sábado, 30 de novembro de 2019

Terraplanismo criacionista


O que é neoliberalismo


Dumping sócio-existencial

Por Fernando Horta

O “Dumping” é uma das tantas práticas que o capitalismo inventou para destruir a concorrência. Aquilo que esta juventude neoliberal diz ser “a essência” do capitalismo, é, na verdade, tudo o que o capitalismo mais abomina. E é exatamente por isto que os capitalistas criaram inúmeras práticas para burlar a concorrência, ou, até, eliminá-la por completo. Uma boa parte das táticas para evitar o risco e concorrência usa o Estado, mas o “dumping” é diferente.

A prática de “dumping” é criminalizada por quase todos os países capitalistas. Uma empresa que tem maior capacidade de endividamento baixa os preços dos seus produtos abaixo do seu custo. Isto a faz perder dinheiro, claro, mas como ela tem maior capacidade de endividamento, ela vai tomando mercado dos concorrentes. Incapazes de baixar o preço até menos do que o seu custo marginal (custo marginal é um conceito econômico que basicamente diz que o preço é ainda mais baixo que o custo total), a concorrência quebra. Depois da falência dos concorrentes, a empresa que fez o dumping toma o mercado multiplicando seus lucros de uma tal forma que, na imensa maioria das vezes, compensa com sobras o prejuízo que tiveram durante a prática.

Há alguns anos, eu vi um estudo que dizia que a Coca-Cola poderia colocar o preço da latinha a menos de quinze centavos de dólar por um período maior que seis meses e podendo chegar até um ano, numa escala global. É claro que ela estaria incorrendo em prejuízo, mas como é uma empresa gigantesca, este prejuízo poderia ser acomodado. Já as pequenas empresas de refrigerante, sucos e etc. muito provavelmente, não resistiriam.

O que vivemos hoje no Brasil é um dumping político e existencial. A classe média, grupos institucionais conservadores, grupos urbanos, militares e a mídia perceberam que eles podem “perder mais” do que a imensa maioria da população. A Folha de São Paulo, por exemplo, pode perder uma parcela de sua liberdade de imprensa, sendo atacada e censurada pelo presidente fascista. Pode, até perder, verbas e concorrências com a eleição de Bolsonaro, como – de fato – está acontecendo. Contudo, o negro pobre, pelos efeitos do mesmo fascismo que provoca (poucos) dissabores à Folha, vai ser morto por tiro de policial, como aconteceu mais de 1500 vezes este ano só no RJ.

Os setores institucionais, como magistrados, Ministério público e etc. perceberam que, para além dos membros que efetivamente apoiam os absurdos que vivemos, toda a instituição poderia suportar o peso de um autoritarismo fascista como é o de Bolsonaro. Já milhares de brasileiros pobres que serão encarcerados e permanecerão lá por dez ou vinte anos por conta de algumas gramas de maconha (ou nem isto) pagarão um preço demasiado grande.

O próprio STF está pensando e agindo desta forma. A corte está “dando os anéis para salvar os dedos”. Resolveram somente escudar (ou escudarem-se?) a Constituição quando a “água lhes começou a bater na bunda”. A suprema corte julga que pode suportar ser espezinhada, ser ofendida, ser desrespeitada por tribunais menores se isto significar que eles não serão fechados por “um cabo e um soldado”. A destruição das instituições, que é vista em todo o país, é entendida como “efeitos colaterais” no cálculo de suas excelências celestiais, os ministros.

O mesmo cálculo é feito por toda a classe média urbana neste momento. É a pura mesquinharia que indica que eles podem passar um ou dois anos com o preço da carne acima de quarenta reais o quilo. As populações marginalizadas, no entanto, vão perecer. Os filhos da classe média podem suportar a diminuição de vagas no ensino público, e ainda haverá futuro e oportunidades de qualificação. Os filhos das classes baixas, entretanto, verão sepultadas suas esperanças de uma vida minimamente decente.

Esta forma criminosa de “dumping sócio-existencial” recebe o nome pomposo de “neoliberalismo” e atende pelos nomes de “livre mercado” e “meritocracia”. Todos perdem, mas, para retomar um forte argumento leninista, dado que as perdas são “desiguais e combinadas”, uns perdem mais do que os outros. Se os que perdem mais perecem, os que perdem menos estão ganhando comparativamente.

O capitalismo, como sistema, precisa de menos de seis meses deste sistema para pagar as perdas que teve com o golpe sobre Dilma, desde 2015. Quem acompanha os mercados imobiliários das grandes cidades percebe que há movimento de compra de imóveis. E alguns se perguntam: Como pode, em um momento de crise?

A resposta é simples. O capital está a campo para se fortalecer. Em momentos de crise como a que vivemos, quem tem dinheiro compra a preços abaixo ainda da desumanidade o que quer que seja. De mão de obra, a apartamentos na zona sul do Rio de Janeiro, o desespero faz com as pessoas se desfaçam de qualquer coisa para sobreviverem. E quem perdeu algo, mas não está com sua sobrevivência ameaçada, está ganhando muito.

É este o sentido da barbárie que estamos vivendo hoje. Um dumping sócio-existencial em que todos perdem, mas enquanto alguns apenas perdem possibilidades de enriquecimento mais rápido (como os capitalistas) uma imensa maioria perderá a vida ou mesmo o seu futuro nos próximos dez ou vinte anos.

O neoliberalismo deveria ser qualificado como crime contra a humanidade. Guedes, Bolsonaro e todos os que apoiaram o absurdo que estamos vivendo deveriam pagar de forma mais bruta do que simplesmente o seu esquecimento. É preciso criminalizar a prática social do dumping como se criminaliza a prática econômica. Bolsonaro, Guedes, Moro, Witzel e etc. são assassinos, e como tais devem ser tratados.

Antes tarde do que nunca


Bacana o pessoal começar a ver agora o que estava evidente desde a campanha eleitoral. A mentira é a principal arma política de Bolsonaro. Com ela, manipula parcela da população e implanta a barbárie, destruindo as instituições. Ele já cometeu inúmeros crimes de responsabilidade.

Kennedy Alencar

Questão de método


Sabe o motivo de toda produção acadêmica ser analisada pelo pares e se submeter ao contraditório?

Para evitar que um idiota passe 30 anos falando consigo mesmo, se achando inteligente, se chamando de filósofo, e ache um presidente que nunca leu um livro que o chame de "guru" . 

Fernando Horta

A Humanidade tropeçou no caminho para o futuro


Um presente envenenado
'O homem do castelo alto', de 1962, é uma distopia mais atual hoje do que quando foi escrita
José Eduardo Agualusa

Quando uma distopia publicada em 1962 parece mais atual hoje do que na época em que foi escrita, é porque a Humanidade tropeçou no caminho para o futuro. Além disso, podemos imaginar que o seu autor visitou o futuro, não gostou do que viu, e escreveu o livro com a intenção de alterar o rumo dos acontecimentos. Relendo “O homem do castelo alto”, de Philip K. Dick, ou assistindo à extraordinária série inspirada no mesmo, fico com a impressão de que ambas as suposições são verdadeiras.

Philip K. Dick sabia demasiado sobre o nosso estranho tempo. Disfarçou um pouco, ao escrever, em 1968, “Androides sonham com ovelhas elétricas?” (que deu origem ao filme “Blade Runner”), cuja ação decorre nos nossos dias. É verdade que ainda não confundimos humanos com androides. Contudo, muitas das grandes questões colocadas por Dick no seu romance estão sendo debatidas agora. Fomos avisados — mas não compreendemos o aviso.

O que mais surpreende e perturba no caso d'"O homem do castelo alto" não são tanto os avanços tecnológicos, e a sua eventual má utilização, mas o paralelismo com o recuo democrático que vivemos hoje. O livro defende a tese de que “pessoas normais” — ou seja, pessoas que em circunstâncias democráticas seriam cidadãos pacíficos — podem, quando enquadradas num regime despótico, transformar-se facilmente em monstros abomináveis.

