quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Desse jeito, todo mundo perde!

José Paulo Kupfer

Em entrevista ao Estadão, Mansueto Almeida, um dos pais não declarados do teto de gastos, agora no mercado financeiro, disse que "se a agenda fiscal sair dos trilhos, todo mundo vai perder". A respeito desse "todo mundo vai perder" me lembrei de uma história ótima. 

Era um coquetel reunindo a nata do empresariado paulista, na primeira metade dos anos 80. Numa roda, Luis Eulálio Bueno Vidigal Filho, presidente da Fiesp, se queixava da inflação, numa época em que a alta média de preços passava de 200% ao ano.

"Assim não dá", lamentava Luis Eulálio. "Desse jeito, todo mundo perde!" Ao seu lado, o banqueiro Olavo Setúbal, construtor do Itaú, prefeito nomeado de São Paulo na segunda metade da década de 70, colocou a mão no ombro de Luis Eulálio, e, com sua voz cava, decretou:

"Luis Eulálio, meu caro, se todos perdessem com a inflação, ela já tinha acabado...

Quino, cartunista argentino criador de Mafalda, morre aos 88 anos

Personagem mais famosa do autor, uma garotinha de 6 anos preocupada com problemas sociais, foi traduzida para mais de 30 idiomas.

Por G1

Quino, cartunista argentino conhecido por criar as histórias em quadrinhos da personagem Mafalda, morreu aos 88 anos, confirmou o editor Daniel Divinsky, pelo Twitter.

"Quino morreu. Todas as pessoas boas do país e do mundo ficarão de luto por ele", escreveu ele. A causa da morte não foi oficialmente divulgada. Segundo a imprensa argentina, o artista sofreu um acidente vascular cerebral nos últimos dias.

Joaquín Salvador Lavado foi o criador das histórias em quadrinhos mais traduzidas da língua espanhola. Ele nasceu em 1932, em Mendoza, na Argentina, onde voltou a morar em 2017, após a morte de sua mulher, Alicia Colombo.

Seu nome é sempre associado ao de sua personagem mais famosa, a questionadora menininha de seis anos, fã de Beatles, preocupada em combater os problemas sociais e a sopa no jantar.

Criação de Mafalda

Quino criou Mafalda já em seu primeiro emprego como desenhista publicitário, em 1962. A garotinha seria personagem de uma peça de propaganda, que foi rejeitada por jornais na época.

O autor retomou o personagem em 1964. A primeira tirinha foi publicada no dia 29 de setembro daquele ano - nesta segunda (29), a personagem completou 56 anos.

As historinhas, agora sem objetivo publicitário, acabaram aparecendo em jornais do mundo todo. Mais tarde, os livros de Mafalda foram traduzidos para mais de 30 idiomas.

A personagem também virou protagonista de um filme, produzido na Argentina e lançado em 1982.

Além da garotinha, as tirinhas também tornaram célebres personagens como Manolito, Susanita, Guille, Filipe e Libertad.

Em 1973, após quase 2 mil tirinhas, Quino decidiu que não desenharia mais Mafalda.

Em uma entrevista em 2014, questionado se a personagem manteria seu olhar crítico ao mundo tantos anos depois, Quino disse que sim. "E tem mais argumentos ainda. Se você ver os jornais, não precisa nem perguntar o porquê."

Depois de abandonar a personagem, Quino continuou a criar histórias com tom político, muitas vezes sobre opressão e desigualdade social, para jornais de vários países.

Polêmica


Al Trumpone


Enfim, algo inteligente


Bolsonaro quer transformar índios em milicianos e vagabundos


Liberdade para se deixar exterminar

Ruy Castro

Bolsonaro diz que os índios estão cada vez mais iguais a ele. Se for, que destino terrível 

Em live na última quinta-feira (24), Jair Bolsonaro declarou que o índio "evoluído" deveria ter "mais liberdade sobre sua terra". Ao seu lado, o destruidor do Meio Ambiente, Ricardo Salles, dava seu aval à ignorância presidencial. Essa fala ecoou uma anterior, de janeiro, em que Bolsonaro disse: "Cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós. Vamos fazer com que o índio se integre à sociedade e seja realmente dono da sua terra indígena, isso é o que a gente quer".

A gente quem, cara-pálida? Nenhum antropólogo digno de seu diploma concordará com uma só de suas palavras. A "evolução" que Bolsonaro atribui ao índio é a de expor-se de vez às mazelas da civilização, como doenças, alcoolismo e mendicância. A "liberdade" que visa conceder-lhe, ao torná-lo "dono da sua terra", é a de deixar-se tapear e exterminar pelos invasores, pecuaristas, madeireiros, garimpeiros, grileiros, jagunços e outras categorias de quem ele, Bolsonaro, é tão próximo.

Atribuir à ignorância a política mortal de Bolsonaro para o índio é quase um gesto de boa vontade. Supõe que ela se deva apenas ao seu bestial desconhecimento do assunto —um dia saberemos. Mas espanta que os generais que sustentam seu governo tenham esquecido os ensinamentos de um homem que, até há pouco, era um de seus modelos: o marechal Candido Rondon.

"Nosso papel social deve ser simplesmente proteger, sem procurar dirigir nem aproveitar essa gente", disse Rondon em 1912, pela voz de outro grande brasileiro, Edgard Roquette-Pinto. "Não devemos ter a preocupação de fazê-los cidadãos do Brasil. Índio é índio, brasileiro é brasileiro. A nação deve ampará-los e mesmo sustentá-los, assim como aceita, sem relutância, o ônus da manutenção dos menores abandonados, dos indigentes e dos enfermos".

Para Bolsonaro, o índio é "cada vez mais" um ser humano "igual a ele". Se isso for verdade, que destino terrível.

terça-feira, 29 de setembro de 2020

O ocaso da razão

Nilson Lage

Os mecanismos de controle da opinião pública não objetivam convencer ninguém. Dirigem-se à emoção.

Um dos fundamentos da propaganda é que deve suprimir a razão para tornar-se eficiente.

A propaganda política, em particular, pretende estimular a radicalidade emocional, o alinhamento automático e impensado. O discurso conservador alimenta o radicalismo de direita e beneficia-se do radicalismo de esquerda, com o qual se confunde, nos momentos cruciais.

Institui-se um clima que exclui a ponderação. O diálogo é impossível.

O ocaso da razão coloca em xeque o idealismo democrático, concebido em um tempo em que se imaginava o Homo sapiens como espécie capaz de dominar pela razão os próprios impulsos em um meio social polarizado.. A experiência histórica, a partir da Revolução Francesa, provou que não era assim: a razão, o mais das vezes, presta-se a suportar motivação passional.

Com as técnicas desenvolvidas a partir da experiência em marketing, a pesquisa estatística e, recentemente, o manuseio de grandes estoques de dados para individualização das mensagens estimulantes inibitórias, não se sustenta a suposição de que decisões políticas possam ser tomadas com base no interesse objetivo dos cidadãos, conforme sua classe social e evidência dos fatos.

Se a razão e o interesse da maioria prevalecessem, nada seria como é.

Os três cascateiros


Bolsonazistas gaúchos queimam livros de Paulo Coelho

Governo quer dar calote, furar o teto e passar a conta dessa mutreta para o Congresso


Pedalada de Bolsonaro e Guedes bota fogo nos mercados do Brasil dos incêndios

Vinicius Torres Freire

A gente esperava que o governo inventasse uma gambiarra a fim de arrumar dinheiro para o Renda Cidadã. Isto é, uma malandragem qualquer para furar o teto de gastos e tentar fingir que não aconteceu nada. Mas a cara de pau foi grande. O governo quer fazer uns R$ 40 bilhões de dívida extra, 0,5% do PIB, fingindo que não. É pedalada.

A esperteza é que Jair Bolsonaro quer pôr essa mutreta na conta do Congresso. Não quis cortar o abono salarial ou congelar os benefícios do INSS, necessário para fazer o Renda Cidadã e manter o teto de gastos. Também não teve coragem e capacidade de propor uma reforma séria do teto. O que sugere então? Calote e mão grande.

