas que se inscreviam em programas de incentivo.

Embora as restrições abrangessem um cenário mais amplo, foi por causa do corte do edital da Ancine, em agosto, que Henrique Pires, então secretário da Cultura, pediu seu afastamento. “Para ficar e bater palma para censura, prefiro cair fora”, ele disse, ao pedir a exoneração. Pires foi substituído por Ricardo Braga, que também deixou a subpasta e foi substituído pelo dramaturgo bolsonarista Roberto Alvim.

Alvim havia se aproximado de Bolsonaro com entrevistas polêmicas que agradaram o presidente. Em junho, ele foi nomeado diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte e passou a usar as redes para defender uma guerra cultural contra o que avaliava ser uma visão da esquerda no campo das artes.

Teve grande repercussão o episódio em que o diretor atacou Fernanda Montenegro, chamando a atriz de sórdida e de mentirosa.

Depois de assumir a secretaria, Alvim iniciou um processo de mudança nos postos da pasta e de entidades subordinadas —chegaram ao governo novos nomes responsáveis por áreas como promoção e diversidade cultural, fomento e incentivo à cultura e economia criativa. Alvim trocou também o comando da Fundação Palmares, da Biblioteca Nacional e da Funarte.

O apresentador e pastor Edilásio Barra, conhecido como Tutuca, por exemplo, assumiu o cargo que controla o gerenciamento de R$ 724 milhões do Fundo Setorial do Audiovisual. Já um dos nomes mais controversos, Sérgio Nascimento de Camargo, ficou com a Fundação Palmares e se declarou contra o Dia da Consciência Negra e as cotas raciais —veja abaixo outros nomes.

A censura atingiu também a esfera municipal. Em setembro, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, do PRB, mandou fiscais à Bienal do Livro da cidade para recolher uma HQ da Marvel que trazia um beijo gay. O caso chegou ao Supremo, que proibiu a apreensão de obras no evento.

NOMEADOS RECENTES PARA A CULTURA

Roberto Alvim
Nomeado como secretário de Cultura, Alvim ganhou a simpatia de Bolsonaro ao defender o projeto do presidente nas redes sociais. Principalmente ao atacar Fernanda Montenegro, dizendo sentir ‘desprezo’ por ela e a chamar de ‘mentirosa’ e ‘sórdida’

Sérgio Nascimento de Camargo
Escolhido para comandar a Fundação Palmares, que faz a preservação de elementos da cultura afro-brasileira. Diz ser ‘negro de direita’ e é contra o Dia da Consciência Negra. Teve sua nomeação suspensa

Dante Mantovani
Também youtuber, o maestro divulga em seu canal vídeos com teorias da conspiração. Ficou famoso pela frase ‘o rock ativa a droga, que ativa o sexo, que ativa a indústria do aborto, e a indústria do aborto alimenta uma coisa muito mais pesada, que é o satanismo’

Janícia Ribeiro Silva
Presidente da Associação Cristã de Homens e Mulheres de Negócio, ela assumiu a Secretaria de Diversidade Cultural

Letícia Dornelles
A roteirista e atriz assumiu a Fundação Casa de Rui Barbosa, responsável por manter acervos de intelectuais e escritores de destaque. Em dezembro, a instituição chegou a divulgar um evento sobre astrologia, que depois foi cancelado

Edilásio Barra
Conhecido como Tutuca, é apresentador e pastor. Está à frente da Superintendência de Desenvolvimento Econômico da Ancine e gere os recursos do Fundo Setorial do Audiovisual

Rafael Nogueira
Aluno de Olavo de Carvalho, ele se define nas redes sociais como ‘aspirante a filósofo’ e assumiu a presidência da Biblioteca Nacional. Em 2017, publicou um tuíte em que associa Caetano Veloso e a banda Legião Urbana ao analfabetismo

André Sturm
Ex-secretário municipal de Cultura de São Paulo, ele foi escolhido em dezembro para ser o novo secretário do Audiovisual do governo federal

A grande ficha


Benett
A Grande Ficha (copyright @LaerteCoutinho1)

O bolsonarismo otimista perdeu seu prazo de validade e 2020 vai ferver

Ricardo Costa de Oliveira

2019 foi mais um ano da persistência do "Antigo Regime" no Brasil. Quem se beneficiou foram os banqueiros, o capital financeiro com seus grandes lucros, os interesses internacionais, o agronegócio tóxico, dependente dos venenos e da destruição da natureza, as corporações mais atrasadas nas cúpulas burocráticas do sistema judicial e das forças armadas, a grande mídia, os comissionados de direita no executivo, legislativo e judiciário, enfim o exército de parasitas dependentes das mamatas estatais beneficiados pelo bolsonarismo. 

Foi um mal ano para a classe trabalhadora, para os 90% mais pobres, arrocho salarial, perda de poder aquisitivo, desemprego ou empregos ruins e precários. Um mal ano para a cultura e para a educação, a principal oposição à ideologia rasa do bolsonarismo. Um ministério de fracassados nas suas respectivas áreas não proporcionou nenhuma melhora para a maioria da sociedade. Retrocessos na saúde. Contrariando as previsões do começo do ano de estabilidade e crescimento se viu a estagnação, subida do dólar e os aumentos nos produtos básicos, gás, combustíveis, eletricidade, água, carne. Os escândalos dos crimes milicianos, das fake news, acobertados pelo establishment e o roubo das aposentadorias reforçaram a concentração de renda, a desigualdade e a violência tradicional da sociedade brasileira. 

Sem o golpe de 2016 e a prisão de Lula o consórcio bolsonarista não se estabeleceria. Neste ritmo já perderam as bases populares que deram a vitória nas eleições arrumadas de 2018. O racha no PSL, as disputas entre militares, muitos demitidos, a sensação de manipulação dos evangélicos, todo o consórcio bolsonarista passa por crises variadas. A queda da popularidade dependerá da dinâmica econômica, que apesar das pressões por resultados positivos pelos dominantes continua ruim para os dominados. O aparente silêncio e a aparente calmaria antecedem a mudança do tempo político nesta conjuntura. O bolsonarismo otimista perdeu seu prazo de validade e o segundo ano vai ferver.

