quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Estrago de Bolsonaro na ONU vai doer no bolso

O discurso de Jair Bolsonaro da ONU "representa mais um passo - um dos últimos - à beira do abismo do repúdio internacional ao país", diz Helena Chagas, do Jornalistas pela Democracia. "Fundos investidores já alertaram que vão se bandear daqui", acrescenta

Por Helena Chagas, do Jornalistas pela Democracia

Jair Bolsonaro levou uma surra na mídia e nas redes por causa de seu discurso ontem na ONU. Se o objetivo era falar para o público interno, dando explicações defensivas para erros cometidos na pandemia e no meio ambiente, o tiro saiu pela culatra. O pronunciamento só pegou bem na bolha bolsonarista. As dezenas, talvez centenas, de checagens de credibilidade que concluíram serem mentirosas diversas das afirmações levadas às Nações Unidas pulularam nos whatsapps o dia todo.

Botar a culpa das queimadas na Amazônia nos caboclos e índios foi patético, assim como jogar todas as responsabilidades pela Covid em governadores e prefeitos e a denúncia de uma suposta “cristofobia” que nunca havíamos identificado em nosso país. A nível interno, portanto, se o episódio não servirá para derrubar a popularidade presidencial — afinal, temos que reconhecer que a maioria dos cidadãos brasileiros está se lixando para o discurso do presidente na ONU — também não ajuda em nada.

Do ponto de vista de imagem externa, porém, o estrago pode ser grande. Desde o início do governo Bolsonaro, o Brasil já vinha num processo de perda acelerada de prestígio internacional nos mais variados países e organizações. Suas atitudes contra o multilateralismo, a subserviência aos Estados Unidos, ao apoio a ditaduras distantes só porque são autoritárias e, acima de tudo, o tratamento dado à questão ambiental destruíram em pouquíssimo tempo todo um acumulado de bons serviços prestados por governos anteriores no plano internacional.

Basta reparar que Bolsonaro conseguiu um feito: uniu contra si, em manifestos diversos, praticamente todos os ex-chanceleres que ocuparam a cadeira de Rio Branco nas últimas décadas, com suas variadas posições políticas e ideologias. Deram um exemplo a outros setores — sobretudo da política — de que, na hora de ser patriota e colocar o país em primeiro lugar, é possível passar por cima de vaidades e divergências. Esses ex-ministros são personagens respeitadas e com fortes conexões no exterior.

Na prática, o discurso do presidente na Assembléia das Nações Unidas representa mais um passo — um dos últimos — à beira do abismo do repúdio internacional ao país. E ele vai incomodar de verdade quando sair do declaratório dos organismos internacionais e bater mais fortemente no bolso brasileiro. Frigoríficos e outros setores do agronegócio já dão sinais de alarme com a perda de vendas para países que começam a deixar de comprar nossos produtos. Fundos investidores já alertaram que vão se bandear daqui.

Tudo isso, antes da fala de Bolsonaro, que perdeu a oportunidade de usá-la para recompor suas relações com o mundo, oferecendo segurança em relação às políticas de preservação do meio ambiente. Ao invés disso, ele contou lorotas que não enganam nem as crianças.

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