Quase todo mundo percebeu a picaretagem, principalmente os colegas de profissão de Paulo Guedes, negociantes de dinheiro. Com o anúncio do novo “plano infalível”, as taxas de juros de longo prazo foram às alturas do pânico da pandemia, em abril. O povo do mercado fugiu da Bolsa e comprou dólar. Enfim, do que se trata?

O governo pretende deixar de pagar R$ 39,4 bilhões dos R$ 55,2 bilhões de precatórios e sentenças judiciais devidos e previstos no pré-Orçamento de 2021. É dinheiro que o governo deve, por decisão da Justiça, para gente que recebe do INSS (43% do total dessas dívidas), para servidores (19% do total) e débitos diversos.

Com esse calote, quer pagar os benefícios de um Bolsa Família encorpado, o Renda Cidadã. Nos planos vagos do governo, o programa chegaria a 24,3 milhões de famílias, que receberiam R$ 260 por mês (ante R$ 191 do Bolsa Família de antes da pandemia).

Na prática, o governo quer fazer uma dívida extra sem dizer que é dívida extra: fazer dívida “escondida” para bancar gastos além do permitido pelo teto. O dinheiro viria dos precatórios que deixam de ser pagos. Essa é a gambiarra: esse empréstimo forçado, arrancado de quem tem dinheiro a receber do governo por sentença judicial. É moratória ou “reestruturação forçada” de dívida.

Para o Renda Cidadã, o governo também vai pegar parte do dinheiro que é obrigado a transferir para estados e municípios gastarem em educação. Quer tomar 5% do Fundeb, o que dá mais R$ 980 milhões, em 2021. O gasto no Fundeb não está sob o limite do teto. O governo vai, pois, gastar um dinheiro em despesas que estão sob o teto (como o Bolsa Família), mas fingindo que não está fazendo tal coisa. É pedalada.

“Tecnicamente”, o governo quer se limitar a pagar precatórios no valor equivalente a 2% da receita corrente líquida da União, o que dá R$ 16,09 bilhões em 2021. O restante dos precatórios devidos fica para ser pago “um dia”, a perder de vista. Vira mais dívida.

Como lembra Josué Pellegrini, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), precatórios não pagos são contados na dívida consolidada, diz a Lei de Responsabilidade Fiscal.

A IFI é um órgão independente de acompanhamento e avaliação das contas públicas, ligado formalmente ao Senado. Felipe Salto, diretor-executivo da instituição, observa ainda que tirar dinheiro do Fundeb é tentativa de driblar o teto de gastos e que o governo se furtou a cortar gastos para arrumar fundos para o Renda Cidadã.

É legítimo querer mudar o teto constitucional de gastos. Dada a situação do governo e do país, no entanto, fazer tal mudança exige grande capacidade técnica e política de modo que a emenda não saia pior do que o soneto. Exige um acordo nacional. Bolsonaro está propondo apenas maracutaia fiscal. Para os donos do dinheiro, é um sintoma de que o governo pode aprontar inclusive para cima deles.

A pressão da sociedade e o Congresso criaram o auxílio emergencial de R$ 600, o que evitou fome, convulsão social e recessão ainda maior. Foi um presente para Bolsonaro. O que ele faz agora? Tumulto picareta, que dá em tensão financeira, que prejudica uma retomada econômica que já seria difícil.

Queima a Amazônia, queima o Pantanal, queima a educação, tem morticínio, tem insulto de humilhados e ofendidos. Agora queima também o mercado. Isto é o Brasil de Bolsonaro.​

Ministro-pastor vê crianças como pequenos demônios contaminados pelo pecado


O MEC e o exterminador do futuro

Cristina Serra

Quando o ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi nomeado, em julho, a imprensa chamou a atenção para um vídeo de 2016 no YouTube em que ele, também pastor presbiteriano, prega aos fieis sobre o uso da “dor” como método pedagógico para disciplinar as crianças.

Depois de dois meses de silêncio, Ribeiro deu uma entrevista a “O Estado de S. Paulo” e, pela quantidade de disparates que falou, procurei o vídeo para melhor entender o personagem e o assisti na íntegra. Basicamente, o pastor considera que crianças são pequenos demônios, contaminados pelo pecado, e cabe aos pais aplicar “a vara da disciplina” para corrigi-los. Diz o reverendo: “Há uma inclinação na vida da criança para o pecado, para a coisa errada”. Daí, segundo ele, a necessidade da violência.

Ele segue com provérbios da Bíblia, como este: “Tu a fustigarás [a criança] com a vara e livrarás a sua alma do inferno”. Para que não haja dúvida, o dicionário aponta como sinônimos de fustigar: chicotear, açoitar, surrar, flagelar, machucar, espancar, entre outros.

O pastor insiste: “Castiga a teu filho, enquanto há esperança, mas não te excedas a ponto de matá-lo (…)”; “Não estou aqui dando uma aula de espancamento infantil. Mas a vara da disciplina não pode ser afastada da nossa casa”. Talvez um psiquiatra possa explicar a insistência na expressão “vara da disciplina”.

Na recente entrevista ao jornal, Ribeiro demonstrou homofobia, eximiu-se da responsabilidade de coordenar a rede pública de educação no país, menosprezou o sonho de milhões de brasileiros de conseguir formação de nível superior e, por fim, lavou as mãos quanto ao papel da educação na redução de desigualdades, tão agravadas pela pandemia. “Esse não é um problema do MEC, é um problema do Brasil. Não tem como, vai fazer o quê?”. Foi como se dissesse: “E daí?”. Soa familiar? Na marcha acelerada do Brasil rumo ao retrocesso civilizatório, Milton Ribeiro não é um ministro. É o exterminador do futuro.

Enfim, a coerência


Governo Bolsonaro segue coerente com a fala premonitória do seu líder supremo que expressou quando estava na sede mundial da colônia a que se esmera por transformar o Brasil: "Nós temos é que desconstruir muita coisa."

Bolsonaro e políticos do centrão jogam novo "boi de piranha" ao congresso para mudar a condução da economia atolada na crise. O 1° foi o projeto de orçamento em agosto para "inglês ver" e agora o 2° com mudanças estapafúrdias a anular leis. Deseja outro orçamento de guerra em 2021.

Com o maior déficit público da história da República, Bolsonaro que se elegeu contrário a "gastança petista", ampliou a despesa sem receita para proteger ricos e poderosos a tal ponto do Estado comprometer soma total de recursos equivalentes a 51% do PIB.Os neoliberais nada dizem.

Marcio Pochmann

O polícia política de Bolsonaro


Entenda as diferenças






segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O último bozolino


Sobre as baixarias no Leblon e Jardins

Vinícius Carvalho

Rapaziada pedindo minha opinião sobre os casos do Leblon e Jardins, neste final de semana.

Adiciono também um caso que não foi muito parecido, mas tem vínculo ideológico. O do PATIFE aqui do Campeche e Morro das Pedras, em Floripa, que é dono de um site GOOD VIBES, amante da natureza e etc, e essa semana botou a cara na internet com pinta de lutadorzinho de UFC, rasgando faixa da Marielle e etc.

Ficou todo mundo estarrecido, mas é isso. Good vibes nenhum presta. 

E o que esse caso tem a ver com os outros? Porque esse cara já está começando a tirar fotinho como justiceiro, ou seja, não se surpreendam se ele sair candidato e... GANHAR.

Portanto, o que eu digo sobre o caso dos bolsominions do Leblon, da elite decadente no restaurante nos Jardins e sobre esse cara aí é:

PAREM DE TRANSFORMAR PESSOAS ESTÚPIDAS EM FAMOSAS.

Sobre o maluco do Leblon, o papo que a galera tem dado é, "criticar é moralismo" e estão levando a situação apenas como uma coisa corriqueira.