Como o pagodeiro Ferrugem explica o Brasil


Vinícius Carvalho

Pra início de conversa o Ferrugem hoje faz um pagode que mistura gospel, amiguícia, milícia, Deus, Barra da Tijuca, Pizza Parmê e sodomia. Por isso ele é tão importante para o Brasil.

Se o Ferrugem fosse uma alegoria perfeita de Brasil ele seria um barraco na favela do papel cagado em Caxias com uma piscina olímpica no quintal. É tipo quando um cara é mais feio que um cruzamento entre animais como Véio da Havan fazendo sexo com a Janaína Paschoal mas que tem o olho azul.

Mas antes de adentrar isso preciso falar sobre outra coisa, porque eu já sei que virão aqui perguntar "Quem é Ferrugem"?

Tem uma esquerda que é engraçada. A que quer ser mais civilité e mais culta que todo mundo, um blasé forçado demais. Só que fica algo meio arrogante, meio tosco, meio engraçado, aí começam a passar vergonha sem saber.

Tipo quando eu posto algo que fala sobre algum tema popularesco, tu fala sobre, sei lá, o SALGADINHO DO KATINGUELÊ, ou cantarola alguma música do ART POPULAR do gênio da raça LEANDRO LEHART, eles chegam e perguntam "ummm noffaa, quem é esse?", "não conheço", "nunca ouvi falar".

Joga no Google, ora porra. No Google tem tudo, é o novo pai dos burros. Mas não, na verdade a pessoa PRECISA comentar que não conhece, porque, as You know, eles são franceses demais, parisienses demais, intelectuais demais, eles peidam cheiroso zentchy, eles não cagam, eles lançam trufas da Kopenhagen e bonb-bons serenatas de amor nas suas privadas com cheiro de talco do Himalaia.

"Sou socialista, mas meu sonho é ser da elite de Luxemburgo"

Na casa deles, eles só cozinham ao som de arias ou da NONA DE BEETHOVEN, sendo que como eu aprendi italiano assistindo O Rei do Gado e Terra Nostra, ninguém me tira da cabeça até hoje que Nona de Beethoven foi uma música que o compositor alemão fez para alguma velha italiana, sua avó, se pá, a Nona. (Mentira, kkk eu nem via Globo, mas sabia o que era pq só se comentava isso na época, eu não vou fingir que não sei pra dar uma de gostoso, de Althusser dos trópicos).

Isto posto, eu estava ouvindo aquela merda rala chamada Ferrugem há pouco. Sim, correndo o risco de contrair tétano nos meus tímpanos eu fiz este sacrifício, porque se eu quero criticar o popularesco eu preciso conhecê-lo.

Não tem como você fazer a leitura política de um momento sem entender o que o povo gosta, ouve, lê, assiste. Mesmo que seja um câncer ou uma cãibra nas bolas ou um prurido anal.

Eu estava ouvindo uma música do Ferrugem chamado "o som do tambor", e nada mais explica o Brasil atual do que isso.

O cara na música basicamente diz que é abençoado por "papai do céu", que o protege e o guarda, e que ele vai sair com os amigos dirigindo bêbado, mas sem problema nenhum, afinal, papai do céu protege todos os seus amigos, jiu-jiteiros, parças do Neymar e amiguícias da Barra da Tijuca. Os cheiradores evanjegues que devem frequentar a Bola de Neve Church ou alguma Vineyard aí qualquer.

E o Ferrugem explica muito o tempo atual porque vivemos um fenômeno de helenização cultural, não existe cultura estática e livre de influências do entorno. Algumas coisas são apenas ressignificadas.

É claro com o sol que, assim como a polenta não é italiana, e que o churrasco gaúcho na verdade é indígena, e que jacaré no seco anda, que a forte influência da teoria da prosperidade e dos evangélicos na sociedade carioca, está deixando as músicas populares repletos de símbolos neopentecostais, mesmo que coadunados com álcool, putaria e corrupção.

Já existe os bandidos de Jesus, em breve teremos os puteiros de Jesus, o tráfico de órgãos de Jesus, o tráfico de crianças de Jesus, a pedofilia de Jesus e etc. Tudo isso ao som do tambor.

domingo, 29 de dezembro de 2019

A anticultura de um país dominado pelo que ele mesmo tem de mais retrógrado


A invasão
A possibilidade de sermos localizados pelas forças anticultura do governo e presos multiplica-se
Luis Fernando Verissimo

Estou transmitindo isso em código. Se a transmissão for interrompida abruptamente é sinal de que tive que fazer xixi ou fui descoberto. A possibilidade de sermos localizados pelas forças anticultura do governo e presos multiplica-se, e a repressão aumenta dia a dia. Muitos companheiros da resistência estão desaparecidos, como o pessoal do teatro de vanguarda obrigado a desocupar o teatro onde encenavam uma peça de conteúdo social, o que é proibido, e levados em camburões do temido Departamento de Combate à Criatividade com destino ignorado, todos nus. Qualquer manifestação artística com o nome de “vanguarda”, “social” e etc., já era proibida no território nacional e agora, para simplificar, decidiram proibir qualquer manifestação artística no território nacional, salvo a de bispos cantores.

A queima de livros que pregam o evolucionismo, o sexo recreativo, a redondeza da Terra, o ridículo de acreditar em astrologia, o socialismo ou tudo isso ao mesmo tempo, continua e já há uma corrente que julga inútil queimar livros se suas ideias continuam a existir e serem propagadas por mentes doentias, e sugere que se queime escritores, ou na ordem alfabética ou pela sua evidente combustibilidade. Somos obrigados a mudar o código quase que diariamente para evitar a detenção.

A própria palavra “código” não quer dizer mais código. Procure decifrar seu novo sentido antes que me peguem. Acho que não tenho muito tempo antes de ser lançado na hipotética fogueira. Nosso erro, ao escolher os fatos mais importante que aconteceram no Brasil em 2019, foi não prestar a devida atenção. Fomos invadidos sem nos darmos conta, quando nos demos conta já era tarde. Deveríamos ter desconfiado que era uma invasão na cerimônia de posse do seu ministério anunciado pelo Bolsonaro. Lembra? Grande parte dos ministros usava longos guarda-pós brancos. Aquilo era estranho, estariam lançando uma nova moda ministerial, com o guarda-pó simbolizando sua disposição de trabalhar pelo País sem personalismo ou vaidade? Mas não. Assim que foram identificados como ministros do novo governo, os de guarda-pós arrancaram seus disfarces – que tapavam fardas militares!