Qualquer pessoa que tenha vivido parte da sua vida sob um regime autoritário reconhece a elementar justiça de tal tese: democracias autênticas tendem a puxar pelo melhor de nós; regimes autoritários, pelo contrário, apostam na cultura do ódio, deformando e corrompendo os seus cidadãos, e transformando muitos deles em delatores e assassinos.

Escrevo esta coluna depois de assistir à quarta e última temporada da série “O homem do castelo alto”. Criada por Frank Spotnitz (“Arquivo X”) e produzida pelo cineasta Ridley Scott para a Amazon, a série imagina um mundo alternativo, no qual os nazistas e os seus aliados venceram a guerra. Os EUA estão divididos. A Costa Leste está ocupada pelo Grande Reich Nazista. A costa do Pacífico integra o Império Japonês.

A série permite-nos ter acesso à intimidade da família nazi-americana. Conhecemos suas ideias e aspirações, mas também as suas dúvidas e receios. O Reichsführer John Smith (Rufus Sewell) é um vilão que poderia não o ser — que não o seria em circunstâncias diferentes. E é justamente isso que perturba. Todos nós temos amigos ou familiares que se parecem com aquelas pessoas. Todos nós conhecemos um colega de trabalho ou um vizinho com aspirações a Reichsführer.

As democracias estão em crise. Crise que também é uma crise da esperança e do sonho. Para desmontar um regime democrático há primeiro que abastardar as instituições e os ideais que o sustentam. Um bom exemplo desta política é a recente nomeação de Sérgio Nascimento de Camargo para presidente da Fundação Cultural Palmares. Como já fora antes a nomeação da inefável Damares Alves para ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ou de Ricardo Salles para ministro do Meio Ambiente.

Talvez Philip K. Dick tenha visitado o Brasil do futuro, no início dos anos 1960. O Brasil que temos hoje. Talvez ele tenha visto este presente envenenado.

Governando com ódio


Luís Francisco Carvalho Filho
A perspectiva de impeachment não inibe Jair Bolsonaro
Delfim Netto, poderoso ministro do regime militar, signatário do AI-5 é injusto e cínico quando fala em “lado iluminado”, em contraposição a um “lado sombrio”, para definir o campo em que estaria situada a equipe econômica do governo Bolsonaro.

O “lado sombrio” não está apenas na estratosfera ou nos gabinetes dos ministérios da Educação, da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores. Tudo se mistura.

Conspirar contra o meio ambiente e a liberdade sexual, desmantelar o incentivo à cultura e a capacidade das instituições criadas para fiscalizar atos administrativos, estimular violência e ódio nas polícias, perseguir artistas e jornais, como acontece com a quase centenária Folha de S.Paulo, nada disso, em princípio, é bom para os negócios.

Exceção feita às indústrias de armas e de equipamentos para vigilância e espionagem, que, de fato, encontram solo fértil para um futuro promissor, não há motivo para o mercado se encantar com a cruzada mesquinha e moralista de Jair Bolsonaro.

No entanto, agentes econômicos atentos a sinais tênues de recuperação, como se fossem consequência da dinâmica bolsonarista, acreditam que a fórmula mágica da erosão de direitos é essencial para a salvação do país.

Paulo Guedes não tem perfil de homem público. É rude, falastrão, amoral e pernicioso —como revelam as manifestações sobre Brigitte Macron, mulher do presidente da França, sobre a ditadura de Pinochet ou sobre o AI-5, formuladas para bajular a família presidencial.

A taxação do seguro-desemprego por medida provisória não é só sinal de indisfarçável falta de sensibilidade política. É escárnio. A eliminação de barreiras impostas ao empreendedorismo daninho estabelece senhas nefastas para a retomada do crescimento.

Em regimes democráticos, o ímpeto discricionário dos governantes é contido pela tradição constitucional, pelo respeito às leis, pela independência dos poderes, pela existência de forças políticas antagônicas disputando eleições e se revezando nos cargos, pelo entrechoque de interesses corporativos e pela presença incômoda de imprensa livre, persistente, soberana.

O objetivo de Bolsonaro é a autocracia. Paulo Guedes acalenta o mesmo desejo: governar sem freios e limites, conforme o roteiro das planilhas e das “ideias muito boas” do seu pessoal.

É um sonho impossível e inadmissível, mas faz sentido o saudosismo retórico do AI-5, verbalizado pelo filho do presidente e pelo ministro da Economia.

Em dezembro de 1968, para alegria dos porões da repressão política e da equipe de Delfim Netto, o governo militar adquire um arsenal extraordinário de poderes institucionais que permitiria remover obstáculos, dissolver o Legislativo, emparedar o Judiciário, cassar mandatos, aposentar juízes e censurar manifestações adversas.

O projeto autoritário de Jair Bolsonaro é ainda embrionário. Tem a favor o descrédito da representação partidária tradicional, a desmoralização do Supremo e a perplexidade política das oposições.

Com sangue nos olhos, a Presidência da República festeja o golpe de 64, homenageia torturadores e religiosos, ridiculariza jornalistas e abate seus adversários. Defende imunidade penal para soldados que reprimem protestos e para policiais que atiram a esmo.

Nem a perspectiva constitucional do impeachment inibe a caminhada odiosa de Jair Bolsonaro e seus filhos e asseclas e capangas.

Folha tenta separar os inseparáveis Bolsonaro, Guedes e Moro

Weden Alves

Pária, Guedes e Moro representam um único projeto

Folha quer brigar com o Pária, mas defender Moro e Guedes. Ora o projeto fascista é o mesmo. E um não vive sem o outro.

Paulo Guedes espera destruir todo e qualquer direito social lançando milhões de pessoas na miséria para que alguns poucos ganhem.

Isto é fascismo porque atua na perspectiva de "fazer sofrer" o que é também "fazer morrer", na medida em que miséria mata.

Para evitar as convulsões sociais que podem resultar desse processo, Moro quer aprovar um pacote para permitir que o Estado use sua força para executar e eliminar descontentes.

É uma necropolítica, é a defesa da eliminação do miserável e do opositor por consentidos assassinatos extrajudiciais.

Enquanto que o Pária atua para calar os críticos, motivar milicianos digitais a perseguir desafetos e aparelhar o Estado

O projeto é um só. Orgânico e harmônico.

A grande mídia brasileira em sua estreiteza ou esperteza acha que não e finge se espantar quando Guedes defende um novo AI-5.

"Fantasiado de imperador, Bolsonaro terá de ser contido", afirma a Folha



Sylvia Moretzsohn

"Fantasiado de imperador, Bolsonaro terá de ser contido", escancara a Folha neste sábado.

Custaram a perceber, pois não?

Tanto que nem permitiam classificá-lo de "extrema-direita". (De "fascista", então, nem pensar).

Não, Bolsonaro não precisa ser contido agora. Precisaria ter sido contido lá atrás, quando foi expulso do Exército mas pôde iniciar sua carreira política, e foi tratado como um sujeito folclórico e inofensivo, enquanto preparava o terreno para seu clã.

Se não quisermos recuar tão longe como as lições da História nos obrigariam, Bolsonaro teria de ter sido contido quando proclamou seu voto golpista em homenagem ao torturador.

Foi em 17 de abril de 2016.

Faz três anos e meio.

Bolsonaro não precisaria ser contido agora se não lhe tivessem aberto a avenida para usurpar o poder numa eleição fraudada pela exclusão arbitrária do principal concorrente e pela avalanche de mentiras despejadas via whatsapp durante a campanha.

Mas a cegueira dos jornais, o antipetismo militante dos jornais, não conseguiu enxergar o óbvio. Não conseguiu enxergar o que sempre acontece quando se permite o crescimento do fascismo.

É monótono, é tedioso ver como a história se repete.

"Bolsonaro precisa ser contido", sim, urgentemente, mas essa urgência já tem muito tempo.

Torço muito para que não, mas agora talvez seja tarde.

P.S.: Numa das chamadas, o presidente da ANJ compara Bolsonaro a Cristina Kirchner na sua ofensiva contra os jornais.