A questão é que essa estética horrorosa de homem andando em carro conversível com mulheres objetificadas, como se fosse o 50 Cent ou um dono de Harém, não tem nada de progressista. Ver duas potenciais eleitoras do Bolsonaro, NUMA BAIXARIA ODIOSA, se engalfinhando para delírio da massa ignara, não tem nada de engraçado.

É o tipo de gente, todos os envolvidos, que deveriam amargar uma Gulag. É tipo de gente assim que tornou o Brasil um país NEFASTO E IRRESPIRÁVEL.

No caso do restaurante de SP, a minha única tristeza foi que aquela porra não pegou fogo. Tirando os trabalhadores do local, muito provavelmente nenhum dos frequentadores dali prestavam, então.

Fodam-se também.

10 perguntas que os pré-pagos da TV Tucana não farão ao golpista corrupto FHC



10 PERGUNTAS QUE O RODA VIVA NÃO FARÁ A FERNANDO HENRIQUE

Moisés Mendes

Fernando Henrique Cardoso será o entrevistado desta segunda-feira do Roda Viva, pela 14ª vez. Teremos mais uma noite de salamaleques.

Por mais qualificada que seja a bancada, com ex-apresentadores do programa, há sempre nas conversas da imprensa com FH um excesso de gentilezas e delicadezas.

Não perguntam a ele o que perguntam a Lula, porque o ex-presidente conta com as cordialidades e as proteções que ninguém mais tem.

Abaixo, 10 perguntas que não deverão ser feitas. Os entrevistadores poderão até andar pelas bordas das questões, mas dificilmente chegarão ao que interessa.

1. O senhor disse este ano, 22 anos depois, que se arrependeu da própria reeleição. Há algum arrependimento pelo incentivo ao golpe contra Dilma Rousseff?

2. Em novembro de 2015, nove meses antes do golpe de agosto, o senhor pediu publicamente que Dilma Rousseff renunciasse e depois defendeu o impeachment, porque o país estaria sem rumo. Por que agora o senhor é contra o impeachment de Bolsonaro, que está destruindo o país?

3. Entre Bolsonaro e Haddad, o senhor optou pelo voto nulo em 2018. O senhor não se considera um dos responsáveis pela ascensão de Bolsonaro e dos militares ao poder?

4. Em uma das conversas vazadas pelo Intercept, Sergio Moro dizia a Deltan Dallagnol que não investigaria os delitos de caixa dois de Fernando Henrique Cardoso porque não poderia melindrar alguém cujo apoio era importante para a Lava-Jato. O senhor se sentiu lisonjeado ou incomodado com esse privilégio?

5. Eduardo Azeredo, um tucano de segunda linha, foi o único presidiário do PSDB e já está solto. Aécio e Serra continuam em liberdade. O senhor, líder maior do partido e presidente por dois mandatos, nunca desconfiou das propinas, da lavagem de dinheiro e das comprovadas contas secretas de gente da sua confiança no PSDB e no governo?

6. Lula teve de provar que não era dono do tríplex do Guarujá e mesmo assim foi condenado. O senhor tem como provar finalmente que o apartamento dos seus veraneios europeus na Avenida Foch, em Paris, não é seu?

7. O senhor pediu e ganhou de presente de um grupo de empresários (que prestavam serviços ao governo) a sede do seu instituto. Por que nunca disse nada sobre a acusação, sem provas, de que Lula teria recebido de um empreiteiro um terreno para a sede do Instituto Lula?

8. No seu entendimento, há um excesso de militares no poder. A face nem tão encoberta desses militares é a de golpistas?

9. Uma declaração recente sua: para derrotar Bolsonaro, na próxima eleição, é preciso apoiar qualquer democrata. O senhor apoiaria Lula?

10. Por que o senhor tem tanta inveja de Lula?

(A bancada de entrevistadores do Roda Viva será composta por Rodolpho Gamberini, Heródoto Barbeiro, Daniela Lima, Matinas Suzuki e Paulo Markun)

O Brasil já foi diferente


Quando o Brasil respondeu à altura

Atila Iamarino

HIV ensinou lições preciosas ao Brasil, fazendo do país exemplo para o mundo

A Covid-19 não é a única pandemia em curso. Vários vírus vindos de animais nos atormentam. E o caminho que o seguimos na pandemia de HIV ensina lições preciosíssimas que fizeram do Brasil exemplo mundial.

Em 1983, quando a África do Sul reconheceu seus dois primeiros casos de Aids, o Brasil já tinha mais de 40. Os dois países reconheceram a pandemia de HIV em anos próximos, mas seguiram caminhos bem diferentes.

Segundo o Global Burden of Disease (Estudo Global do Fardo de Doenças, tradução livre), em 1990, os dois tinham cerca de 0,2% da sua população diagnosticada com HIV. Em 2017, último ano com resultados mundiais do estudo, o Brasil tinha por volta de 930 mil infectados (0,6% da população), enquanto a África do Sul tinha 6,7 milhões, ou por volta de 18% da sua população. E a história de como seguimos caminhos soa bem familiar.

Quem passou pela década de 1990 certamente lembra do caminho brasileiro. Enfrentamos o vírus falando em todas as mídias sobre o perigo da Aids e a importância da camisinha. Ao invés de fingir que estaria tudo bem, tratamos de sexo tanto que o nome Bráulio ainda é marcado. Um Ministério da Saúde presente e com ações em todos os níveis, de municipais a federal, instituímos testes de bolsas de sangue e testes gratuitos e anônimos para quem quiser descobrir se teve contato com o vírus em muitos países o teste é pago.

ONGs ajudaram a tirar o estigma de doença gay e sensibilizar a população como um todo. Instituímos terapia gratuita para quem se expôs sem querer (a Profilaxia Pós-Exposição ao HIV ou PEP) e terapia para soropositivos. com direito a quebra de patente de antivirais, o que parece um gasto, até economizarmos em internações e tratamento de quem não desenvolveu Aids.

Viramos referência mundial. De acordo com um dos vários estudos internacionais que elogiaram nossa ação, evitando internações, o Brasil pode ter poupado 2,2 bilhões de dólares entre 1996 e 2004. É mais barato prevenir complicações do que tratar doentes, especialmente com UTI.

Enquanto isso, a África do Sul foi por um caminho terrível. O Ministério da Saúde do país não interagia com organizações não governamentais, e em 1994 sua reorganização complicou muito o combate ao vírus, pois a responsabilidade foi transferida para as províncias que ainda dependiam de recursos federais.

Em 1999, a situação ficou pior. O presidente sul-africano eleito Thabo Mbeki ignorou o consenso científico e seguiu a linha de negacionistas internacionais, um deles nobelista, que diziam que o perigo do HIV era exagerado. Para eles, a Aids era uma doença causada por fraqueza.

Mbeki ignorou recomendações internacionais de órgãos como a OMS e não realizou campanhas nacionais de prevenção e testagem preventiva.

Mesmo com casos aumentando e milhões de sul africanos contraíram HIV, Mbeki continuava propagandeando uma terapia controversa rejeitada pela ciência, que já promovia antes de ser eleito.

Um composto chamado virodene, capitaneado por Olga Visser, uma pesquisadora da Universidade de Pretoria que mentiu sobre seu vínculo com uma instituição de medicina portuguesa. O composto acabou sendo testado em hospitais militares e não funcionou.

Empresários associados à Mbeki aparentemente estavam lucrando com o investimento do governo no virodene. Hoje, praticamente um quinto do país tem HIV e a estimativa de vários estudos é que a negligência do presidente resultou na morte evitável de mais de 350 mil sul africanos.

Quanto ao caminho que seguimos com a Covid-19, a maior dúvida é quantas mortes evitáveis teremos.