A quantidade de militares em quem ninguém votou, com cargo oficial e poder, perfilados dentro da sede do governo, caracterizava um golpe. Branco como os guarda-pós, mas golpe. Sem armas à vista, sem tanques na rua, mas a invasão de um país por outro assim mesmo. Tudo neste texto é metafórico, da anticultura num país dominado pelo que ele mesmo tem de mais retrógrado, do primeiro parágrafo, aos guarda-pós que não existiram, mas sua única imprecisão está no exagero. 

Selfie


A foto do ano

Aplicativos
Ciclistas que trabalham com aplicativos de entrega descansam em praça de São Paulo. 
Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 13/9/2019
Estadão

"Para mim, é uma foto que retrata a precarização do trabalho como a gente conhecia. Fico triste quando vejo aqueles meninos da foto, eles estão quase em situação de rua" (Tiago Queiroz)

Jornal impresso agoniza em praça pública



A morte do jornal impresso é inexorável. Neste domingo, a ombudsman da Folha revela que o jornal perdeu 80% de seus assinantes em papel desde 2000, quando a internet começou a se tornar mais popular. Nada menos que 350 mil pessoas deram adeus. 

A Folha tem hoje 235 mil assinantes digitais e 86 mil em papel, mas a curva de declínio do impresso continua acelerada. Neste ano, a base de assinantes impressos encolheu mais 13,3%. 

Embora o digital tenha crescido, isso não resolve os problemas de uma jornal impresso, uma vez que assinatura da edição em papel é quatro vezes mais cara. A decisão racional para os jornais seria encerrar as atividades em papel e fechar seus parques gráficos. 

Os jornais, no entanto, não tomam esta decisão porque isso reduziria dramaticamente sua percepção de influência e eles não seriam mais vistos como “o Cidadão Kane do pedaço”. Passariam a ser apenas um site a mais. Grande, claro, mas não mais um quase monopólio. 

A ombudsman também conta que o jornal ganhou assinantes nos momentos em que foi mais atacado por Jair Bolsonaro, ou seja, a Folha usa estes atritos para tentar seduzir e atrair mais leitores, vendendo-se como um instrumento “em defesa da democracia”. 

Mas o editorial do jornal deste domingo pede a continuidade e até mesmo o aprofundamento do choque neoliberal de Paulo Guedes, o que também deixa claro porque a Folha apoiou o golpe de 2016. A mídia corporativa, na realidade, está numa grande sinuca de bico. 

A desonestidade intelectual do PSOL

PSOL se uniu ao fascismo para destruir a democracia. #Fato

Yuri Carajelescov


O PSOL terá de fazer a autocrítica ou pegar o beco. Foram eles, em boa medida, os sociais-odara-liberais com as pautas importadas do open society, que puseram a areia no caminhão da direita até serem tocados feito roedores da Paulista pelos crossfiteiros e agora gritam Pega ladrão para se safarem. Mas nós sabemos o que vocês fizeram em junho de 2013. O Não vai ter copa era de uma ingenuidade ímpar que a Globo encampou, pois ela pensa lá na frente. Quando pescaram do manual a mesma estratégia para aplicar na Rússia em 18, o camarada Putin, que não é otário, disse “comigo não, violão.” Já por aqui até o ingênuo Boulos colaborou. Agora invertem a equação. A insatisfação com Dilma 1 é consequência e não causa das jornadas dos zumbis de 2013. Basta ver os índices de popularidade da presidenta antes e depois das tais xornadas. Aliás, por onde andam aqueles meninos que já não se indignam com a passagem a 4,40? Tomaram o rumo do esgoto ou habitam a caverna do Batman? 

A CIA torra por volta de 60 bilhões por ano do contribuinte americano - algo como 15 bi oficialmente e a diferença por baixo dos panos, pelas frestas orçamentárias, segundo nos revelou Snowden - só para inspirar roteiros de filmes de 007? Óbvio, para quem acredita na geração espontânea do passe-livre tudo é possível, inclusive desconsiderar o conceito de guerra híbrida e das revoluções coloridas. Equiparar as insinuações porcas de Bolsonaro sobre Leonardo DiCaprio com as alegações de Lula sobre a CIA, considerando seu histórico de golpes por onde transita e a sua razão de ser, é de uma desonestidade intelectual sem par. Sem par não, nível Olavão.

O primeiro ano da Besta no governo


Mentiras de Bolsonaro no primeiro ano têm consequências práticas
Presidente se especializou em divulgar informações falsas para justificar absurdos
Bruno Boghossian

Em maio, Jair Bolsonaro ultrapassou mais um limite da realidade. Ao insistir na retirada de radares das estradas, ele disse que o controle de velocidade era uma das causas da violência no trânsito. “Prejudica. Causa mais acidente, até”, declarou.

Não era lapso ou distorção. Era mentira. O governo surfou nessa lorota e removeu os equipamentos móveis. Os acidentes não diminuíram, é claro. Ao contrário, houve aumento no número de mortos e feridos nos meses seguintes, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal.

O presidente se especializou em divulgar informações nitidamente falsas para embasar decisões disparatadas. Esse método, como se vê, tem consequências práticas sobre as políticas públicas e a sociedade.

Bolsonaro bateu recordes nesse quesito na área ambiental. Afirmou que o aumento da devastação da Amazônia captado peloInpe era falso (embora o alerta tenha se provado correto), culpou ONGs e incluiu até o ator Leonardo DiCaprio nessa trama fantasiosa. Tudo para mascarar sua leniência com grileiros, madeireiros e mineradores.

“Quer que eu culpe os índios? Quer que eu culpe os marcianos? É, no meu entender, um indício fortíssimo que é esse pessoal de ONG que perdeu a teta deles, é simples”, afirmou o presidente, em agosto. Mentira.