Acho que podemos abandonar qualquer esperança de reação desses empresários da imprensa.

Fantasia de imperador


Jair Bolsonaro não entende nem nunca entenderá os limites que a República impõe ao exercício da Presidência. Trata-se de uma personalidade que combina leviandade e autoritarismo.

Será preciso então que as regras do Estado democrático de Direito lhe sejam impingidas de fora para dentro, como os limites que se dão a uma criança. Porque ele não se contém, terá de ser contido —pelas instituições da República, pelo sistema de freios e contrapesos que, até agora, tem funcionado na jovem democracia brasileira.

O Palácio do Planalto não é uma extensão da casa na Barra da Tijuca que o presidente mantém no Rio de Janeiro. Nem os seus vizinhos na praça dos Três Poderes são os daquele condomínio.

A sua caneta não pode tudo. Ela não impede que seus filhos sejam investigados por deslavada confusão entre o que é público e o que é privado. Não transforma o filho, arauto da ditadura, em embaixador nos Estados Unidos.

Sua caneta não tem o dom de transmitir aos cidadãos os caprichos da sua vontade e de seus desejos primitivos. O império dos sentidos não preside a vida republicana.

Quando a Constituição afirma que a legalidade, a impessoalidade e a moralidade governam a administração pública, não se trata de palavras lançadas ao vento numa “live” de rede social.

A Carta equivale a uma ordem do general à sua tropa. Quem não cumpre deve ser punido. Descumpri-la é, por exemplo, afastar o fiscal que lhe aplicou uma multa. Retaliar a imprensa crítica por meio de medidas provisórias.

Ou consignar em ato de ofício da Presidência a discriminação a um meio de comunicação, como na licitação que tirou a Folha das compras de serviços do governo federal publicada na última quinta (28).
Igualmente, incitar um boicote contra anunciantes deste jornal, como sugeriu Bolsonaro nesta sexta-feira (29), escancara abuso de poder político.

A questão não é pecuniária, mas de princípios. O governo planeja cancelar dezenas de assinaturas de uma publicação com 327.959 delas, segundo os últimos dados auditados. Anunciam na Folha cerca de 5.000 empresas, e o jornal terá terminado o ano de 2019 com quase todos os setores da economia representados em suas plataformas.

Prestes a completar cem anos, este jornal tem de lidar, mais uma vez, com um presidente fantasiado de imperador. Encara a tarefa com um misto de lamento e otimismo.

Lamento pelo amesquinhamento dos valores da República que esse ocupante circunstancial da Presidência patrocina. Otimismo pela convicção de que o futuro do Brasil é maior do que a figura que neste momento o governa.

editoriais@grupofolha.com.br

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

AU-5


Bostonaro está sabotando aberta e declaradamente as instituições do Estado


Luis Felipe Miguel

Quando Temer nomeou Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho, sua posse foi suspensa primeiro por um juiz de primeira instância, depois por Carmen Lúcia, sob o argumento que, por sua ficha corrida de violações à legislação trabalhista, ela não teria condições morais de ocupar o cargo.

Na época, julguei que a decisão era mais uma interferência arbitrária do Judiciário. Afinal, a nomeação de ministros é prerrogativa do chefe do Poder Executivo. A correta crítica política à nomeação da deputada não poderia levar à anulação do ato. O problema, eu dizia, não estava na nomeada, mas no nomeador: o golpista Temer, sem legitimidade para ocupar o cargo.

O governo Bolsonaro me leva a mudar de posição. Mas não é que seus nomeados tenham (apenas) um histórico que os desabona. É que eles assumem expressamente a missão de trabalhar contra os objetivos dos órgãos que vão liderar. O governo está, portanto, sabotando as instituições do Estado.

Temos agora o caso do presidente da Fundação Palmares, que apresenta como sua prioridade pessoal o combate às politicas de enfrentamento ao racismo. Mas a estrutura do Estado brasileiro prevê a existência de uma fundação destinada a valorizar e preservar a cultura negra, não a desqualificá-la e menosprezá-la.

O que ocorre, então, é a instrumentalização do órgão para fins ilegítimos.

Temos o Ministério do Meio Ambiente e as autarquias vinculadas a ele chefiadas por pessoas comprometidas com a devastação ambiental. A Funai a favor da dizimação dos povos indígenas. O Ministério da Educação a serviço da destruição do sistema nacional de ensino. O Ministério da Economia a serviço da destruição da economia nacional. O Ministério da Justiça a serviço da liquidação do império da lei. A Secretaria da Cultura anunciando como bandeira o extermínio do patrimônio cultural brasileiro. Os órgãos de direitos humanos promovendo a violência e a discriminação.

E vem aí um olavete, isto é, um inimigo jurado do conhecimento e do pensamento, para presidir a Fundação Biblioteca Nacional.

Ao nomear pessoas assim para tais cargos, Bolsonaro extrapola o arbítrio legítimo do chefe do Poder Executivo. Está trabalhando para subverter, por dentro, as instituições construídas a partir da Constituição de 1988.

O projeto de aniquilação necromiliciano neofascista liberal pentecostal avança dez casas dia a dia


João Ximenes Braga

RUMO À EXTINÇÃO

Em dezembro de 2018, o Estadão registrou: "Quando vi entidades ambientais criticando ele, eu falei: ‘poxa, acho que acertamos’”, contou, provocando risadas entre os presentes".

"Provocando risadas entre os presentes".

A tirania do escárnio começou com o voto no Golpe com elegia a torturador, mas a nomeação de Salles foi um dos pontos altos da demonstração de desprezo que esse ser tem por nós. Nem sei bem quem chamo de "nós", no caso. Meus amigos de Face? A Esquerda? Os que se querem civilizados?

Um ano depois, todo o desastre anunciado se cumpriu. Mas em proporções maiores do que o mais catastrofista dos paranoicos conseguia prever. O desmatamento da Amazônia atingiu níveis termosféricos com o estímulo aos grileiros, as praias de meio litoral brasileiro sucumbiram à inação do ministro e o Brasil se tornou o país mais desprezado do mundo. Culminou esta semana com esse patético inquérito que usa quatro jovens que têm esperança no mundo como bodes expiatórios da vileza bolsonarista (uso "culminar" por força do hábito, sabendo que o verbo não se adequa ao que estamos vivendo).

Era para, neste momento, "nós" desistirmos de seguir aparentando civilização e marcharmos com tochas rumo ao ministério do meio-ambiente para exigir a deposição de Salles. Mas eis que abro o UOL e leio o seguinte:

"O Brasil é modelo em conservação ambiental e, por isso, merece receber pelo menos US$ 10 bilhões dos US$ 100 bilhões ao ano prometidos por países desenvolvidos a nações em desenvolvimento pelo Acordo de Paris. Essa é a avaliação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que concedeu entrevista ao UOL e à Folha de S.Paulo, em Brasília".

É um escárnio. A imprensa segue tratando Salles como se ele fosse uma pessoa normal. Em total polarização semiótica com qualquer notícia que trate de Lula.

E assim, o projeto de aniquilação necromiliciano neofascista liberal pentecostal avança dez casas dia a dia.

Não vai sobrar porra nenhuma

Paraguai cassa mandato do Bolsonaro deles


Bruno Boghossian

Paraguai ensina uma lição ao expulsar senador extremista 
Caso mostra que não se deve tratar com leniência políticos que usam marketing do ódio
Quando senadores paraguaios abriram o primeiro processo contra Payo Cubas, em abril, um parlamentar fez um alerta. Ele disse que o colega tinha as características do fascismo, do autoritarismo e da intolerância. Acrescentou que, se nenhuma medida fosse tomada, aquele “monstrinho” cresceria.

Cubas foi suspenso do Senado por dois meses. Ele recebeu a punição por ter xingado outros legisladores e por ter atirado copos d’água no chefe da Polícia Nacional e no ministro do Interior durante uma reunião.