Atila Iamarino

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale.

domingo, 27 de setembro de 2020

Quem sabe o super-homem venha nos restituir a glória


Volta

Luis Fernando Verissimo

O ideal seria reverter o tempo e fazê-lo andar para trás como fez o Super-homem para salvar a Lois Lane, no filme

Há um consenso entre cientistas do mundo inteiro de que coisas como o aquecimento global e os desastres ecológicos, que se repetem e hoje ameaçam a sobrevivência da humanidade, se devem ao que deixou de ser feito, preventivamente, no passado, quando medidas para impedir o pior ainda fariam uma diferença. O ideal seria reverter o tempo e fazê-lo andar para trás como fez o Super-homem para salvar a Lois Lane, no filme. O Super-homem usaria seu poder de comandar o tempo para voltar ao passado e salvar a humanidade. 

Procuraram o Super-homem.

*

O Super-homem está decadente. Trabalha num circo, onde todas as noites chega voando e entra pelo teto, cantando. Engordou. Diz, rindo, que seus bíceps agora estão na sua cintura. Pergunta o que querem dele e anuncia que faz aniversários de crianças, inauguração de shoppings ou, se preferirem, combina com o Batman e os dois encenam uma luta. Ou convidam o Hulk para lutar também, só tendo que esperar até conseguirem irritá-lo com cócegas e ele ficar verde e violento. 

Mas não é nada disso que querem do Super-homem.

– Aquilo que você fez para a Lois Lane, Super...

– Por favor, não diga esse nome na minha frente.

– Vocês brigaram?

– Depois que ela me traiu com o Homem de Ferro, brigamos.

– Sentimos muito.

– Ela me traiu com o Capitão América também. Com o Flash. E, agora estou me lembrando, até com o Homem-Formiga.

– Certo. Mas o que queremos de você é aquilo que fez para a... Para ela.

– Refresque a minha memória.

– Ela estava em perigo e você fez o tempo retroceder para salvá-la. Nós queremos voltar no tempo e fazer tudo que deixamos de fazer, no passado, para evitar que o mundo chegasse a este estado. Nós precisamos de mais tempo, Super!

– Mas vocês acreditaram naquela cena? Era tudo fake. Tudo efeitos especiais. Cinema, pô! Infelizmente, não posso ajudá-los. Só posso dar um conselho. Tentem fazer agora e no futuro o que não fizeram no passado, para salvar a humanidade. 

– Tá bom...

– E como é, não querem ficar para me ver levantar um elefante?

Jesus voltou; deu ruim


 Antonio Prata 

Quando estava a pregar do alto do Masp, os fariseus enfim se encresparam

Eis que, conforme amplamente anunciado, Jesus voltou. Não apareceu em Nova York ou Paris, no Vaticano ou Aparecida, nem mesmo na Judeia, Galileia ou Samaria. O filho de Deus reencarnou dentro de uma caçamba, às 14:37 de uma quarta-feira, atrás da Estação da Luz.

Do alto dos entulhos, pôs-se a falar e a cuidar dos enfermos e a acalmar os aflitos; a arrancá-los do vício e da solidão; e o vinho transformou em água e as pedras transformou em pão; e logo viram os que ali estavam que se tratava do filho de Deus; e a eles, ouvindo as boas novas, vieram se juntar muitos; e foi o fim de suas tribulações.

Então Jesus ajuntou consigo 12 mil fiéis e lhes deu autoridade sobre espíritos imundos para os expelir, e para curar toda sorte de doenças e enfermidades. “Eis que vos envio como ovelhas para o meio de lobos; sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas.”

E por norte e sul e leste e oeste a multidão saiu a pregar; da Idumeia à Pompeia, da Pereia ao Perus, de Hebron a Higienópolis, pelo Moabe e por Moema; e por toda a Pauliceia, via WhatsApp, Facebook, Twitter e outras artimanhas de Belzebu a notícia corria; e era a notícia de que um herege se declarava filho de Deus; e contra os cidadãos de bem atraía gente diferenciada e invertida.

Quando estava Jesus, certo dia, a pregar do alto do Masp, atrapalhando o tráfego da Paulista, os fariseus enfim se encresparam; e contra Jesus e seus vagabundos enviaram legiões de furgões de centuriões bem ungidos no excludente de ilicitude.

Um pequeno diabo de coturno a serviço de um médio diabo de terno subiu no Masp e pegou Jesus pelo pescoço e o dobrou sobre o abismo e clamou diante da multidão: “Se és filho de Deus, atira-te abaixo, porque está escrito; aos seus anjos ordenará a teu respeito, e eles te sustentarão nas suas mãos”.

Respondeu-lhe Jesus: “Também está escrito: não tentarás o Senhor teu Deus”. E todos riram e espezinharam do filho de Deus; e o cassetete fez as vezes da coroa de espinhos, e nos programas vespertinos comentavam “apanhou foi é pouco”.

Jesus então repetiu as palavras de Isaías: “Ouvireis com os ouvidos e de nenhum modo entendereis; vereis com os olhos; e de nenhum modo percebereis. Porque o coração deste povo está endurecido”; e eis que o centurião botou o cano da sua Taurus na boca de Jesus; e disse Jesus ao centurião; “Não é o que entra pela boca o que contamina o homem, mas o que sai da boca, isto, sim, contamina o homem”. “Foda-se”, disse o centurião e pac! Bem mais simples do que uma crucificação.

“Que Deus é este?!”, vangloriavam-se os fariseus nos púlpitos, “Que caiu diante de um capitão?”; “Que Deus é este?!”, escarneciam os filisteus em seus gabinetes, “Que não resiste a um soldado e um cabo?!”. E reelegeram o Trump e reelegeram Bolsonaro e convenceram a todos que a verdade e a ciência e a decência eram conceitos criados pelo Paulo Freire para transformar seu filho em viado-comunista e queimaram —literalmente — o futuro da humanidade. E Deus viu que era ruim.

O primeiro anjo tocou a trombeta: “Foi queimada, então, a terça parte da Terra, e das árvores e também de toda erva verde”. [Aviso ao leitor: cito a Bíblia. É assim, segundo Deus, que o mundo acaba]. O segundo anjo tocou a trombeta “e uma montanha de fogo foi atirada ao mar; e morreu uma terça parte da criação”. “Caiu, caiu a grande Babilônia que tem dado a beber a todas as nações do vinho da fúria e da sua prostituição”. E fim.

Golpismo pré-datado vira moda

Bruno Boghossian

Trump e Bolsonaro dinamitam credibilidade de eleições para tentar preservar poder

Há 203 dias, Jair Bolsonaro afirmou guardar provas de fraude na eleição de 2018. O presidente disse que tinha em suas mãos evidências de que deveria ter vencido a disputa no primeiro turno e anunciou que apresentaria esse material “brevemente”. É claro que nada apareceu, mas ele conseguiu o que queria.

Bolsonaro trabalha, no longo prazo, para dinamitar a credibilidade do sistema de votação no país. A ideia é cultivar dúvidas entre seus apoiadores, reforçar a imagem de um ambiente político manipulado e preparar terreno para contestar derrotas que sofre dentro das regras do jogo.

Ele deu uma pista desse caminho ainda na campanha presidencial. A dias do primeiro turno, Bolsonaro levantou suspeitas de fraude sem comprovação e disse que não aceitaria um resultado diferente de sua vitória nas urnas. “Isso é um ponto de vista fechado”, declarou.

Esse golpismo pré-datado se tornou marca de certos políticos populistas. Na corrida presidencial de 2016, Donald Trump falava de uma “fraude eleitoral em larga escala” para favorecer sua rival, Hillary Clinton. O republicano venceu a disputa. A semente, porém, estava plantada.

Trump governou como vítima das instituições democráticas. Agora, atrás de Joe Biden nas pesquisas, ele estendeu o tapetão: questionou a lisura do processo eleitoral e disse que, se as urnas não derem a ele um novo mandato, levará o resultado à Suprema Corte —onde os juízes conservadores são maioria.

Sem provas concretas de fraude em quantidade suficiente para mudar o resultado da eleição, Trump faz uma ameaça explícita de golpe de Estado. Ninguém deve ficar surpreso se Bolsonaro seguir o mesmo caminho em 2022, depois de alguns anos de experiência no ramo.