Para continuar erguendo sua bandeira de ataques ao ensino público superior, Bolsonaro declarou, em abril, que “poucas universidades têm pesquisa, e, dessas poucas, a grande parte está na iniciativa privada”.

A fraude não foi pequena: das 20 melhores instituições do Ranking Universitário Folha na área de pesquisa, só uma escola era particular.

O presidente também disse que não havia fome no Brasil, repetiu que o nazismo era um movimento de esquerda e espalhou teorias da conspiração sobre médicos cubanos. Foi assim o primeiro ano de governo.

Um final simbólico no Ano Bolsonaro


Janio de Freitas 
Indulto é abuso de poder com fins não revelados e ataque ao Porta dos Fundos diz mais do que se nota
O tema da violência armada, que no apagar do ano criou dois casos especiais, cai muito bem como encerramento do Ano Bolsonaro, em lugar daqueles balanços que mais balançam do que consolidam. O que está chamado de indulto, e é muito mais, consiste em um abuso de poder com fins não revelados no que mais importa: sua motivação. O ataque homicida e incendiário ao estúdio do Porta dos Fundos, por sua vez, diz mais do que se nota.

A libertação dos condenados das polícias Militar e Civil, militares, bombeiros e “agentes de segurança” em geral, sentenciados por crimes culposos (ditos “sem intenção de matar”), está à espera de uma pergunta: por que esse ato de Jair Bolsonaro?

Os tradicionais indultos de Natal receberam críticas iradas entre as acusações do candidato Jair Bolsonaro a causas de criminalidade. Assumia o compromisso de extingui-los. Pouco antes da posse, embaraçou Michel Temer, que buscava incluir nos seus indultados alguns presos por corrupção. Como lembrado agora, Bolsonaro disse então que, com ou sem corruptos, Temer faria o último indulto presidencial.

De lá para cá, o que houve de novo, na conexão de “agentes da segurança” e criminalidade, foi apenas a verificada proximidade dos Bolsonaro com milicianos. Com mais clareza, até agora, proximidade intermediada pela integração de milícias e parte da Polícia Militar. E na qual o matador “culposo” Fabrício Queiroz e o ex-capitão Adriano Nóbrega, dado como chefe do “escritório do crime” de morte, são os citados costumeiros, mas não os únicos.

Tanto a exclusividade do benefício a “agentes da segurança” —sempre preservada a citação prioritária a PMs— como o seu alcance suscitam estranhezas também no Ministério Público. A subprocuradora-geral Luiza Frischeisen, por exemplo, mencionou ao repórter Vinicius Sassine sua preocupação, como coordenadora da Câmara Criminal, com “a extensão do perdão para pessoas fora do exercício da função”. Policiais, militares e “agentes de segurança” autores de crimes quando não agiam como policiais.

Bolsonaro não se limitou nem aos homicídios policiais “em resposta a atos de resistência” ou decorrentes de “medo justificável” e “forte emoção”, que Sergio Moro propôs perdoar por antecipação.

O subprocurador-geral Domingos Sávio da Silveira, coordenador do Controle Externo da Atividade Policial, questiona a concessão do benefício a uma só profissão, algo injustificável e sem precedente. Não sendo genérico, o indulto de Bolsonaro não é indulto, é graça — que “excede o poder” presidencial.

Tudo foge às características do indulto de Natal. E não foi assim por acaso, sendo todos os pormenores coordenados e complementares. Para uma finalidade inconfessada.

A outra homenagem ao Ano Bolsonaro —o ataque à sede do Porta dos Fundos — tem repercussão por motivos óbvios. Não por isso, mas pelo ato em si, torna perceptível uma escalada no extremismo. Ou no bolsonarismo.

Sob diferentes formas, atos da mesma natureza estão ocorrendo com frequência crescente. Centros espíritas, de umbanda, associações de fins sociais, cerimônias e igrejas católicas, além de inúmeras vítimas pessoais, estão atacados no país todo, sem que isso receba do Ministério da Justiça, dos meios de comunicação e da sociedade a atenção devida e a compreensão de sua gravidade.

Foram atos de extremismo isolado que, em crescendo por contaminação e sem encontrar resistência, anteciparam as tragédias nacionais tão conhecidas.

Jesus não é cão


Bernardo Carvalho
Soldados de Cristo em Armas são autoridade no bairro desde que deixou de haver Estado
Rosa pode ser simples, mas não é boba. Quando bateram na porta, ela estava explicando para Wellington que, desde que o homem se conhece por gente, falar em nome de Deus faz parte de um projeto de poder. E como o toque de recolher já estava valendo e o filho, Pedro, ainda não tinha voltado, ela nem pensou duas vezes antes de abrir, achando que era ele. Não era.

Os Soldados de Cristo em Armas trazem as efígies do presidente e do ministro da Justiça tatuadas nos antebraços direito e esquerdo, respectivamente. Já os Vigilantes de Jesus, que comandam o bairro vizinho, usam as mesmas tatuagens, porém nos antebraços esquerdo e direito, respectivamente. Não quer dizer nada. Serve de salvo-conduto.

As caras do presidente e do ministro da Justiça em geral resultam em borrões aproximativos nos antebraços dos justiceiros de Deus. E nesse caso não eram exceção. Tinham a expressão sinistra das cicatrizes. O que vale é que todo mundo reconhece na hora. E foi a primeira coisa que o Soldado de Cristo em Armas mostrou quando Rosa abriu a porta, para que não houvesse dúvida quanto ao motivo da visita. Os Soldados de Cristo em Armas são autoridade no bairro desde que deixou de haver Estado.

Você não pagou o pedágio de novembro?, Rosa gritou para Wellington, que tinha ido buscar alguma coisa lá dentro.

Claro que paguei, Wellington gritou de volta.

Ele está dizendo que não.

A esta altura, o Soldado de Cristo em Armas já está dentro da sala, com um 38, arma oficial do país, apontado para Rosa. Desde que deixou de haver Estado, a economia se autorregula pelo mercado.
Pra continuar vivo tem que pagar, o Soldado de Cristo em Armas anunciou.