Depois das férias forçadas, sem receber salário, a criatura voltou ainda mais abominável. Nesta quinta (28), ele foi cassado por ter defendido o assassinato de “pelo menos 100 mil brasileiros” que vivem no país e por ter dado um tapa num policial.

Os paraguaios ensinam uma lição. Cubas é o típico agitador que explora o marketing do ódio como ferramenta política. Os senadores preferiram expulsá-lo do Parlamento a permitir que abusasse do cargo para chafurdar nos próprios desatinos.

No Brasil, políticos boquirrotos fazem fama até chegar ao topo do poder. Deputados com discursos racistas ficam protegidos pelo recurso à imunidade parlamentar.

O caso mostra que não se deve aplicar leniência a agentes públicos que, a distância, podem parecer meros polemistas. O senador já havia tentado chamar a atenção quando ameaçou jogar uma banana num colega ou quando atirou água de uma garrafa noutro. Agora lançou uma propaganda nitidamente extremista.

Cubas é membro do Movimento Cruzada Nacional. O repórter Fábio Zanini, que contou a história da cassação, destaca que uma das bandeiras do partido é o combate à presença estrangeira no Paraguai. Nessa onda, Cubas disse que brasileiros deveriam ser mandados ao “paredão”.

O senador cassado ainda tentou surfar no episódio. Escreveu que deixava o “Parlamento sombrio” rumo ao “país que todos merecemos”. Alguns paraguaios lhe deram apoio. Caberá aos eleitores evitar o crescimento de outros monstrinhos.

Bife à moda de AI-5


Vinicius Torres Freire

Alguém aí ainda se lembra do pacotão das medidas fiscais de emergência? Foi visto pela última vez faz três semanas, quando chegou ao Congresso, mas seu paradeiro é ignorado, assim como anda desaparecida a arenga reformista.

Entende-se. O governo andou ocupado promovendo a Aliança pelo AI-5, a licença para matar manifestantes de rua e gente sem luz e lustro para postos de relevo na Cultura.

Além do Flamengo, os assuntos são o dólar caro, o preço do bife e um novo surto de ameaças de morte do governo contra cidadãos oposicionistas e instituições da democracia.

O pacotão era um calhamaço de reformas constitucionais para cortar salário de servidor etc., início de uma campanha urgente a fim de evitar que as contas do governo mergulhem no vinagre na virada de 2020 para 2021. Era o começo da segunda onda de reformas, que contaria também com um pacote de emprego, que praticamente foi abortado.

Desde então, o governo e o governismo parecem ter mudado de estação, parece mais surtado com o transe nas ruas sul-americanas, caído depois do relativo vexame do leilão do petróleo e ainda mais desorientado na política partidária.

O governo não parece se abalar com a sequência de derrotas no Congresso —vetos que caem, projetos que caducam. Parece, sim, ainda mais disparatado, como na política e declarações sobre câmbio ou com essa atitude de tabela juros bancários por decreto.

Apela ao realismo político de segunda quando engavetou sine die a reforma administrativa, aparentemente por temer “Lula Livre” e a chapa quente dos “terroristas” nas ruas da América do Sul.

No entanto, o ano parlamentar de 2019 está para terminar e o de 2020 será curto, por causa da eleição municipal, acabando por volta de junho ou julho, no mais tardar.

Deputados e senadores, de resto, estarão menos propensos a aprovar reformas ou “reformas”, aquelas que arrancam o resto do couro do povo. Há o risco de o bolsonarismo passar vexame nas urnas.

Qual é então o plano do governo, se algum?

Espera que uma dose de reforma da Previdência e juros baixos tire a economia da estagnação, o bastante para evitar que o prestígio de Jair Bolsonaro vá abaixo de um terço do país? O bastante para dar impulso para a mudança de patamar da pregação autoritária, como se vê com essa história de “excedente de ilicitude” para tropas pretorianas que atirem no povo nas ruas?

Talvez tenha de se preocupar com problemas novos, ao vai da valsa.

O Supremo acaba de desengavetar, na prática, as investigações sobre as rachunchos de Flavio Bolsonaro, derrotando de resto o aliado acidental de Bolsonaro na Corte, Dias Toffolli, aquele do “pacto entre os Poderes (dele com o presidente da República)”.

O preço do bife por ora ainda é meme irado de rede insociável, mas não convém desprezar os desprazeres da carne —a arroba do boi gordo subiu mais de 50% em um ano.

Alguém aí se lembra da inflação do tomate, no início de 2013? A combinação de escassez de carne no mercado mundial com a alta do dólar pode não dar em aumento sistemático de preços, talvez nem dos preços da comida, mas convém prestar atenção.

Inflação de alimentos emagrece o prestígio dos governantes. Aumentos pontuais de preços da vidinha diária, carne, gasolina e pão, são suficientemente irritantes, mesmo sem inflação de fato.

O governo não parece ligar muito.

A grande recessão de 2014-16


Nelson Barbosa


Na semana passada cobrei da direita o que sempre cobram da esquerda: autocrítica. Como de costume, alguns próceres demo-tuca-novos fugiram do tema listando questões econômicas que, na sua visão, requerem penitência da esquerda. É diversionismo, mas vamos lá.

A recessão de 2014-16 teve quatro grandes causas.

Houve choques exógenos, com queda abrupta dos preços das commodities e os efeitos econômicos da seca no Sudeste. Quem mora em São Paulo se lembrará do “volume morto”.

Houve também erros de política econômica, sobretudo em 2012-14, vários dos quais já abordei em minhas colunas e textos. Escrevo isto com tranquilidade, pois deixei o governo em 2013, em parte, por discordar do rumo da política econômica daquela época.

Retornei em 2015, para ajudar a corrigir os problemas.

Para resumir uma história longa, quando a situação internacional virou, em 2012, o governo deveria ter diminuído formalmente seu resultado primário e iniciado reformas estruturais do gasto e da tributação, deixando os preços se ajustarem e lidando com os efeitos inflacionários desses ajustes via taxa de juro. Isso foi debatido, mas não aconteceu.

O governo optou por retomar a agenda de estímulos para combater a desaceleração, uma vez que isso tinha dado certo em 2009-10. Porém, diferentemente do final do governo Lula, a partir de 2012 houve mais ênfase em desonerações e incentivos financeiros do que em investimento público.

E o governo também decidiu represar o reajuste de alguns preços administrados, na expectativa de que as pressões inflacionárias seriam passageiras. Como as condições iniciais de 2012 eram bem diferentes das de 2008, a estratégia fracassou e começou a ser corrigida no fim de 2014.

A terceira causa da recessão foi o holocausto de empregos e empresas pelos efeitos de curto prazo da Operação Lava Jato, cujas consequências sofremos até hoje, com diminuição de investimentos. Já disse e repito: é perfeitamente possível combater a corrupção sem destruir a economia, desde que se tenha mais responsabilidade e menos busca por holofotes.

Em quarto lugar houve o “quanto pior, melhor” de 2015-16. Seja por revolta do PSDB ao perder a quarta eleição seguida, seja pela retaliação do PMDB ao PT pelo espaço dado à Polícia Federal e ao Ministério Público para conduzir suas investigações, o fato é que a agenda de política econômica do governo Dilma foi bloqueada justamente quando era necessário fazer correções de rumo, e isso aprofundou a recessão.

Também houve erros em 2015-16. Por exemplo, o reajuste abrupto dos preços de energia e a parada súbita de crédito pelo BNDES empurraram a economia mais para baixo no exato momento em que o Brasil sofria os efeitos adversos dos choques internacionais e da Lava Jato. Quando isso ficou claro, em meados de 2015, o “quanto pior, melhor” impediu correções de rumo.

Assim, dizer que a recessão de 2014-16 foi consequência somente de erros de política econômica é uma desonestidade equivalente a dizer que ela foi consequência somente de choques exógenos. Os dois fatores contribuíram, juntamente com a deterioração do quadro político, que é meu último ponto.

Devemos debater economia, mas, adaptando o slogan de James Carville, hoje nosso maior problema é a política... vocês sabem o resto. A direita errou ao apoiar a utilização de dois pesos e duas medidas para perseguir seus adversários de esquerda.