No tapetão populista, a vontade popular não conta, e nem mesmo é preciso haver fraude de verdade. Basta fragilizar o principal instrumento da democracia para agitar eleitores e milícias dispostas a apoiar uma manobra fora da lei. A democracia, afinal, é um mero detalhe.

O centro político


Michelle, ma belle

 


Bolsonaro mentiu sempre e a Folha – como toda a mídia – não amarelou: acumpliciou-se


Mas quando não foi assim, Folha?

Fernando Brito

A coluna da ombudsman da Folha hoje é, desde o título, um exemplo de como as verdades podem ser ditas por inteiro.

Bolsonaro mentiu e a Folha amarelou, a sentença que encabeça o texto de Flávia Lima é dura, mas não um exagero, por conta das duas verdades ditas ali.

Já se tinha observado aqui, dias atrás, que os jornais praticaram farto malabarismo verbal para fugir desta cristalina verdade: o presidente mentiu.

Certo que o verbo mentir é destes do qual se tenta escapar nos discursos bem educados pelo clássico “fulano faltou com a verdade” ou as tais “falácias” que, já o ironizou Veríssimo, parece carneirinhos dóceis e inofensivos.

Mas há limites para o relativismo, quando se trata de confrontar-se com um tipo como Bolsonaro, afinal a “escolha nada difícil” da mídia nas eleições de 2018, e o festival de asneiras que ele imantou e ergueu, como uma onda tenebrosa sobre o país.

Exagero?

Diz a própria ombudsman: “Nunca é demais lembrar que Bolsonaro usa a mentira como estratégia, e a imprensa brasileira ainda não sabe bem o que fazer com isso”.

Ah, que bonito: que tal, por exemplo, tratar o boi pelo nome?

Por onde se olhe, desde a terra plana, à ditadura socialista ou bolivariana, passando por kits gay e mamadeiras de piroca, há muito tempo era necessário dizer que o bolsonarismo alicerçou-se num pantanal de mentiras, assim mesmo, mentiras deslavadas.

Mas a grande mídia tudo “relativizou” em nome de uma “imparcialidade” que não pratica e normalizou, cinicamente, o que é intolerável: apologias à ditadura, à tortura, à morte, e o acobertamento do que já era uma gangue familiar – a vasta fauna de bolsonaros filhos, mulheres e ex – cujas ligações policiais e milicianas era sobejamente conhecida.

Curioso é que, tão pródiga em exigir autocríticas à esquerda, jamais pensou que deve ao país o mesmo por ter patrocinado a barbárie da extrema-direita.

Sobretudo por ter participado, anos a fio, do processo de “selvagerização” do Brasil, em nome da liberdade do capital.

Bolsonaro mentiu sempre e a Folha – como toda a mídia – não amarelou: acumpliciou-se, aceitando-o como remédio, ainda que amargo a seus modos educados – para que se evitasse um governo de centro-esquerda no país.

Pior que a ficção


Robô da Boston Dynamics em Singapura

O cachorro robô em Black Mirror: Metalhead 

Nonsense no governo Bolsonaro comanda e sufoca todo resquício de gravidade

 Este governo é tão ridículo, tão patético, tão surreal, que até tira Janio de Freitas do sério.

Sérgio Augusto



Janio de Freitas 

O possível é apenas sondar os traços anedóticos que lhe dão forma e grotesco; e rir

Um riso mal contido, pode ser, talvez envergonhado. Como na extravagância de alguns tombos, sobretudo os vistos. E é disso mesmo que se trata: cenas patéticas de um tombo, o deste país.

O Brasil a ameaçar de represália os grandes países que sustem importações de produtos brasileiros, em reação à sanha destruidora na Amazônia. Cada grão de soja e grama de carne que deixem de importar é um rombo na economia bolsonara. E logo quem a propalar a ameaça, o general Heleno, não propriamente do alto de sua lucidez.

Fiel ao sentimento de que o cinismo não tem limite, nem para traição à memória de seus ídolos torturadores e matadores, Bolsonaro a dizer à ONU que “a liberdade é o bem maior da humanidade”. Depois de atribuir a interesses internacionais na riqueza da Amazônia uma campanha para “prejudicar o governo e o próprio Brasil”. No que foi corrigido pelo general Heleno, que, a partir do nível um tanto prejudicado da sua visão do mundo, identificou outra motivação etérea do mundo: é uma “campanha internacional para derrubar Bolsonaro”.

Tamanho nonsense sufoca todo resquício de gravidade que se queira atribuir-lhe, consideradas as responsabilidades funcionais dos emitentes. O possível é apenas sondar os traços anedóticos que lhe dão forma e grotesco. E rir.

Acima e abaixo dos delírios, o problema é que os militares influentes do Exército não compreenderam que a Amazônia é um amálgama de características de flora e de fauna, geológicas, climáticas, fluviais e pluviais, todas em mútua dependência. E que a entrega desse mundo de peculiaridades interligadas à exploração humana resultará, é inevitável, em que não será mais a Amazônia.

Da mata atlântica, por exemplo, restam no máximo 16%, em estimativa otimista. Do Nordeste ao Sul, por toda a costa e por entradas até o interior profundo, o que há são terras descascadas, depauperadas, ocupadas do modo mais desordenado. Cidades em que tudo se amontoa com vastidões vazias em torno. Poluição, agravamentos climáticos —é a realidade que tomou o lugar da mata atlântica. Assim seria com a entrega da Amazônia à exploração humana: não mais Amazônia.

A “exploração racional e planejada” é balela. Iniciado o processo, será o mesmo de sempre. Os aldeamentos logo se transformam em vilas, daí em cidades, a necessidade de infraestrutura e mais exploração transformam mais áreas, e assim em sucessivas destruições ambientais. A entrega da Amazônia à exploração industrial terá, porém, consequências climáticas muito maiores no Brasil todo, e por extensão no mundo, do que o miserável fim da mata atlântica.

Apesar disso, a ocupação da Amazônia é uma tese dita estratégica dos militares do Exército. Ricardo Galvão, cientista e ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, desmontou o argumento do vice Hamilton Mourão para criação de uma agência para concentrar todos os monitoramentos da Amazônia. Uma agência sob controle militar. “Como o norte-americano NRO” é um argumento aqui muito forte. Mas errado, se de boa ou má-fé, fica por clarear. A verdade é que o NRO está proibido de atuar no território dos EUA. E o monitoramento por lá é civil.

Mas a agência militarizada seria apenas a porta-estandarte do Exército. Atrás viria o que consiste no projeto real: não só o monitoramento, mas o controle absoluto da Amazônia pelo Exército. Um grande território militar, sonhado como o meio eficaz de neutralizar a presumida ganância de uma ou de outra potência sobre a posse da Amazônia. Até décadas recentes, e por muito tempo, o delírio era a guerra inevitável com a Argentina —motivo até de promoção a general por mérito de planejamentos, como foi o caso do último algoz de João Goulart, o seu amigo Amaury Kruel. No mapa, da Argentina para a Amazônia são centímetros possíveis.

Enquanto o nonsense comanda, o fogo está autorizado a antecipar o serviço.

Paraíso

O Conselho Nacional do Ministério Público vai decidir se suspende por 90 dias o procurador Diogo Castor de Mattos, como proposto pelo corregedor Rinaldo Reis Lima. Ex-integrante do grupo de Deltan Dallagnol em Curitiba, Castor patrocinou enorme outdoor na cidade com fotos do seu chefe e de Sergio Moro. Falta disciplinar e, entre nós outros, ética.

Mas não só. Castor o fez com identidade falsa, usando nome de pessoa que nem ao menos foi informada. No paraíso corporativista, mesmo para tal fraude bastam 90 dias de suspensão. Para os de fora da patota, processo criminal e possibilidade até de cadeia.

