sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A perda de credibilidade das fontes de informação

Nilson Lage

Quer o objetivo seja indicativo (de informar) ou imperativo (buscando resposta), a eficácia de um discurso depende de acordo social tácito que assegura confiança recíproca. A questão foi abordada pelo sociólogo americano Paul Grice, estudioso da pragmática da conversação. Em seu artigo “Logic and Conversation”, publicado em 1967, ele expôs, em forma de máximas, leis ou normas desse acordo.

A primeira das máximas de Grice, a da qualidade,  determina que a contribuição dos falantes seja verdadeira: não afirmem o que creem ser falso nem aquilo de que não têm evidência. É o que nos faz esperar resposta útil quando perguntamos a um transeunte, em cidade estranha, qual o caminho para determinado lugar: contamos com resposta honesta.

O poder sempre fraudou essa norma de Grice, consumindo capital de credibilidade em nome de interesses imediatos. Não havia Santo Graal na Palestina nem bruxas e feiticeiros invocando demônios na Idade Média. Os argumentos em defesa da superioridade dos brancos europeus em relação aos demais povos eram e são falaciosos ou metafóricos.

Nos últimos cem anos, a indústria da propaganda e da publicidade tem levado esse mecanismo de falseamento dos discursos a extremo: inventou armas de destruição em massa no Iraque de Saddam Hussein e culpa a China pela pandemia do covid-19; a margarina não previne o infarto nem o potinho de iogurte vale por um bife.

Nada, porém, se iguala ao surto atual de mentiras, que, na mídia alternativa e também nas mídias oficiais, beneficia-se da perda de credibilidade das fontes de informação e dos veículos que deveriam testemunhar com honestidade os fatos do mundo.

A culpa não é só da Internet, que amplifica a fraude. Quem espalha boatos ridículos sobre efeito das vacinas ou contesta toda a astronomia pós-ptolomaica beneficia-se da ignorância em que o povo foi mantido  por um sistema de ensino básico que excluiu e relativizou a ciência e assim tornou o pensamento crítico arma de irresponsáveis. E também do fato de que os poderosos de agora já não semeiam campos ou fabricam bens, mas plantam e colhem coisas convencionais como palavras e dinheiro, que remetem a valores abstratos: o mundo deles não é o nosso.

O que sopra do Palácio do Planalto, dos tribunais da Lava Jato, do Templo de Salomão e se faz ouvir na tribuna da Assembleia da ONU é a mentira cultivada em bons adubos, capaz de demolir as bases de uma civilização cujas raízes estão, visíveis, na Grécia antiga e, antes, em sábios orientais, dos quais Confúcio é o mais citado ultimamente.

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