Não basta repudiar o AI-5. Também é necessário reconhecer todos os outros ataques à democracia feitos em nome da “boa política econômica” e do combate à corrupção.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

O califado brasileiro

ILICITUDE

Por Luis Fernando Verissimo

Duas leis em gestação se arrastam na direção de Brasília para nascer. As duas trarão grande alegria para o califado brasileiro, se passarem, ou grande decepção pra o califado se o Congresso, numa demonstração de grandeza insuspeitada, as rejeitarem. 

As duas leis se complementariam.

Uma instalaria no Brasil o princípio do excludente de ilicitude que, em qualquer país civilizado do mundo, significaria um retrocesso jurídico vergonhoso e aqui passa por progresso.

A outra propõe uma reforma agrária que finalmente viria, mas ao contrário: polícia e Forças Armadas estariam autorizadas a atirar primeiro e determinar que ilícito foi cometido pelo agricultor sem-terra depois, a critério do dono da terra, muitas vezes baldia e improdutiva.

A história da luta pela terra no País está cheia de sangue e a maior parte é sangue de quem só pedia um pouco de chão para trabalhar. Por sinal, você se lembra da última vez que viu notícias de acampamentos e colônias do MST produtivos e bem-sucedidos no País? E eles existem.

Agora, se passar a lei que arma e perdoa os proprietários por todas as suas ilicitudes, notícias da guerra serão mais frequentes e sangrentas.

O excludente de ilicitude, essa nova frase que se intrometeu em nossas vidas como uma solitária insidiosa, significa simplesmente licença para matar. Seria uma autorização dada às forças da ordem para reagir à desordem sem se preocupar com limites.

Compreende-se que uma nação apavorada com o crime deseje isso, ou pense que a solução é dar todo poder aos xerifes e deixá-los tão soltos e sem limites morais e operacionais quanto os bandidos, para a guerra no mínimo ser parelha.

Mas espera-se demais do policial que precisa distinguir, em segundos, o que é uma ilicitude e o que não é. E o resultado seria forças da ordem que já agem com notória arbitrariedade passarem a agir com a certeza da impunidade.

O Congresso pode reagir aos projetos, matá-los, proteger ainda que debilitado a democracia e zelar pela sua própria biografia. É difícil que o faça. Todas as forças do califado estarão do outro lado.

A batata sempre foi liberal, babacas!



A Batata Liberal agora ataca os professores universitários. Quer acabar com a DE. Ela deve ter descoberto que a Dedicação Exclusiva responde por quase 30% do salário. Está ela lá atacando a educação.

Não tem um projeto para retirar auxílio moradia de juiz, MP e etc. Não tem um projeto para acabar com penduricalhos na Câmara e senado. Nada sobre IPVA de jatos, helicópteros, lanchas, jet-ski, iate e etc. Nada de projeto para acabar com a farra das filhas de militares...

Tudo no lombo dos pobres e dos professores.

E teve gente que diz ser do nosso campo escrevendo textão dizendo que o "ataque" à Tabata era "fogo amigo" e mostrava que "a esquerda estava perdida"...

Outras falando em "sororidade" e "machismo".

Pior de ter que ler estas imbecilidades e nem poder mais tomar uma cerveja e fazer uma carne no espeto para acompanhar...



Nova geração de extremistas pode causar colapso das forças armadas



Só uma besta fica falando de AI-5 no século 21. A ditadura militar só conseguiu sobreviver alguns anos a mais porque era um Estado nacional-desenvolvimentista e a parir de 1968 o PIB momentaneamente cresceu a cerca de 10% ao ano, mas em um cenário de concentração de renda, pobreza, fome, tortura e autoritarismo. Todos os generais e coronéis comandantes de 1964 já faleceram, os mesmos que souberam organizar o que em linguagem militar se denomina de retirada estratégica, uma retirada defensiva, desesperada, mas organizada porque a partir da surra eleitoral de 1974 da ARENA, derrotados mesmo no voto censurado e cassado da oposição, o fim da ditadura militar era inevitável.

Muitos analistas afirmam que o poder legislativo só não foi completamente fechado entre 1964-1982, como na ditadura anterior de 1937-1945, por causa da resistência de grupos de esquerda, em todo caso, a profunda crise social e econômica causou o fim ditadura. O período de Geisel e de Figueiredo enterrara o AI-5 e a ditadura, juntos com a hiperinflação, a dívida externa e a corrupção da época.

Agora vem estafetas e taifeiros da direita militar, gente que não era nada em 1964 e nem em 1974, querer falar da ditadura e do AI-5. Esta nova direita, uma nova geração de extremistas, vai querer levar e associar grupos militares e toda direita a uma derrota política fragorosa e que foi evitada entre 1974 e 1985? Esta nova direita militar, que não viveu e nem participou no comando de 1964, pode levar a uma derrota política total, um cerco e um naufrágio, um desastre que a geração anterior de Golberis e antigos Castelistas conseguiram escapar, ao recuarem na lenta e gradual abertura, conseguindo evitar em sua retirada estratégica, organizada e política na redemocratização e na anistia deles, o que a nova linha dura de extrema-direita promete fazer e perder com o atual neoliberalismo entreguista, selvagem e com a burrice que os caracteriza no atual desgoverno já em crise.

Teremos réplicas de Moros e Dallagnóis por toda parte


A JUSTIÇA TOMADA

Moisés Mendes

Não se impressionem com o que acontece no TRF4, onde até a literatice foi rebaixada. As próximas gerações do Judiciário e do Ministério Público serão ainda mais submissas às orientações de uma direita tomada pela extrema direita.

É só conversar com juristas que pressentem o que vem aí. A realidade que nos espera mais adiante, e daqui a pouco, é mais assustadora.

Hoje, ainda temos focos de resistência, como demonstram os promotores que lutam bravamente contra a manipulação do caso Queiroz-Flavio Bolsonaro no Rio e os policiais que resistem às tentativas de Sergio Moro de desmonte das investigações do assassinato de Marielle.

Mas é provável que daqui a pouco esses focos, visíveis em outros casos, sejam tão insignificantes, em termos numéricos, que não haverá mais nada a fazer.

Vozes como as do desembargador Rogério Favreto, solitário contra o reacionarismo de baixa qualidade do TRF4, não serão mais ouvidas. Já sabemos que serão extintos também os últimos focos de resistência no Supremo.

Erram, e erram muito, os que se agarram a questões aparentemente "técnicas" para entender o que levou o TRF4 a afrontar o Supremo no caso do sítio de Atibaia. A questão não é técnica. É cada vez mais política, é ideológica, estúpido.

O MP e o Judiciário, junto com as polícias, caminham para o fundamentalismo. Teremos réplicas de Moros e Dallagnóis por toda parte. É o que as ignorâncias disseminam como modelo.

O sistema de Justiça está deixando de ser apenas conservador, seletivo e punitivista de inimigos da esquerda, pobres e negros para ser assumidamente de extrema direita.

Contra Lula, está liberado



Bernardo Mello Franco


A juíza Gabriela Hardt tem lugar cativo no Palácio da Alvorada. Mais exatamente no closet da primeira-dama. No ano passado, a magistrada engrossou com o ex-presidente Lula ao interrogá-lo: “Se o senhor começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema”. A frase fez sucesso com a militância antipetista, e foi parar numa camiseta usada por Michelle Bolsonaro.

Hardt condenou Lula no caso do sítio de Atibaia, mas sua sentença tinha um pequeno problema. Sem motivo aparente, referia-se à chácara como “apartamento”. A defesa descobriu o motivo: a juíza copiou e colou trechos da decisão de Sergio Moro no processo do tríplex.

Quando a barbeiragem veio à tona, Hardt alegou não se tratar de plágio. Disse que costuma copiar sentenças alheias para economizar tempo. “Eu raramente começo uma decisão do zero, porque seria um trabalho desnecessário”, absolveu-se. Errar é humano, e o sítio teria virado apartamento por mero deslize. “Na revisão, esqueci de tirar aquela palavra”, disse a magistrada.

