Fernando Haddad
"Não olhe para nós procurando o fim da desigualdade social". A recomendação desnecessária feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, não poderia ser mais oportuna.
Um ano atrás, em entrevista ao Nexo Jornal ("Novo governo pode unir estabilidade e desigualdade"), afirmei que, nos quatro anos seguintes, a economia brasileira, até por inércia, cresceria em média 2,5% ao ano, comportamento que viria acompanhado de um aumento da desigualdade, em virtude das medidas econômicas que o governo tomaria.
Segundo estudo feito pelo Ipea, a faixa de renda dos brasileiros mais pobres, correspondente a 51,8% da população (provento mensal inferior a R$ 1.643,78), foi a única que perdeu renda (-1,67% em média) nos nove primeiros meses do governo Bolsonaro.
As razões apontadas são várias: não valorização do salário mínimo, inflação medida por faixa de remuneração maior para os mais pobres e precarização do mercado de trabalho. O apoio a Bolsonaro, em grande medida, é diretamente proporcional à renda.
Convém lembrar que parte do apoio a Bolsonaro entre os mais pobres se dá por razões não econômicas. Como apontei na mesma entrevista, num país como o nosso, um dos mais desiguais do mundo, políticas neoliberais exigem um substrato espiritual para se consolidarem, e a teologia da prosperidade serve como uma luva a esse propósito.
Ainda que um ou outro charlatão opere o milagre da transubstanciação do dízimo em dividendos, a base neopentecostal, que em breve sobrepujará a católica, deve ser respeitada como interlocutora permanente no sentido da valorização dos ideais republicanos que devem pautar a relação entre Estado laico e religião, prevenindo a manipulação politica da fé.
Mais do que isso. Esse diálogo não pode prescindir do debate das medidas econômicas que vêm sendo anunciadas. Algumas foram abandonadas ou postergadas, como o regime previdenciário de capitalização e a tributação do seguro-desemprego. Outras estão em curso ou em discussão, como a política de congelamento do salário mínimo e a reoneração dos produtos da cesta básica.
Este governo não tem nenhum compromisso em enfrentar o maior de todos os nossos problemas. A elite econômica deste país tampouco. Todos os presidentes que tentaram combater a desigualdade foram tachados de populistas e defenestrados da vida pública, e os ajustes sempre se fizeram sobre os que menos têm, preservando os privilégios de uns poucos.
Esses privilégios, nem os governos progressistas conseguiram reverter até agora.
Nada é tão permanente entre nós do que a desigualdade, um pesadelo que vale a pena encarar.
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