sexta-feira, 18 de setembro de 2020

O Dilema das Redes


Bruno Torturra

Vi “The Social Dilemma”. Importante mesmo. Diagnósticos conhecidos, mas que ainda não haviam sido apresentados com tanto drama. O íntimo e histórico. Dito isso, saí muito puto com o doc. “Sem querer” ele exalta o mesmo espírito do Vale do Silício que nos trouxe aqui. Explico: 

Ao dar a palavra para os próprios programadores da distopia digital, o documentário reapresenta a turma. Agora em um salto ainda mais alto. São eles, de novo, os homens do Vale do Silício (agora iluminados pelo remorso) que vão consertar tudo para FAZER UM MUNDO MELHOR. Sigo: 

“Fazer um mundo melhor” é a platitude que sempre escondeu o narcisismo Randiano desses sujeitos que ferraram com a internet. Tristan, o personagem principal, jura estar arrependido. Mas repete o MESMO erro fundamental: pensar ser o homem certo pra reprogramar o ciberespaço. Sigo: 

Tristan dá sua palestra estilo TED para seus pares. À frente de um instituto, se apresenta como portador de uma nova ética. “Humana” que precisa ser a base - agora vai! - do Big Tech. O problema é o modelo de negócio. Nunca a manutenção da mesma casta do Vale do Silício. Sigo: 

Ao venderem utopias em 2007 ou anunciar o fim dos tempos em 2020, eles seguem na ladainha épica, cheios de autoimportância, incapazes de enxergar o enorme legado ciberpolítico de gente como Richard Stalmann, John Maddog, Aaron Schwartz, Lawrence Lessig. Nenhum citado no doc. Sigo 

Discutir ciberpolítica, hiperconectividade e suas consequências para a vida humana não passa antes por modelos de negócio, regulação do governo ou algorítmos “do bem”. Mas por recuperar a promessa coletivista do software livre, da democratização não comercial de rede. Sigo: 

Há um legado filosófico, técnico, e político de gente pensou fundo dno código como um reorganizador da política e da própria ideia de sociedade. Gente que cansou se avisar o que estava em jogo e tentou de tudo para abrir esse código para além do Vale do Silício. Foram desprezados 

O que ferrou a internet, muito antes dos estudos de dopamina em Stanford, foi a geração que não entrou em contato com esse legado. Foi o narcisismo de quem acha que vai “fazer um mundo melhor” em IPO’s bilionários, tomando microdose de LSD e macrodose de Ayn Rand. Dito isso: 

Joia que caiu a ficha para a turma do Tristan. De verdade. Mas é sério que a gente precisa contar com os mesmos arquitetos que projetaram esse Carandiru para reformá-lo? Ver esses mesmos caras, agora com 10 dígitos na conta, falando de novo em “fazendo um mundo melhor”? Enfim... 

Até porque, suponho que se eu tivesse percebido que provoquei depressão em massa, suicídio adolescente, eleição de tiranos, desinformação global e iminência de guerra civil, não contemplaria uma redenção no Netflix para que EU melhore o mundo. Mas talvez harakiri (dá um google!). 

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