No fim de outubro, o Ministério Público Federal pediu a anulação da sentença por outra razão. Em parecer enviado ao TRF-4, o procurador Maurício Gerum citou decisão recente do Supremo Tribunal Federal. A Corte decidiu que os réus delatados têm direito a falar depois dos delatores, o que não ocorreu na ação contra Lula.

Há duas semanas, o TRF-4 anulou outra sentença em que Hardt copiou e colou frases de um colega. O caso envolvia uma ex-prefeita do interior do Paraná, e o desembargador Leandro Paulsen aproveitou para passar um sermão na juíza. “Reproduzir como seus argumentos de terceiros, copiando peça processual sem indicação da fonte, não é admissível”, escreveu.

Os dois episódios sugeriam que a condenação do ex-presidente também seria anulada. Ontem deu-se o contrário, e ele ainda teve a pena aumentada. O Ministério Público recuou do próprio parecer, e o TRF-4 deixou de ver o plágio como uma prática desabonadora. No julgamento, o procurador Gerum ainda acrescentou uma nova acusação ao réu. Lula seria culpado pelo “grave desequilíbrio político que permite que hoje se chegue ao cúmulo de se dar alguma atenção a ideias terraplanistas”.

Se a ebulição do continente invadir o país, o miliciano só terá duas alternativas, reprimir ou tirar Guedes


Um ministro agarrado à sua cadeira

Maria Cristina Fernandes

Se as labaredas do continente avançarem sobre o Brasil, o presidente da República terá duas alternativas: recorrer à repressão ou tirar Paulo Guedes do cargo. Ao enviar o projeto de excludente de ilicitude dos militares para o Congresso, Jair Bolsonaro mostra as fichas que depositou na primeira opção. Não dá, porém, para ignorar os sinais emitidos por um comandante do Exército que exalta a recusa da arma ao papel de capitão-do-mato. Daí porque o ministro da Economia, em barricada contra a segunda alternativa, mencionou a volta do AI-5 como desfecho de um país tomado por manifestações.

Desconhecer a insegurança de Guedes no cargo é incorrer no mesmo erro cometido por porta-vozes bem postos do mercado quando a dupla Alberto Fernández/Cristina Kirchner começou a fazer sombra sobre Mauricio Macri. A interpretação corrente foi a de que a Argentina afundara por não ter feito a lição de casa. Quando o Chile explodiu, porém, os bedéis do liberalismo emudeceram. Se o primeiro da classe entrou em combustão, a lição é outra.

Ebulição deixaria duas saídas, reprimir ou tirar Guedes

Não é de hoje que o ministro custa a aceitar o custo da democracia. Ainda na campanha presidencial, Paulo Guedes revelou ao Valor sua ambição de implantar a fidelidade programática no Congresso. Quando se deu conta de que não poderia fazê-lo por decreto, passou a acalentar a ideia de transformar Sergio Moro num instrumento de persuasão parlamentar. O Congresso enquadraria o ministro da Justiça e logo frustraria Guedes.

A dificuldade do ministro em circular suas ideias entre os distintos grupos de economistas que serviram aos governos da redemocratização limitou sua experiência de gestão pública ao Chile de Pinochet. Ao longo do governo Bolsonaro, comprovaria sua intolerância ao contraditório. Chegou a bater boca com parlamentares ignorando que se são os vencedores da eleição que impõem a pauta é o Congresso que a aprova. Reiteradas vezes, ao ser confrontado, o ministro ameaçou largar o posto Ipiranga com o bordão “aí vocês vão ver como é que fica”.

Desta vez, a reação foi extremada porque não se limitou ao debate de ideias mas ao desmonoramento do país em que estão ancoradas suas mais firmes convicções. E não apenas as dele. Ex-secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ex-ministro da Fazenda (1994), Rubens Ricupero tem colhido, nos fóruns liberais que frequenta, a percepção de que não é oportuno cavucar as inquietações que movem o continente para não degringolar as reformas em curso no Brasil.

Parassem para ouvir o embaixador concluiriam que tentam conter enchente com algodão nas frestas das portas. Ricupero percorre as sublevações mundo afora, dos coletes amarelos, mobilização que já completou um ano na França, até o Chile, onde a distância entre pobres e ricos só não é maior que a do Brasil, para dizer que a frustração é com a incapacidade de o capitalismo oferecer respostas ao desemprego, à desigualdade e à degradação ambiental.

Só a recusa em conhecer as razões da insatisfação, diz, pode atribuir à interferência de Cuba e Venezuela, países que mal são capazes de se manterem em pé, a deflagração das crises sulamericanas. Onde tudo isso vai dar? O embaixador volta ao século XIX para dizer que as insatisfações acumuladas por sucessivas revoluções - só na França houve três - desaguaram na Primeira Guerra Mundial. Depois de dar como alta a probabilidade de explosão social no Brasil, justifica tamanho pessimismo com uma afirmação categórica: “A história é feita de tragédias”.

Com os juros em queda, a retomada do crédito e os empregos em lenta evolução parece precipitado incluir o Brasil na rota do caos. E Ricupero, de fato, aposta num Natal melhor que o de anos anteriores. Com a virada de 2020 e o FGTS já consumido, porém, virão as obrigações costumeiras de início do ano - IPVA, IPTU e reajuste das escolas e dos planos de saúde. É a classe média, nunca é demais lembrar, quem lidera protestos e consome a água mineral vendida no isopor dos mais pobres.

Um crescimento de 2% não será suficiente para prover emprego para 12 milhões. Aqueles que conseguirem voltar ao mercado de trabalho logo descobrirão que o terão feito em condições depauperadas pelas reformas bolsonaristas. Some-se a isso o cenário externo negativo com uma balança comercial que só não está pior porque o baixo crescimento inibe as importações. Ricupero enumera a saída de U$ 40 bilhões este ano, a frustração do leilão do pré-sal, o estrangulamento cambial e o déficit em transações correntes e arremata: “O fundo do quadro não é bom”.

O presidente da República dará início ao segundo ano de seu mandato com dificuldades em reverter este cenário. As reformas em que aposta ficaram todas mais difíceis que a da Previdência - pelo teor e pela deterioração de sua base política. É a frustração de expectativas e não o desalento, diz um investidor com pés no chão e bom trânsito nas rodas do poder, que ameaça incendiar as insatisfações.

Ao arrebanhar superpoderes, de Paulo Guedes também caiu numa armadilha. O ministro não é cobrado apenas pela política econômica mas pelo tamanho da máquina pública, a regulação do mercado de trabalho, as privatizações e a tabela do Imposto de Renda. Com difíceis eleições municipais pela frente, o presidente não correrá o risco de iniciar a segunda metade de seu governo sem uma reação mais robusta não apenas da economia, mas da vida do país.

Bolsonaro dá sinais de que aprendeu mais rapidamente do que seu ministro da Economia e seus áulicos com a reação tardia do presidente da Argentina, abre-alas da ebulição, à deterioração das condições de vida da população. Por isso, não parece precipitado imaginar que tenha estabelecido dezembro de 2021 como a data-base do mandato de Paulo Guedes.

É tempo suficiente para o ministro da Economia tentar entender o que se passa à sua volta. Antes atribuir o papel de agitador de multidões ao ex-presidente, teria valido mandar um olheiro à Casa de Portugal, sede do último Congresso petista em São Paulo. Um relato fiel lhe daria conta de que nem a presença de Luiz Inácio Lula da Silva foi suficiente para encher o auditório, dirá para incendiar o país.

O lado bom de 2019

Flávia Boggio
Tudo indica que 2020 será ainda pior
O ano de 2019 está chegando ao fim e, junto, começam as retrospectivas dos acontecimentos que marcaram o ano. Com tantas tragédias e más notícias, fica difícil fazer um compilado bem-humorado sobre esta volta da Terra pelo Sol. Alguns arriscam a dizer que foi uma das piores das últimas décadas.

