A manchete da Folha: "Bolsonaro se defende na ONU sobre pandemia e queimadas".
Sei que já citei algumas vezes a frase do Godard sobre jornalismo televisivo, mas vale lembrar sua crítica às simetrias indefensáveis: "Cinco minutos para Hitler, cinco minutos para os judeus".
Diria a Folha, em 1939:
"Hitler se defende na Liga das Nações sobre holocausto e câmaras de gás".
E por aí vai. Bolsonaro elogia Ustra. Bolsonaro mede quilombolas em arrobas. Bolsonaro diz que vai metralhar petistas. Bolsonaro defende cloroquina.
E a gente naturaliza a truculência a partir de sua aceitação discursiva. O uso indevido dos verbos a aniquilar nossos esboços de civilização.
A luta contra a barbárie é também uma luta pelo mínimo de estética (um dos antídotos possíveis ao poder contagioso das cloacas morais) e por uma linguagem precisa.
Uma linguagem que tenha como pressuposto a defesa da vida, da empatia. E que não tenha no cinismo seu motor primário. Ética que se diz?
Excesso de relativismo jornalístico na veia dá nisso: cinismo em relação à hierarquia dos fatos. Se o agendamento de notícias (tema fundamental do jornalismo) parte da desumanidade o mundo será mais desumano.
Bolsonaro não incinerará o Manual de Redação da Folha porque ele é uma espécie de primo distante (blasé, com óculos arrojados e sorrisinho debochado) de sua violência cafona.
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