Mais que ironia

A Bolívia tem na América Latina, como constatado pela ONU, a segunda melhor condição para as mulheres em direitos políticos e em paridade política com os homens (só o México a supera, sendo o Brasil o 3º pior). As bolivianas vieram das últimas colocações para o topo com as conquistas introduzidas, muitas, e outras incentivadas, por Evo Morales como presidente eleito e legítimo, caso raro na história boliviana.

As mulheres congressistas foram uma força decisiva no golpe que derrubou Morales. E uma delas usurpou-lhe a Presidência, que exerce até hoje ilegalmente, com apoio da OEA e de muitos países latino-americanos. Entre os quais, é claro, o Brasil.

sábado, 26 de setembro de 2020

Carteirada social


Rudá Ricci

Vocês já perceberam que estou pouco tolerante com liberais e liberalismos que recentemente vêm invadindo a esquerda brasileira. Um dos termos que incomoda é o tal "lugar de fala". Segue um fiozinho 

1) Há algumas décadas, se fazia um alerta, quando se iniciava uma exposição que era preciso saber de que lugar se falava. Era um alerta sobre os vícios e limitações de nossa existência e ângulo de visão 

2) Tratava-se de um ato de humildade e reconhecimento que uma pessoa, isoladamente, não consegue ter uma visão acabada do mundo. 

3) Kurosawa dirigiu um filme sobre esta leitura enviesada que o ângulo pessoal tem sobre qualquer acontecimento. Rashomon - Às Portas do Inferno, trata da impossibilidade de obter a verdade sobre um evento quando há conflitos de pontos de vista.

4) "Lugar de fala" como é usado hoje, é justamente o inverso: é reserva de mercado. Exclusivismo. Ultraliberal. Hiperindividualista. Sugere que a história pessoal é sempre mais autorizada e definitiva que a coletiva. 

5) Ora, se o meu lugar de fala é um lugar pequeno, enviesado, da minha história pessoal, como considerar que ela é maior que a história contada pelo coletivo, pela classe social, pela humanidade? 

6) A forma como se emprega o tal "lugar de fala" me remete à autoajuda. Parece um esforço para dizer que quem se sente marginalizado tem valor. Mas.... valor individual, quase uma autoridade em assuntos gerais, desde que os tenha vivenciado ou algo do gênero. 

7) Pior: cria uma credencial quase biológica para alguém ser, de antemão, especialista em assuntos que vão muito além de sua vivência pessoal. Temas como escravidão só poderiam ser analisados por quem foi escravo. Mas, e se não há mais escravos vivos? 

8) Não existindo escravos vivos, parece haver uma certa regra mágica que daria o direito de filhos, netos ou tataranetos de escravos falarem sobre algo que não vivenciaram. Fica interditado, assim, a generosidade, a "encarnação" no sentido cristão (a empatia com o sofrimento) 

9) Ora, se é para dizer que quem é explorado tem o direito a ter voz e de ter autonomia, não é preciso criar clichês liberais, não? Basta dizer isso e pronto. Mas, o fato é que esta terminologia veio importada de fundações empresariais que treinam "lideranças" jovens nos EUA 

10) Para terminar o fio, fico cada vez mais incomodado com esses modismos e clichês que nada dizem, vazios de conteúdo histórico, usados para fazer com que cada fique no seu quadrado. E, assim vai a noção de humanidade. (FIM)

Liminar que beneficia o Flamengo pode representar o fim do Covidão 2020

Liminar que beneficia o Flamengo e cancela jogo com o Palmeiras pode representar o fim do Campeonato Brasileiro


A decisão do TRT da 1a. Região (Rio de Janeiro) de cancelar o jogo entre Flamengo e Palmeiras, marcado para amanhã, coloca em risco a continuidade do Campeonato Brasileiro.

O que era ruim, poderá ficar pior.

A liminar foi concedida a pedido de um sindicato desconhecido, o dos empregados em clubes, estabelecimentos de cultura física, desportos e similares do Estado do Rio (Sindeclubes), mas engloba não apenas motoristas, seguranças e estafe, como também jogadores.

Mas é difícil concordar que não esteja agindo por influência do Flamengo, que perdeu na Justiça Desportiva a ação em que buscava cancelar a partida.

O Flamengo tem 19 atletas contaminados e 41 casos de Covid-19 no total, incluindo comissão técnica e diretoria.

Na última semana, voltando de jogos no Equador, foi postada na rede social foto dos jogadores flamenguistas sem máscara no avião.

Outros clubes também poderão invocar a covid-19 quando quiserem fugir de uma partida difícil, o que, certamente, inviabilizará a competição.

Operação Jacarta


Sylvia Moretzsohn

O mais imediatamente importante, para mim, neste relato do Luciano Martins Costa, é o que ele fala sobre o Konder (de mudar o mundo - e iludir-se a ponto de não ver o que era evidente - para calçar as meias). Mas o mais importante é mesmo o questionamento sobre o papel do Partidão. Que tem a ver com a cegueira resultante do triunfalismo dos dirigentes, que resultou em tantas tragédias. Mas que é a herança da esquerda, como me parece óbvio na nossa história recente.

É sobre um aspecto peculiar do assassinato do Herzog.

Segue:

Luciano Martins Costa

"Tirem da sala as crianças e os boçais. Vou contar uma história que nenhum jornal nunca publicou, e que restabelece alguns fatos que muita gente finge ignorar. Ou prefere ignorar.

Aconteceu em 1975, agosto, dois meses antes do assassinato do jornalista Vladimir Herzog. Junto com minhas colegas G. de V. e A..., fui encarregado de entrevistar o então comandante do II Exército, general Ednardo D'Ávila Mello. Foram quinze dias de espera após o pedido de audiência, tempo em que o serviço de inteligência do exército vasculhou nossas vidas. Nada encontraram que impedisse o encontro.

Mas o general nos recebeu cercado por seu estado-maior e um grupo de cinco estudantes de Direito do Mackenzie, alguns dos quais tenho encontrado por aí, já maduros e não menos radicais.

A entrevista deveria ser publicada num jornal-laboratório da FAAP chamado O Bloco, coordenado pelo professor Rodolfo Konder. Tudo ia bem, mas o comandante resolveu jogar para a plateia, e começou a fazer provocações, dizendo que nós, estudantes, exigíamos liberdade, mas aquela conversa era uma prova de que o Brasil vivia em plena democracia. Sob acenos dos seus convidados, seguiu falando sobre a necessidade de seguir combatendo a ameaça do comunismo.

Então, minha amiga G. de V., que era muito esquentada, levantou-se e encarou o general. Disse mais ou menos isto: "Censura à imprensa, censura no cinema, censura no teatro, prisão de gente inocente sem processo, isso não é democracia em lugar nenhum".

O homem ficou furioso. Virando-se para os "meninos" do Mackenzie, soltou: "Estão vendo? Eu não disse? Não adianta, só neutralizando mesmo". E passou a falar de um plano para "neutralizar" 2 mil comunistas, gente que andava a descoberto, inclusive influenciando os jovens como nós pela televisão e pela imprensa.

Nesse período, o jornalista Cláudio Marques e alguns parlamentares, entre os quais o então deputado José Maria Marin, vinham denunciando Vladimir Herzog como um agente de Moscou infiltrado na TV Cultura.

Quando, descontrolado, o general se referiu a uma "operação Jacarta", eu fiz umas anotações. Ele me mandou rabiscar e disse: "Se você publicar uma linha desta conversa, serão 2001 presos".

A conversa terminou abruptamente, saímos de lá caminhando sobre nossas próprias pernas. Fui para casa, escrevi um relatório e fui entregar a Konder. Ele disse que era bobagem, que eu estava vendo fantasmas e soltou a blague: "Esses são os últimos radicais. O processo de abertura do general Geisel é lento e gradual, mas é seguro".

Passaram-se dois meses, e as prisões começaram. Konder foi um dos primeiros, a lista foi crescendo até que Vlado Herzog se apresentou para depor. Horas depois, no dia 25 de outubro, estava morto.