Rosa e Wellington estavam sabendo. Nem precisava ter dito, moço, ela disse, mas antes de poder concluir, um tiro de espingarda arrancou o 38 e um pedaço da mão do Soldado de Cristo em Armas.

Tá louco, Wellington? Não sabe que esses caras têm treinamento policial?

Enchi o saco. Agora, explica pra ele o que tu tava me explicando, Rosa, Wellington disse, diante do Soldado de Cristo em Armas ajoelhado no chão, gritando às cusparadas Puta que pariu! Puta que pariu! e segurando o pedaço de mão que normalmente ficava abaixo da efígie borrada do presidente, com a outra mão, que ainda se encontrava abaixo da efígie do ministro da Justiça.

Explica pra ele, Wellington insistiu, vendo que Rosa estava atônita e paralisada. Conta pra ele a história de Jonas, por exemplo.

Rosa tomou fôlego e começou: Deus mandou Jonas avisar o pessoal lá em Nínive que daquele jeito não ia dar.

Diz pra ele que Nínive era mais ou menos que nem o Brasil hoje, senão ele não vai entender. Tudo fora do lugar, um monte de marmanjo no poder, falando e fazendo merda, blasfemando em nome de Deus, só no desmonte, porque o desmonte era o único objetivo, Wellington exortou à mulher.

Nínive era que nem o Brasil hoje, só no desmonte, Rosa repetiu, e Jonas não estava a fim de ir lá avisar ninguém. Então pegou um navio e fugiu de Deus, mas Deus levantou uma tempestade e o navio só não afundou porque Jonas pediu pra ser jogado no mar, pra salvar os outros no mesmo barco. Bastou ele cair no mar pra vir a calmaria.

Entendeu ou tá difícil?, Wellington perguntou ao Soldado de Cristo em Armas, ajoelhado no chão. E depois, virando-se para Rosa: Diz pra ele que com Jesus isso aí ficou ainda mais claro.

Com Jesus ficou ainda mais claro que servir a Deus não é acusar os outros; é assumir a culpa e se sacrificar pelo bem comum, abrir mão dos privilégios pelo bem de todos, Rosa disse.

Ouviu? A culpa não é dos outros, do sistema e o caralho; a culpa é sua. Não é pra se dar bem em cima da ignorância e da fragilidade dos outros, tirar vantagem da ignorância e da fragilidade dos outros pra encher o cu de grana e foder com o mundo e com o direito dos outros, entendeu? Antes de sair por aí falando em nome de Deus, dizendo que vai fazer justiça em nome de Jesus, você devia olhar pra própria merda. E que merda, né? Wellington se empolgou, assumindo de vez a palavra.

Tá na Bíblia, malandro. Antes de ficar apontando pros outros, devia olhar pra si. Devia saber, já que é fiel a Jesus, Wellington prosseguiu, chegando mais perto do Soldado de Cristo em Armas ajoelhado no chão. Ou melhor, como vocês dizem, Jesus é que é fiel a vocês, certo? E nessa hora, percebendo que o Soldado de Cristo em Armas já não estava em condições de ouvir, muito menos de responder, murmurou no ouvido dele: Jesus não é cão pra ser fiel, meu amigo. Jesus não é cão.

Bernardo Carvalho
Romancista, autor de "Nove Noites" e "Simpatia pelo Demônio".

Retro-prospectiva


O lago dos fáscios


sábado, 28 de dezembro de 2019

Mais Pessimismo da Razão, menos Otimismo da Vontade

Analyse this!

Vinícius Carvalho

Para 2020: mais Pessimismo da Razão, menos Otimismo da Vontade.

Um texto pessimista de final de ano e porque o ano de 2020 tende a ser pior que o ano de 2019, que já foi o pior de todos os tempos para a minha geração.

Porque ser otimista é ser, muitas vezes, inocente. É como tentar jogar FreeCô no esgoto ou Bom Ar na caixa de gordura. E não tem nada de errado em ser pessimista. Sou por Gramsci, é o "Pessimismo da Razão" que nos faz compreender com realismo o processo histórico e com isso pensar em mecanismos (ou não) para superar as dificuldades ou, pelo menos, manter-se vivo em meio ao caos. O que não quer dizer que não devamos de cultivar o "Otimismo da Vontade".

Por exemplo, muita gente me cobra que o volume das minhas postagens diminui muito no decorrer deste ano, e isso ocorreu por uma série de motivos.

Esse semestre foi completamente insano, muita coisa acumulada, uma viagem em cima da outra, a ponto de que muitas vezes eu nem desfazia as malas, apenas esperava uns 3 dias para a próxima, e eu simplesmente não tinha tempo. Mal vejo as solicitações, seja aqui, no Instagram e no Whatsapp ganhar um vácuo meu já virou o padrão. Responder mensagens virou artigo de luxo.

Outra coisa foi aquilo que o intelectual e economista grego Yanis Varoufakis escreveu e - na minha perspectiva - acertou miseravelmente no artigo "Como me tornei um marxista errático" e irei pinçar um excerto abaixo. Portanto, é complicado continuar tendo ânimo para falar de política de forma simples. Era engraçado e tragicômico apontar os absurdos da direita chucra nos textos, só que vai cansando.

É muito mais fácil para as pessoas ser oposição, porque é muito mais fácil jogar pedra do que proteger o próprio telhado. Mas no meu caso, por incrível que pareça, eu tinha mais tesão para escrever quando tinha que defender o Governo PT, Lula e Dilma, mesmo apontando seus erros. Acho que isso decorre devido a um senso de dever e responsabilidade histórica que é inerente a mim, ao ver milhões de pessoas saindo da miséria. Eu sabia que o Brasil era um país brutalizado, e que aquele governo social-liberal, recuado economicamente, cheio de defeitos, ainda assim foi o que de mais humano e avançado já tivemos. E que, com o discurso de ódio que se avolumava na sociedade, o perderíamos para um governo protofascista e assassino.

E vai cansando, porque você vê uma completa apatia social.