Mas é lógico que o ano não foi só de infortúnios. Aconteceram coisas boas também. Raras. Mas, com a ajuda de estudiosos muito —mas muito— otimistas, conseguimos encontrá-las.

Uma ótima notícia foi o anúncio de que o cantor Latino vai encerrar a carreira em 2021. Infelizmente, vamos ter de aturar o autor de “Festa no Apê” por mais um ano. Mas o fato de termos uma previsão já é alguma coisa.
Galvão Bertazzi/Folhapress

O ano de 2019 também foi bom para os apreciadores de maconha. Um estudo americano concluiu que manga pode prolongar o efeito do THC. O consumidor, agora, pode aproveitar melhor seu baseado e, de quebra, consumir mais fibras e vitaminas.

Outro fato positivo veio de Santa Catarina. A Justiça determinou que lagartixas têm o direito de ir e vir pelas paredes do estado.

Isso após uma empresa se recusar a pagar o conserto de um ar-condicionado, queimado após entrar em contato com o réptil.

Os inimigos de Mark Zuckerberg também tiveram boas novas. Segundo pesquisa de Oxford, em 50 anos, o número de pessoas mortas no Facebook vai superar o de vivas. Em breve, a rede social será mais eficiente do que um tabuleiro ouija para mandar mensagens ao além.

A informação de que atores realizam enormes bacanais praianos foi outra ótima notícia no ano.

Embora tenha frustrado os famosos que não foram convidados, o chamado Surubão de Noronha deu ânimo e sentido à vida do brasileiro médio.

O ano também foi de superações. Batemos recorde de queimadas na Amazônia e tivemos o maior desastre ambiental do litoral brasileiro.

O número de pessoas abaixo da linha da extrema pobreza aumentou 50%. E o de mortos por policiais no Rio de Janeiro bateu recorde histórico.

Dados como esses nos levariam a crer que a melhor notícia de 2019 é a de que o ano está acabando. Mas tudo indica que 2020 será ainda pior.

A História anda em círculos


Ideias de novo presidente da Fundação Palmares assemelham-se com as de judeus nazistas

Dodô Azevedo

A História anda em círculos.

Já falamos no blog Quadro-negro sobre negros racistas com negros. Do personagem Stephen, interpretado por Samuel L. Jackson no filme Django Livre, de Quentin Tarantino.

Tarantino também faz Bastardos Inglórios, sobre um grupo de judeus que resolve vingar-se de nazistas e acabar com a guerra em uma tacada só.

Não tocou no assunto dos judeus nazistas. A maioria dos filmes sobre a Segunda Guerra não falam deles. O Pianista, filme de Polanski, ao menos fala dos judeus colaboracionistas. Em geral, “zés-ninguém”, que finalmente viam uma oportunidade de, sem esforço, ser algo na vida. Ainda que traidores do próprio povo. Oportunistas de toda sorte que, por senso de sobrevivência ou fraqueza de caráter, aceitavam o emprego que judeus dignos se recusavam: guardas de segurança no gueto de Varsóvia. Algozes dos seus.

Antes da guerra, o judeu Max Naumann fundou a Associação dos Nacional-Judeus Alemães. Naumann viu com bons olhos a ascensão de Hitler ao poder, e apoiou o programa nazista. Falava muito mal do ativismo judeu, falava mal das lideranças de seu povo, falava mal da militância judaica. Quando deu-se por si, havia sido ele mesmo preso por nazistas e enviado a um campo de concentração.

O exótico Sérgio Camargo, jornalista de quem ninguém havia ouvido falar, e que acaba de aceitar colaborar com o novo governo, assumindo a Fundação Palmares, falou mal de duas lideranças de seu povo. Zumbi e Marielle.

“Zumbi seria hoje um defensor de bandidos”, “Marielle não era negra”. E outras excentricidades.

O judeu Hans-Joachim Schoeps fundou  a Vanguarda Alemã, já em pleno nazismo. Schoeps era um aplicado historiador e, acima de tudo, um patriota. Entrou em uma cruzada contra músicos e poetas judeus. Para ele, havia uma arte mais elevada, “mais alemã”, a qual a cultura judaica corrompia. Era um judeu herói entre os nazistas.

Sérgio Camargo, que em suas postagens em redes sociais nota-se a ausência de negros, é patriota e um herói entre os apoiadores do governo. Disse que “A música de Mano Brown não tem valor. Será cobrada no vestibular da Unicamp em pé de igualdade com Camões. Um absurdo esquerdopata”.

Os judeus nazistas odiavam comunistas. Achavam que o nazismo era a última linha de defesa contra a expansão da extrema-esquerda na Europa.

Enquanto milhões de judeus eram exterminados, tiveram seus momentos de celebridade, de poder, de destaque na mídia.

Mas, uma vergonha para seu próprio povo, morreram no ostracismo.

Já ideias, não. Infelizmente vez em quando voltam como fantasmas muito vivos, e em tempos de holocausto.

O holocausto negro no Brasil, do qual Palmares é símbolo fundamental.

A História anda em círculos.

A tirania do escárnio


João Ximenes Braga

Dentre os acontecimentos das últimas 24 horas, a PF consegue prender membros de uma brigada de incêndio que combatia incêndios no Pará acusando-os de promover incêndios; um homem que ridiculariza Zumbi dos Palmares é nomeado diretor da Fundação Palmares e Gebran aumenta a pena de Lula para 17 anos justamente porque o ex-presidente "ocupava o máximo grau de dirigente da nação brasileira", logo depois de afirmar que "a premissa de conotação política é estranha ao processo".

Não basta fazer o que querem, precisam zombar, desdenhar, tripudiar. Lembram quando a gente reclamava da hipocrisia do mundo político? Agora o que dá o tom é o escárnio.

Tudo na política econômica é escárnio. É escárnio dizer que vão voltar com impostos sobre a cesta básica, que tá tudo bem o dólar aumentar, que vão acabar com a aposentadoria e com os direitos trabalhistas para aumentar empregos. É escárnio o que se vê na fala de Guedes quando ironiza os jornalistas que lhe cobram o que disse de AI-5. É tudo escárnio.

O novo diretor da Palmares não é um personagem novo por ser negro e dizer que não existe racismo. O que o torna particularmente adequado aos tempos é a capacidade caudalosa de ofender as pessoas que seu cargo deveria defender. Se bem que nem isso é novo, claro. Todos, mas todos os ministros e secretários desse tirano são inimigos de suas respectivas áreas (salvo a do agro, claro).

Que o governo Bolsonaro tinha como objetivo destruir, sempre soubemos, ele deixou isso claro o tempo todo. Mas acho que ninguém esperava que o fizesse nesse tom constante de zombaria. É um talento inato para caçoar, humilhar, desprezar. E, claro, se cerca de pessoas que espelham esse talento.

Viramos a tirania do escárnio. Cospem na nossa cara e riem com aquele esgar abestalhado, aquela gargalhada surda que sai a golfadas de suas cabeças ocas e cheias de vermes.

Fake news


quarta-feira, 27 de novembro de 2019

A, I e 5


Seduzidos pelo ódio


Moisés Mendes

ELE NUNCA VIU RACISMO

Esta é uma das fotos de capa do Globo online, com este texto.

"Novo presidente da Fundação Palmares nega que exista racismo e pede fim do movimento negro.

Militante de direita já defendeu o fim do feriado da Consciência Negra e atacou personalidades como Taís Araújo e Marielle Franco".

Agora escrevo eu. Chama-se Vanderlei Lourenço e é advogado mineiro. A Fundação Palmares é um órgão do Ministério da Cultura.

Na lei que instituiu a fundação, em 1992, está escrito que a Palmares irá “promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”.

Lourenço diz e escreve coisas assustadoras (afirma que a escravidão foi "benéfica" para os negros) e tem admiradores brancos, negros e pardos. Mais do que vocês pensam.

Esse caso e o de Diego Hypólito mostram que o bolsonarismo é um algoz sedutor.