Estourou a crise no interior do governo, Geisel mandou um grupo de oficiais verificar as condições da prisão no DOI-Codi, confirmou as torturas e colocou o general Ednardo na geladeira, preparando sua remoção do comando. Mas o processo demorou e ele ainda permitiu a tortura e morte do operário católico Manoel Fiel Filho.

Pouco depois que os presos foram liberados, procurei Rodolfo Konder, mas ele não quis falar sobre a entrevista. Contei que, por algumas coisas que ouvi do general, entendia que Herzog não foi morto por ser comunista. Não era um militante ativo. Foi morto por ser judeu. Konder confirmou que Vlado foi muito mais barbarizado do que os outros.

Já se passaram muitos anos. Voltei a encontrar com Rodolfo Konder pouco antes de sua morte. Tentei lembrar o episódio, ele respondeu: "Luciano, naquele tempo eu acordava pensando em como melhorar o mundo, como restaurar a democracia no Brasil. Hoje, minha grande preocupação toda manhã é - como vou calçar as minhas meias".

Recentemente, fui procurado por um jornalista do New York Times que está escrevendo um livro sobre o que chama de "fetiche de Jacarta", que caracteriza certos setores da política na América Latina.

Contei para ele essa história, dei uma cópia do relato que fiz da entrevista.

A morte de Vlado impediu o massacre de centenas de jornalistas, artistas e intelectuais. Mas aqui nem o Instituto Vladimir Herzog quer saber o que era a "operação Jacarta"."

Negacionistas, bravateiros e sicofantas


O mentiroso e a musa

Sérgio Augusto

A coluna de hoje tem o Capetão Cloroquina e sua entourage de negacionistas, bravateiros e sicofantas, mas também Sartre, Simone e a musa das caves existencialistas.

Jurei a mim mesmo que evitaria tocar em política esta semana. Criei até um mantra inspirado em Vinicius – “Porque hoje é sábado” – para mais suavemente superar a síndrome de abstinência e reforçar a desconfiança de que o varejo noticioso nos está envenenando o espírito, comprometendo nossa saúde mental.

Jurei, mas fraquejei, e aqui estou, capitulante, a escapulir de pautas mais arejadas (um panegírico do grande ator Michael Lonsdale, que nos deixou na segunda-feira, por exemplo), por não ter afinal superado as pressões da indignação. Pressões que atingiram seu pico na manhã de terça-feira diante da torrente de mentiras e leviandades despejada por Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU e do rodízio de adulações que ao seu discurso se seguiu.

Foi uma semana de mentiras, bravatas e desvairado puxa-saquismo. Uma semana de bolsonarite “tous azimuts”, como dizem os franceses, a quem tiro o chapéu, não tanto de condolências pelas mortes de Lonsdale e Juliette Gréco, mas por terem sido eles os primeiros a sacar a mendacidade do capitão, juntando-o aos mais notórios “menteurs” do picadeiro internacional, como Trump, Putin, Boris Johnson, Erdogan, etc., na revista Magazin Littéraire, de novembro de 2018.

Notaram a data? Em cima das eleições presidenciais daqui. Os outros já estavam no poder, o paraquedista não. Clarividência jornalística é isso aí.

Na última edição da revista de humor Charlie Hebdô, Bolsonaro é caricaturado a obrar, sorridente, uma “bolsocaca” sobre o lábaro estrelado e todo o planeta. E o Charlie nem tomara conhecimento ainda do discurso na ONU.

Desde o golpe de 64, a imprensa francesa nunca nos deixou na orfandade. Detalhes palpitantes em Liberdade Vigiada (Record), de Paulo César Gomes, que aqui comentei em junho do ano passado.

Inclusive por negar que o Brasil tenha passado 20 anos sob uma ditadura militar, o general Mourão na certa odeia a imprensa estrangeira, em especial, quero crer, a francesa. E com redobrada intensidade desde que virou vice do presidente mais escrachado, urbi et orbi, da história do País. Ele não se cansa de reclamar da existência de “uma campanha internacional contra o Brasil para atacar o governo”. Disse isso em agosto do ano passado e repetiu a ladainha às primeiras reações da mídia estrangeira ao papelão de Bolsonaro na ONU. É o mimimi padrão dos autoritários paranoicos.

Um mimimi nem sempre vem acompanhado de ameaças de retaliação, geralmente bravatas risíveis e inconsequentes como a que fez o general Augusto Heleno, ao prometer retaliar qualquer país que boicotar o Brasil por questão ambiental. Retaliar como? “Mandando o Abraham Weintraub morar no país que fizer o boicote?”, perguntou alguém na internet.

Se os dicionários definem polêmica como sinônimo de discussão ou “disputa em torno de questão que suscita muitas divergências”, pega mal qualificar de polêmico o que os mesmos dicionários definem como “afirmações contrárias à verdade a fim de induzir a erro”. Lamentável que, a essa altura do naufrágio, a gente ainda tenha de esclarecer a diferença entre bafo de boca e opinião polêmica a quem não deveria ter mais qualquer dúvida a respeito.

Nossos jornais deveriam atentar mais para a distinção entre lorota e controvérsia. Nada de naturalizar o destampatório mendaz do capitão e folclorizar seu jeito tosco de ser, pensar e falar. Vamos chamar as coisas por seus verdadeiros e indiscutíveis nomes, devidamente traduzidos em todas as línguas, inclusive nas faladas naqueles países onde também se mente muito.

Quanto ao puxa-saquismo, nenhum outro áulico palaciano superou, neste setembro negro parte 2, o general Luiz Eduardo Ramos. Dias antes da lorotança negacionista na ONU, o ministro-chefe da Secretaria de Governo atribuiu ao chefe os mesmos poderes divinos de Zeus, Tupã e outros deuses da chuva, noves fora João Nuvem Negra, o pluvioso personagem dos quadrinhos de Ferdinando Buscapé.


O fato de ter chovido no Pantanal depois que o presidente o sobrevoou no fim de semana não autorizava seu mais falastrão auxiliar a propalar um milagre daquela magnitude. Mas ele o fez, difundindo de quebra a ilusão entre os seguidores da seita de que, na ocasião apropriada, o “rain maker” do Planalto irá multiplicar pães e peixes, com a mesma facilidade com que multiplicou praticamente por 10 o valor real do auxílio emergencial, em sua fala na ONU. Se fizer parte da agenda do presidente caminhar sobre as águas do Paranoá, é de se esperar que reserve o espetáculo para mais perto das eleições de 2022.

*

Para não dizer que não falei de Juliette Gréco, morta na quarta-feira aos 93 anos de idade. Não era minha cantora francesa favorita, mas era quem foi: a Simone de Beauvoir da canção, a Edith Piaf dos existencialistas. Quando O Ser e o Nada, de Sartre, chegou às livrarias, Juliette tinha apenas 16 anos. Já gostava de cantar, mas ainda teria de esperar uma década para tornar-se a musa da Rive Gauche, o rouxinol das enfumaçadas caves de Saint-Germain-des-Prés. Macambúzia, sempre vestida de preto, parecia uma viúva de guerra a remoer suas dores em canções que até quando davam bom-dia falavam em tristeza. Mesmo hoje, quando se fala em existencialismo, é só dela que quase todo mundo se lembra de imediato – depois, bien sûr, de Sartre e Simone.

Juliette confessou não ter lido quase nada do que Sartre escreveu. Assimilou o que julgava suficiente sobre a essência e a existência do ser humano ouvindo o próprio filósofo em festas e mesas de bar. Uma das razões da popularidade do existencialismo foi a forma mundana como seus luminares viviam. Eram boêmios e até na hora de trabalhar preferiam se acantonar em bares, cafés e restaurantes.