Se com a narrativa contra o PT você via caminhoneiros revoltados com aumentos ínfimos no diesel, pessoas prometendo quebra-quebra com aumentos ridículos no combustível (tipo, gasolina quando aumentou para 2,89 o litro), nos 0,20 centavos do ônibus, gás subsidiado custando metade do valor que custa hoje, carne custando praticamente 1/3 do valor, pessoas se revoltando com o dólar a R$ 2, 80. Hoje está todo mundo com a língua socada no orifício retofuricular e achando que "é assim mesmo".

É tudo narrativa. Portanto, como eu sempre apontei, a disputa é por hegemonia, não dá pra ficar fazendo papel de Dom Quixote o tempo todo lutando contra moinhos de vento.

E isso porque acredito no artigo que citei do Varoufakis, onde ele dizia que:
"Mesmo como o desemprego tendo duplicado e, em seguida, triplicado, sob as intervenções neoliberais radicais de Thatcher, eu continuei a abrigar a esperança de que Lenin tinha razão: “As coisas têm que piorar antes de melhorarem”. Ao passo que a vida se tornava mais desagradável, mais brutal e, para muitos, mais curta, ocorreu-me que eu estava tragicamente equivocado: as coisas poderiam piorar perpetuamente, sem nunca melhorar. A esperança de que a deterioração dos bens públicos, a diminuição da vida da maioria, a propagação da privação em todos os cantos da terra levaria, automaticamente, a um renascimento da esquerda era apenas isso: esperança. 
A realidade, contudo, foi dolorosamente diferente. A cada volta do parafuso da recessão, a esquerda ficava mais introvertida, menos capaz de produzir uma agenda progressista convincente e, enquanto isso, a classe operária estava sendo dividida entre aqueles que desistiram da sociedade e aqueles cooptados para a mentalidade neoliberal. Minha esperança de que Thatcher iria inadvertidamente trazer uma nova revolução política era bem e verdadeiramente falsa.Tudo o que resultou do thatcherismo foram a extrema financeirização, o triunfo do shopping sobre a loja da esquina, a fetichização da habitação e Tony Blair." (VAROUFAKIS, 2013)
Por outro lado, enquanto a direita nada de braçada nas estratégias, existe uma bateção de cabeça (e punheta) na esquerda. A que não se reinventa desde os anos 70 pelo lado materialista, e se mantém congelada no tempo, sem nenhum diálogo social; e uma completa despirocação beirando a doença, jogando todo o campo da esquerda no gueto, na perspetiva daquilo que erradamente chamam de "pós-modernos". E para ambos os campos falta esse pessimismo da razão. Ambos veem o povo como cordeirinho, como se o pobre não pudesse ser conservador ou fascista, só porque ele elegeu o Lula em 2006. Como se a história ou as perspectivas fossem estáticas e não dinâmicas, como se não fosse a tiazinha de saião, analfabeta mas com bíblia debaixo do braço que - mesmo sem saber o que era fascismo - delatou os vizinhos e parentes para os camisas negras na Itália fascista e para os Freikorps na Alemanha nazista.

Para essas duas esquerdas reinantes no contexto atual, é só levar a sagrada palavra de Marx ou de Beyoncé e MC Carol, que o povo "uma tábula rasa" na visão deles, está lá para cerrar fileiras no campo da revolução ou da lacração.

É cansativo, não porque eu ache que tenha as respostas, é justamente porque não tenho, mas porque é nítido que de tanto apanhar e de ter vindo da merda, eu to vendo o que não está dando certo.

Essa coisa de frequentar boteco em subida de comunidade repleto de bolsominion de classe C e D, de andar de ônibus lotado, ao mesmo tempo, de frequentar direção de partido, e bares mais ricos um pouco, de dividir a vida entre o estado mais maluco do Brasil, o Rio de Janeiro, e o mais conservador, Santa Catarina, te faz sim ter uma visão um pouco maior da gravidade que vivemos.

Da minha parte, para 2020, acho que devo tentar dar uma de Luiz Antonio Simas (sem obviamente ter 0,1% do talento dele), falar sobre a vida cotidiana de forma mais leve, sem deixar ali contido nas entrelinhas a minha visão de mundo.

E claro, defender aqui novamente a importância de se fechar em bolhas ideológicas e dar afeto aos seus. Aliás, só isso para salvar a nossa sanidade mental.

Conexão Curitiba: uma hipótese muito provável



OUTRASPALAVRAS

por José Luís Fiori e William Nozaki

Agora, todas as peças parecem se encaixar. Como a descoberta do pré-sal, em meio a uma guinada estratégica à direita, nos EUA, colocou o Brasil no centro da “guerra híbrida” e criou as condições para o atual cenário de horrores
É comum falar de “teoria da conspiração”, toda vez que alguém revela ou denuncia práticas ou articulações políticas “irregulares”, ocultas do grande público, e que só são conhecidas pelos insiders, ou pelas pessoas mais bem informadas. E quase sempre que se usa esta expressão, é com o objetivo de desqualificar a denúncia que foi feita, ou a própria pessoa que tornou público o que era para ficar escondido, na sombra ou no esquecimento da história. Mas de fato, em termos mais rigorosos, não existe nenhuma “teoria da conspiração”. O que existem são “teorias do poder”, e “conspiração” é apenas uma das práticas mais comuns e necessárias de quem participa da luta política diária pelo próprio poder. Esta distinção conceitual é muito importante para quem se proponha analisar a conjuntura política nacional ou internacional, sem receio de ser acusada de “conspiracionista”. E é um ponto de partida fundamental para a pesquisa que estamos nos propondo fazer sobre qual tenha sido o verdadeiro papel do governo norte-americano no golpe de Estado de 2015/2016, e na eleição do “capitão Bolsonaro”, em 2018. Neste caso, não há como não seguir a trilha da chamada “conspiração”, que culminou com a ruptura institucional e a mudança do governo brasileiro. E nossa hipótese preliminar é que a história desta conspiração começou na primeira década do século XXI, durante o “mandarinato” do vice-presidente americano, Dick Cheney, apesar de que ela tenha adquirido uma outra direção e velocidade a partir da posse de Donald Trump, e da formulação da sua nova “estratégia de segurança nacional”, em dezembro de 2017.