Lula, Dirceu, Dilma e muitos outros serão presos em 2020 e morrerão na prisão

Sem ilusões 

A única chance de Lula no judiciário é o STF, na Segunda Turma, enquanto o ministro Celso de Mello lá estiver. Se o juiz antecipar sua aposentadoria por algum motivo, ou mesmo se os recursos de Lula não forem julgados antes da sua aposentadoria, ele será substituído por um indicado por Bolsonaro, e neste caso seus recursos serão negados. Sendo negados, valerá o resultado do TRF-4.

O julgamento de hoje é a continuação da farsa da Lava-Jato, da dupla Moro & Dallagnol. A 8ª Turma do TRF-4 é num puxadinho, radical, da turma de Curitiba. Lá Lula e seus advogados não ganham nada. Só ampliam perdas.

O voto do desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do processo do sítio de Atibaia no TRF-4, foi por ampliar a pena do ex-presidente. A nova pena sugerida por Gebran é de 17 anos, um mês e dez dias em regime fechado. Na primeira instância, a pena estipulada foi de 12 anos e 11 meses de prisão, na sentença copia & cola da juíza Gabriela Hardt, substituta do ex-juiz Sérgio Moro.

O voto é mais um ato neste escândalo judicial da perseguição ao líder petista.

Claudio Guedes 

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Logo depois de Celso de Mello sairá Marco Aurélio. Dois fanáticos evangélicos e extremistas políticos sem escrúpulos ocuparão suas vagas. Não só Lula, mas também Zé Dirceu, Dilma e outros símbolos da esquerda serão presos e morrerão na prisão. Incluindo, mas não se limitando a, o MST, MTST e até parte da esquerda namastê

O deboche de Guedes


Bernardo Mello Franco

O ministro Paulo Guedes pode ser acusado de muitas coisas, menos de esconder o que pensa. Na segunda-feira, ele voltou a mostrar desapreço pela democracia. Banalizou a ameaça de um novo AI-5, feita pelo deputado Eduardo Bolsonaro.

Em Washington, Guedes falou em medidas de exceção em caso de protestos violentos contra o governo. “Não se assustem se alguém então pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?”, disse.

Questionado por uma repórter sobre a gravidade da declaração, ele adotou tom de deboche: “Mesmo que a esquerda pegue as armas, invada tudo, quebre e derrube à força do Palácio do Planalto, jamais apoiaria o AI -5. Isso é inconcebível, não aceitaria jamais isso. Está satisfeita?”.

Guedes se referiu à ameaça do Zero Três como uma resposta a discursos doe x-presidente Lula. Foi um argumento falso, porque o deputado lançou acartado AI-5 dez dias antes de o petista voltar ao palanque.

Ele também apelou ao traçar um cenário de insurreição nas ruas brasileiras. Até aqui, o levante só existe nos discursos do governo, que parece buscar um pretexto para testar medidas arbitrárias.

Guedes já havia flertado com o autoritarismo quando defendeu uma “prensa” no Congresso para acelerar a reforma da Previdência. O texto foi aprovado, mas o ministro ainda parece ver a democracia como um entrave à sua agenda ultraliberal.

Ele não é o primeiro ocupante do cargo a raciocinar assim. Na reunião que selou a edição do AI-5 original, em 1968, Delfim Netto disse que a ditadura precisava de superpoderes para “realizar certas mudanças constitucionais” e desenvolver o país “com maior rapidez”.

Ao naturalizar as ameaças do clã Bolsonaro, Guedes sugere que não se incomodaria com a volta dos anos de chumbo. Não chega a ser uma surpresa. Ele se mudou para o Chile durante o regime de Pinochet, a convite de uma universidade sob intervenção militar.

No ano passado, a revista “Piauí” questionou o ministro sobre o período. Ele respondeu o seguinte: “Eu sabia que tinha uma ditadura, mas pra mim isso era irrelevante do ponto de vista intelectual”.

Ao banalizar ameaça de um “novo AI-5”, Paulo Guedes voltou a mostrar desapreço pela democracia. Antes de virar ministro de Bolsonaro, ele trabalhou para a ditadura de Pinochet

Bolsonaro é o nosso Pinochet

Neoliberalismo: repressão e assassinatos em massa

Luis Felipe Miguel

A concorrência é forte, mas está cada vez mais evidente: em termos de autoritarismo e truculência, nenhum ministro do atual governo supera Paulo Guedes.

Ontem, depois da péssima repercussão da fala do dia anterior, em que sugerira a volta do AI-5, Guedes tentou se passar por democrata. Foi um caso clássico de "a emenda saiu pior do que o soneto".

Guedes defendeu uma "democracia responsável", cujas características definidoras ele mesmo enunciou: (a) o povo não pode se manifestar; (b) o objetivo do Estado é agradar aos investidores.

Deu uma lição sobre "o jogo da democracia": se você está descontente, "espere a próxima eleição". Não é inovador, reconheço; é o beabá dos "democratas" que têm aversão à participação política popular. Mas é no minimo curioso, vindo do homem forte de um governo que é fruto direto do golpe que derrubou uma presidente legítima.

E, para mostrar como democracia e bolsonarismo se confundem, fez quase poesia. "A democracia brasileira nunca foi tão forte, poderosa, vibrante, não há escândalo de corrupção, os crimes caíram".

"Não há escândalo de corrupção", diz o Guedes dos fundos de pensão, colega do Salles do Tietê, do Antônio dos laranjais e do Onyx da JBS no ministério dos Bolsonaros das rachadinhas.

O autoritarismo não é uma peculiaridade de Guedes. É um traço constitutivo do programa neoliberal que ele encarna. Para destruir tudo o que se construiu de proteção social, para desfazer os frutos de décadas de luta da classe trabalhadora e de outros grupos dominados, para mover o Estado para a defesa sem disfarces dos interesses do capital, só anulando os mecanismos de intervenção política democrática.

Uma visão convencional apresenta a democracia como um terreno "neutro" para a resolução das disputas políticas. É a visão que vai, lá adiante, pregar a abolição das proteções ao trabalho ou das políticas de cotas, por exemplo, por serem políticas que tomam partido e, portanto, contrariam essa neutralidade.

No entanto, a democracia é o resultado da luta dos dominados para terem voz na sociedade. É uma tentativa de controle ou contenção da dominação social. Os gregos antigos já sabiam disso: a democracia era definida como "o governo dos pobres".

Foi a luta dos trabalhadores que obrigou a classe dominante às mudanças no exercício do poder político que acabaram por produzir a democracia liberal, de tipo ocidental, que floresceu no século XX. Ela sempre expressou o equilíbrio instável entre dominação de classe e soberania popular nominal, que na prática obrigava a burguesia a comprar a paz social com concessões aos dominados.

O neoliberalismo é o programa da classe dominante que não quer mais fazer concessões. E que, para isso, tem que anular a possibilidade de que os interesses das maiorias se façam ouvir no processo decisório.

É, em outras palavras, a explicitação da incompatibilidade de fundo entre o capitalismo e a democracia.

Esse é o programa de Guedes. Ele é, como todos sabemos, nosso "Chicago boy". E Bolsonaro é o nosso Pinochet, aquele que se propõe a mobilizar a violência necessária para que o projeto neoliberal se concretize.

A utopia deles é o Chile: uma profunda, rápida e autoritária transformação das estruturas da sociedade e do Estado, que pode ser seguida por uma "normalização" democrática muito contida, mas duradoura, com um tecido social tão esgarçado que encontra dificuldade de produzir resistência de massa e um jogo político tão enquadrado que até "socialistas" podem chegar ao poder sem ameaçar a herança neoliberal.

Acho que é por isso que eles têm essa obsessão contra as manifestações no Chile, que o próprio Guedes não cansa de evocar. A débâcle do modelo chileno atinge em cheio suas próprias ilusões.

É essa a única coisa que me consola no discurso do ministro: seu temor de que o Brasil viva em breve uma onda de protestos similar à do Chile. Torço, com todas as minhas forças, para que ele esteja certo.