Antonio Prata
Quando estava a pregar do alto do Masp, os fariseus enfim se encresparam
Eis que, conforme amplamente anunciado, Jesus voltou. Não apareceu em Nova York ou Paris, no Vaticano ou Aparecida, nem mesmo na Judeia, Galileia ou Samaria. O filho de Deus reencarnou dentro de uma caçamba, às 14:37 de uma quarta-feira, atrás da Estação da Luz.
Do alto dos entulhos, pôs-se a falar e a cuidar dos enfermos e a acalmar os aflitos; a arrancá-los do vício e da solidão; e o vinho transformou em água e as pedras transformou em pão; e logo viram os que ali estavam que se tratava do filho de Deus; e a eles, ouvindo as boas novas, vieram se juntar muitos; e foi o fim de suas tribulações.
Então Jesus ajuntou consigo 12 mil fiéis e lhes deu autoridade sobre espíritos imundos para os expelir, e para curar toda sorte de doenças e enfermidades. “Eis que vos envio como ovelhas para o meio de lobos; sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas.”
E por norte e sul e leste e oeste a multidão saiu a pregar; da Idumeia à Pompeia, da Pereia ao Perus, de Hebron a Higienópolis, pelo Moabe e por Moema; e por toda a Pauliceia, via WhatsApp, Facebook, Twitter e outras artimanhas de Belzebu a notícia corria; e era a notícia de que um herege se declarava filho de Deus; e contra os cidadãos de bem atraía gente diferenciada e invertida.
Quando estava Jesus, certo dia, a pregar do alto do Masp, atrapalhando o tráfego da Paulista, os fariseus enfim se encresparam; e contra Jesus e seus vagabundos enviaram legiões de furgões de centuriões bem ungidos no excludente de ilicitude.
Um pequeno diabo de coturno a serviço de um médio diabo de terno subiu no Masp e pegou Jesus pelo pescoço e o dobrou sobre o abismo e clamou diante da multidão: “Se és filho de Deus, atira-te abaixo, porque está escrito; aos seus anjos ordenará a teu respeito, e eles te sustentarão nas suas mãos”.
Respondeu-lhe Jesus: “Também está escrito: não tentarás o Senhor teu Deus”. E todos riram e espezinharam do filho de Deus; e o cassetete fez as vezes da coroa de espinhos, e nos programas vespertinos comentavam “apanhou foi é pouco”.
Jesus então repetiu as palavras de Isaías: “Ouvireis com os ouvidos e de nenhum modo entendereis; vereis com os olhos; e de nenhum modo percebereis. Porque o coração deste povo está endurecido”; e eis que o centurião botou o cano da sua Taurus na boca de Jesus; e disse Jesus ao centurião; “Não é o que entra pela boca o que contamina o homem, mas o que sai da boca, isto, sim, contamina o homem”. “Foda-se”, disse o centurião e pac! Bem mais simples do que uma crucificação.
“Que Deus é este?!”, vangloriavam-se os fariseus nos púlpitos, “Que caiu diante de um capitão?”; “Que Deus é este?!”, escarneciam os filisteus em seus gabinetes, “Que não resiste a um soldado e um cabo?!”. E reelegeram o Trump e reelegeram Bolsonaro e convenceram a todos que a verdade e a ciência e a decência eram conceitos criados pelo Paulo Freire para transformar seu filho em viado-comunista e queimaram —literalmente — o futuro da humanidade. E Deus viu que era ruim.
O primeiro anjo tocou a trombeta: “Foi queimada, então, a terça parte da Terra, e das árvores e também de toda erva verde”. [Aviso ao leitor: cito a Bíblia. É assim, segundo Deus, que o mundo acaba]. O segundo anjo tocou a trombeta “e uma montanha de fogo foi atirada ao mar; e morreu uma terça parte da criação”. “Caiu, caiu a grande Babilônia que tem dado a beber a todas as nações do vinho da fúria e da sua prostituição”. E fim.
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