No início houve surpresa, mas hoje todos já entenderam que essa nova estratégia abandonou os antigos parâmetros ideológicos e morais da política externa dos Estados Unidos, de defesa da democracia, dos direitos humanos e do desenvolvimento econômico, e assumiu de forma explícita o projeto de construção de um império militar global, com a fragmentação e multiplicação dos conflitos, e a utilização de várias formas de intervenção externa, nos países que se transformam em alvos dos norte-americanos. Seja através da manipulação inconsciente dos eleitores e da vontade política dessas sociedades; seja através de novas formas “constitucionais” de golpes de Estado; seja através sanções econômicas cada vez mais extensas e letais, capazes de paralisar e destruir a economia nacional dos países atingidos; seja, finalmente, através das chamadas “guerras híbridas” que visam destruir a vontade política do adversário, utilizando-se da informação mais do que da força, das sanções mais do que dos bombardeios, e da desmoralização intelectual dos opositores mais do que da tortura.

Desse ponto de vista, é interessante acompanhar e evolução dessas propostas nos próprios documentos norte-americanos, nos quais são definidos os objetivos estratégicos do país e as suas principais formas de ação. Assim, por exemplo, no Manual de Treinamento das Forças Especiais Americanas Preparadas para Guerras Não-Convencionais, publicado pelo Pentágono em 2010, já está dito explicitamente que “o objetivo dos EUA nesse tipo de guerra é explorar as vulnerabilidades políticas, militares, econômicas e psicológicas de potências hostis, desenvolvendo e apoiando forças internas de resistência para atingir os objetivos estratégicos dos Estados Unidos”. Com o reconhecimento de que “em um futuro não muito distante, as forças dos EUA se engajarão predominantemente em operações de guerra irregulares”1. Uma orientação que foi explicitada, de maneira ainda mais clara, no documento no qual se define, pela primeira vez, a nova Estratégia de Segurança Nacional dos EUA do governo de Donald Trump, em dezembro de 2017. Ali se pode ler, com todas as letras, que o “combate à corrupção” deve ter lugar central na desestabilização dos governos dos países que sejam “competidores” ou “inimigos” dos Estados Unidos2. Uma proposta que foi detalhada no novo documento sobre a Estratégia de Defesa Nacional dos EUA, publicado em 2018, em que se pode ler que “uma nova modalidade de conflito não armado tem tido presença cada vez mais intensa no cenário internacional, com o uso de práticas econômicas predatórias, rebeliões sociais, cyber-ataques, fake news, métodos anticorrupção3”.

É importante destacar que nenhum desses documentos deixa a menor dúvida de que todas estas novas formas de “guerra não convencional” devem ser utilizadas – prioritariamente – contra os Estados e as empresas que desafiem ou ameacem os objetivos estratégicos dos EUA.

Agora bem, neste ponto da nossa pesquisa, cabe formular a pergunta fundamental: quando foi – na história recente – que o Brasil entrou no radar dessas novas normas de segurança e defesa dos EUA? E aqui não há dúvida de que cabem muitos fatos e decisões que foram tomadas pelo Brasil, sobretudo depois de 2003, como foi o caso da sua política externa soberana, da sua liderança autônoma do processo de integração sul-americano, ou mesmo, da participação no bloco econômico do BRICS, liderado pela China. Mas não há a menor dúvida de que a descoberta das reservas de petróleo do pré-sal, em 2006, foi o momento decisivo em que o Brasil mudou de posição na agenda geopolítica dos Estados Unidos. Basta ler o Blueprint for a Secure Energy Future, publicado em 2011, pelo governo de Barack Obama, para ver que naquele momento o Brasil já ocupava posição de destaque em 3 das 7 prioridades estratégicas da política energética norte-americana: (i) como uma fonte de experiência para a produção de biocombustíveis; (ii) como um parceiro fundamental para a exploração e produção de petróleo em águas profundas; (iii) como um território estratégico para a prospecção do Atlântico Sul4.

A partir daí, não é difícil rastrear e conectar alguns acontecimentos, sobretudo a partir do momento em que o governo brasileiro promulgou – em 2003 – sua nova política de proteção dos produtores nacionais de equipamentos, com relação aos antigos fornecedores estrangeiros da Petrobras, como era o caso, por exemplo, da empresa norte-americana Halliburton, a maior empresa mundial em serviços em campos de petróleo, e uma das principais fornecedoras internacionais das sondas e plataformas marítimas, e que havia sido dirigida, até o anos 2000, pelo mesmo Dick Cheney que viria a ser o vice-presidente mais poderoso da história dos Estados Unidos, entre 2001 e 2009. A Odebrecht, a OAS e outras grandes empresas brasileiras entram nessa história, a partir de 2003, exatamente no lugar dessas grandes fornecedoras internacionais que perderam seu lugar no mercado brasileiro. Cabendo lembrar aqui que a complexa negociação entre a Halliburton e a Petrobrás5, em torno à compra e entrega das plataformas P43 e P48, envolvendo 2,5 bilhões de dólares6, começou na gestão de Dick Cheney e se estendeu até 2003/4, com a participação do Gerente de Serviços da Petrobrás na época, Pedro José Barusco, que se transformaria depois no primeiro delator conhecido da Operação Lava-Jato7.

Nesse ponto, aliás, seria sempre muito bom lembrar a famosa tese de Fernand Braudel, o maior historiador econômico do século XX, de que “o capitalismo é o antimercado”, ou seja, um sistema econômico que acumula riqueza através da conquista e preservação de monopólios, utilizando-se de todo e qualquer meio que esteja ao seu alcance. Ou ainda, traduzindo em miúdos o argumento de Braudel: o capitalismo não é uma organização ética nem religiosa, e não tem nenhum compromisso com qualquer tipo de moral privada ou pública que não seja a da multiplicação dos lucros e a da expansão contínua dos seus mercados. E isto é que se pode observar, mais do que em qualquer outro lugar, no mundo selvagem da indústria mundial do petróleo, desde o início de sua exploração comercial do petróleo, desde a descoberta do seu primeiro poço pelo “coronel” E. L. Drake, na Pensilvânia, em 1859.