O Covidão 2020 tem que ser cancelado


O Brasileirão deveria ser cancelado

Por questões de saúde pública, o Brasileirão deveria ser cancelado

Martín Fernandes

Por questões de saúde pública, o jogo entre Palmeiras e Flamengo, marcado para amanhã, em São Paulo, deveria ser cancelado. Não adiado, não suspenso, mas cancelado. Assim como todos os demais jogos do Campeonato Brasileiro, assim como o resto da Copa Libertadores, assim como as Eliminatórias para a Copa do Mundo, que ainda não começaram. Se o que realmente importa, como diz o slogan adotado pela Fifa, é “saúde primeiro”, centenas de jogadores não deveriam estar viajando todos os dias pelo Brasil, outras centenas não deveriam estar voando pelo continente e outras centenas não deveriam cruzar oceanos a bordo de aviões para jogar futebol. Mas as prioridades são outras.

Não foram poucas nem curtas as discussões entre dirigentes de futebol para decidir como lidar com a pandemia do coronavírus. O estoque de racionalidade acabou rápido, as contas chegaram, os médicos consultados avaliaram que era possível conter os danos e houve consenso de que era possível voltar. A sociedade topou: Fifa, Conmebol, CBF, clubes, sindicatos, donos de direitos de transmissão, patrocinadores, torcedores, imprensa, as resistências todas caíram. O risco de jogar futebol durante uma pandemia praticamente deixou de pautar o noticiário e o debate, que passaram a se ocupar do de sempre: o que acontece em campo, o mercado de transferências, o vício em demitir treinadores.

É hora de parar? O Flamengo entende que sim, mas só por uma partida, só por este duelo específico contra o Palmeiras, só enquanto seus melhores jogadores estão infectados e, portanto, temporariamente impedidos de atuar. As questões de saúde pública, que o clube brandiu para pedir o adiamento deste jogo, estarão novamente sanadas a partir de segunda-feira. Depois disso o futebol não apenas precisa ser retomado normalmente como deve ter o público de volta aos estádios.

A presença de torcedores nas arquibancadas foi discutida nesta semana por dirigentes da CBF, das federações estaduais e dos clubes da Série A. Num encontro virtual, afinal há uma pandemia em curso que impede 40 cartolas de se reunirem em torno de uma mesa, mas não pode ser obstáculo para 20 mil pessoas se deslocarem até um estádio. O futebol brasileiro produziu ali sua versão da infame reunião ministerial do dia 22 de abril, aquela em que o então ocupante da Educação sugeriu por na cadeia os vagabundos do STF. Nem tanto pela baixaria e pelos palavrões (que também os houve) mas sim pelo show de incoerência e desconexão com a realidade exibida por alguns dos protagonistas.

O presidente do Athletico, Mario Celso Petraglia, bateu boca com o presidente da Federação de Futebol do Rio de Janeiro, Rubens Lopes, que tirou do sério o presidente da CBF, Rogério Caboclo, que por sua vez se exaltou como raras vezes se viu. Dezenove dos vinte clubes deixaram claro que só topam jogar na presença de torcida quando houver alguma isonomia e isso for autorizado em todas as cidades, cenário inexequível no curto prazo. A exceção foi o Flamengo. Se os rivais não conseguem essa aprovação com seus políticos, problema deles. Questão de saúde pública.

Jornalista russa testa vacina Sputnik V

Bolsonaro acanalhou o palco mais importante da comunidade internacional


As mentiras de Bolzonaro 

Cristina Serra 

Na ONU, presidente desfia seu rol de mentiras como se estivesse no cercadinho do Alvorada

Bolsonaro fez um discurso histórico na ONU. Sim, histórico, pela quantidade de mentiras nele contidas. E acanalhou o palco mais importante da comunidade internacional, no momento em que o mundo mais precisa de líderes verdadeiramente empenhados em combater um mal que a todos assola.

A ONU foi criada há 75 anos, após o mundo ter passado por uma pandemia (a gripe espanhola) e sobre os escombros de duas guerras mundiais, uma quebradeira econômica planetária, genocídios e outros flagelos. Como disse o secretário-geral, Antonio Guterres, os fundadores "sabiam o custo da discórdia e o valor da unidade".

O presidente desfiou seu rol de mentiras como se estivesse no cercadinho do Alvorada. Eximiu-se de qualquer responsabilidade pelo inconcebível número de 140 mil mortos pelo coronavírus no Brasil. Falseou os números do auxílio emergencial. Disse que combateu o contágio, quando sabotou os esforços de governadores e prefeitos em estabelecer a quarentena.

Mas foi ao falar de meio ambiente —seu tendão de Aquiles no exterior— que Bolsonaro chegou ao paroxismo da construção ficcional. O embuste maior foi culpar indígenas e caboclos pelos incêndios na Amazônia e no Pantanal. Num caso como no outro, no ano passado e neste, a polícia investiga donos de grandes fazendas como mandantes e autores dos incêndios criminosos. Que ele despeje suas mentiras no cercadinho, vá lá... Mas na ONU? Fica por isso mesmo?

Infelizmente, teve gente que fez pior que Bolsonaro, o que não é nenhum consolo. Trump, com a mesma disposição de escrachar tudo o que toca, aproveitou a Assembleia Geral para fustigar a China, acusando-a de espalhar o coronavírus. Antonio Guterres insistiu no multilateralismo e disse que é preciso evitar a todo custo que os Estados Unidos e a China dividam o mundo em uma "grande fratura". Pena que seus apelos tenham caído em ouvidos moucos.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A perda de credibilidade das fontes de informação

Nilson Lage

Quer o objetivo seja indicativo (de informar) ou imperativo (buscando resposta), a eficácia de um discurso depende de acordo social tácito que assegura confiança recíproca. A questão foi abordada pelo sociólogo americano Paul Grice, estudioso da pragmática da conversação. Em seu artigo “Logic and Conversation”, publicado em 1967, ele expôs, em forma de máximas, leis ou normas desse acordo.

A primeira das máximas de Grice, a da qualidade,  determina que a contribuição dos falantes seja verdadeira: não afirmem o que creem ser falso nem aquilo de que não têm evidência. É o que nos faz esperar resposta útil quando perguntamos a um transeunte, em cidade estranha, qual o caminho para determinado lugar: contamos com resposta honesta.

O poder sempre fraudou essa norma de Grice, consumindo capital de credibilidade em nome de interesses imediatos. Não havia Santo Graal na Palestina nem bruxas e feiticeiros invocando demônios na Idade Média. Os argumentos em defesa da superioridade dos brancos europeus em relação aos demais povos eram e são falaciosos ou metafóricos.

Nos últimos cem anos, a indústria da propaganda e da publicidade tem levado esse mecanismo de falseamento dos discursos a extremo: inventou armas de destruição em massa no Iraque de Saddam Hussein e culpa a China pela pandemia do covid-19; a margarina não previne o infarto nem o potinho de iogurte vale por um bife.

Nada, porém, se iguala ao surto atual de mentiras, que, na mídia alternativa e também nas mídias oficiais, beneficia-se da perda de credibilidade das fontes de informação e dos veículos que deveriam testemunhar com honestidade os fatos do mundo.

A culpa não é só da Internet, que amplifica a fraude. Quem espalha boatos ridículos sobre efeito das vacinas ou contesta toda a astronomia pós-ptolomaica beneficia-se da ignorância em que o povo foi mantido  por um sistema de ensino básico que excluiu e relativizou a ciência e assim tornou o pensamento crítico arma de irresponsáveis. E também do fato de que os poderosos de agora já não semeiam campos ou fabricam bens, mas plantam e colhem coisas convencionais como palavras e dinheiro, que remetem a valores abstratos: o mundo deles não é o nosso.

O que sopra do Palácio do Planalto, dos tribunais da Lava Jato, do Templo de Salomão e se faz ouvir na tribuna da Assembleia da ONU é a mentira cultivada em bons adubos, capaz de demolir as bases de uma civilização cujas raízes estão, visíveis, na Grécia antiga e, antes, em sábios orientais, dos quais Confúcio é o mais citado ultimamente.