Agora bem, voltando ao eixo central da nossa pesquisa e do nosso argumento, é bom lembrar que este mesmo Dick Cheney que vinha do mundo do petróleo, e teve papel decisivo como vice-presidente de George W. Bush, foi quem concebeu e iniciou a chamada “guerra ao terrorismo”, conseguindo o consentimento do Congresso norte-americano para iniciar novas guerras, mesmo sem aprovação prévia do parlamento; e o que é mais importante, para nossos efeitos, conseguiu aprovar o direito de acesso a todas as operações financeiras do sistema bancário mundial, praticamente sem restrições, incluindo o velho segredo bancário suíço, e o sistema e pagamento europeus, o SWIFT.

Por isso, aliás, não é absurdo pensar que tenha sido por esse caminho que o Departamento de Justiça norte-americano tenha tido acesso às informações financeiras que depois foram repassadas às autoridades locais dos países que os Estados Unidos se propuseram a desestabilizar com campanhas seletivas “contra a corrupção”. No caso brasileiro, pelo menos, foi depois desses acontecimentos que ocorreu o assalto e o furto de informações geológicas sigilosas e estratégicas da Petrobras, no ano de 2008, exatamente dois anos depois da descoberta das reservas petrolíferas do pré-sal brasileiro, no mesmo ano em que os EUA reativaram sua IV Frota Naval de monitoramento do Atlântico Sul. E foi no ano seguinte, em 2009, que começou o intercâmbio entre o Departamento de Justiça dos EUA e integrantes do Judiciário, do MP e da PF brasileira para tratar de temas ligados à lavagem de dinheiro e “combate à corrupção”, num encontro que resultou na iniciativa de cooperação denominada Bridge Project, da qual participou o então juiz Sérgio Moro.

Mais à frente, em 2010, a Chevron negociou sigilosamente, com um dos candidatos à eleição presidencial brasileira, mudanças no marco regulatório do pré-sal, numa “conspiração” que veio à tona com os vazamentos da Wikileaks, e que acabou se transformando num projeto apresentado e aprovado pelo Senado brasileiro. E três anos depois, em 2013, soube-se que a presidência da República, ministros de Estado e dirigentes da Petrobras vinham sendo alvo, havia muito tempo, de grampo e espionagem, como revelaram as denúncias de Edward Snowden. No mesmo ano em que a embaixadora dos EUA que acompanhou o golpe de Estado do Paraguai contra o presidente Fernando Lugo foi deslocada para a embaixada do Brasil. E foi exatamente depois desta mudança diplomática, no ano de 2014, que começou a Operação Lava Jato, que tomou a instigante decisão de investigar as propinas pagas aos diretores da Petrobrás, exatamente a partir de 2003, deixando fora, portanto, os antigos fornecedores internacionais, no momento exato em que concluíam as negociações da empresa com a Halliburton, em torno da entrega das plataformas P 43 e P48.

Se todos estes dados estiverem corretamente conectados, e nossa hipótese for verossímil, não é de estranhar que depois de cinco anos do início desta “Operação Lava-Jato”, os vazamentos divulgados pelo site The Intercept Brasil, dando notícias da parcialidade dos procuradores, e do principal juiz envolvido nessa operação, tenham provocado uma reação repentina e extemporânea dos principais acusados desta história que se homiziaram, praticamente, nos Estados Unidos. Provavelmente, em busca das instruções e informações que lhe permitissem sair das cordas, e voltar a fazer com seus novos acusadores o que sempre fizeram no passado, utilizando-se de informações repassadas para destruir seus adversários políticos. Entretanto, o pânico do ex-juiz e seu despreparo para enfrentar a nova situação fizeram-no comportar-se de forma atabalhoada, pedindo licença ministerial e viajando uma segunda vez para os Estados Unidos, e com isto tornou público o seu lugar na cadeia de comando de uma operação que tudo indica que possa ter sido a única operação de intervenção internacional bem-sucedida – até agora – da dupla John Bolton e Mike Pompeu, os dois “homens-bomba” que comandam a política externa do governo de Donald Trump. Uma operação tutelada pelos norte-americanos e avalizada pelos militares brasileiros.

Por isso, se nossa hipótese estiver correta, não há a menor possibilidade de que as pessoas envolvidas neste escândalo sejam denunciadas e julgadas com imparcialidade, porque todos os envolvidos sempre tiveram pleno conhecimento e sempre aprovaram as práticas ilegais do ex-juiz e de seu “procurador-assistente”, práticas que foram decisivas para a instalação do capitão Bolsonaro na Presidência da República. O único que lhes incomoda neste momento é o fato de que sua “conspiração” tenha se tornado pública, e que todos tenham entendido quem é o verdadeiro poder que está por trás dos chamados “Beatos de Curitiba”.

1 U.S. Department of the Army. U.S.Army Special Forces Unconventional Warfare Training Manual. Headquarters, Washington D.C., 2010. Disponível em: https://publicintelligence.net/u-s-army-special-forces-unconventional-warfare-training-manual-november-2010. Acessado em 22/07/2019.

2 U.S. Department of Defense. National Security Strategy, Washington D.C., 2017. Disponível em: https://www.whitehouse.gov/wp-content/uploads/2017/12/NSS-Final-12-18-2017-0905.pdf. Acessado em 22/07/2019.

3 U.S. Department of Defense. National Defense Strategy, Washington D.C., 2018. Disponível em: https://dod.defense.gov/Portals/1/Documents/pubs/2018-National-Defense-Strategy-Summary.pdf Acessado em 22/07/2019.

4 U.S. Department of Energy. Blueprint for a Secure Energy Future, Washington D.C., 2011. Disponível em: https://obamawhitehouse.archives.gov/issues/blueprint-secure-energy-future. Acessado em 22/07/019.

5 “Petrobrás fecha negócio bilionário com Halliburton, www.dci.com.br, 20/04/04.

6 “Os laços Petrobrás Halliburton”, 25/02/2004, www.istoedinheiro.com.br.

7 “Veja na íntegra a delação premiada de Pedro Barusco”, https://poliitca.estadao.com.br, 05/02/2015