Mostrando postagens com marcador Ruy Castro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Ruy Castro. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Bolsonaro tratou os brasileiros como se fôssemos baratas; agora a barata assustada é ele


Baratas em pânico

Ruy Castro

Certa vez escrevi que a vida de uma barata não valia nada no Brasil. Em pânico, sem ter para onde fugir, elas estavam morrendo em massa por uma campanha de dedetização então em curso por algum governo. De Jair Bolsonaro em diante, a frase precisa ser outra: o que não vale nada é a vida do brasileiro.

Diante de uma pandemia que acabara de surgir e já assombrava o mundo, Bolsonaro classificou-a como uma "gripezinha", que pouparia quem tivesse "histórico de atleta" e só mataria os velhos, o que, segundo ele, não era nada demais. Nos meses seguintes, à medida que a peste se espalhava e o Brasil enterrava pais e avós, Bolsonaro continuou a fomentá-la, exibindo-se sem máscara, promovendo aglomerações e debochando dos mortos e de suas famílias.

Em seguida, saiu à praça como camelô da cloroquina, droga tão eficaz no tratamento precoce da doença quanto no da ejaculação precoce. Obrigou o Exército a fabricá-la e médicos e hospitais a prescrevê-la, o que resultou em ainda mais mortes, agora também de nossos filhos e netos. Não satisfeito, Bolsonaro desdenhou das vacinas, sabotou sua importação e suspendeu compras. Muitos que estariam hoje se beneficiando delas já foram para o cemitério.

Bolsonaro pôde fazer o que quis porque, livre dos profissionais que tentavam impor as medidas adequadas, escalou como ministro cenográfico um palhaço de farda, Eduardo Pazuello, pronto a trocar a chefia da faxina de um quartel pela de executor de uma política de extermínio.

Nunca uma CPI teve tantos e tão bem documentados crimes a investigar. Afinal, tudo o que Bolsonaro, Pazuello e seus asseclas disseram e fizeram foi gravado —até por eles mesmos, certos da impunidade. Trataram os brasileiros como se fôssemos baratas, mas, agora, num surto de covardia que só não causa mais repugnância porque esperado, quem busca buracos para se esconder, como baratas em pânico, são eles.

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Extinção do nome Bolsonaro

Assim como Drakul, Torquemada e Hitler, ele desaparecerá por falta de quem ouse usá-lo

Ruy Castro

Imagine se, nascido na Romênia, você portar o sobrenome Drakul. Será difícil esconder que, por mais correto como cidadão, marido e pai exemplar e dedicado colecionador de selos, você é tatatatatataraneto de Vlad Drakul (1431-76) —ou príncipe Vlad, o Empalador, famoso por ter executado 40 mil inimigos atravessando-os do ânus à boca, vivos, lentamente, com estacas pontiagudas. Drakul foi também o nome em que se inspirou o irlandês Bram Stoker ao batizar seu vampiro Drácula, em 1897. Não é sobrenome dos mais confortáveis para se levar pela vida.

Mas, assim como há séculos não deve haver mais Drakuls por lá, não se conhecem também Torquemadas na Espanha —quem vai admitir ser descendente de Tomás de Torquemada, que mandou milhares de hereges e judeus para a fogueira no século 15? E de quantos Hitlers você ouviu falar na Alemanha e na Áustria desde o suicídio de Adolf em 1945? É verdade que, possivelmente broxa, o Führer não deixou filhos, mas não terão sobrado sobrinhos e primos com seu nome? 

Façanhas invejáveis até por Jair Bolsonaro, responsável por boa parte dos por enquanto 13,6 milhões de brasileiros contaminados com a Covid e 358 mil mortos, números de que logo sentiremos saudade. Aos quais Bolsonaro chegou por um somatório de negação, sabotagem e mentiras, imortalizadas em tantas declarações gravadas. Nunca um criminoso se entregou tanto pela palavra.

O nome Bolsonaro também desaparecerá por falta de quem ouse usá-lo. Claro que, sabendo como seus filhos devem lavar o cérebro de seus próximos, talvez leve mais uma ou duas gerações para ele se tornar uma maldição.

Neste momento, pelo menos, já desprende um hálito putrefato, impossível de disfarçar.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

A quadrilha chamada Brasil

Vistos de fora, somos identificados com o demente que nos governa e seus cúmplices

Ruy Castro

Parabéns, Jair Bolsonaro, você conseguiu. Pária é pouco. Campeão disparado da Covid, o Brasil é hoje o pior lugar do mundo. Aos olhos internacionais, somos vistos com revolta, repugnância e medo, como nem nos tempos pré-Oswaldo Cruz, em que éramos sinônimos do tifo, da peste bubônica e da febre amarela. Somos agora o último reduto da pandemia, 215 milhões de bombas humanas, potenciais exportadores da morte.

Os vizinhos já nos batem a porta na cara, e isso é só o começo. Em breve, não teremos mais para onde ir, suspeitos de estar levando cepas inéditas, de nossa exclusiva lavra. Por enquanto, essa repulsa do estrangeiro se refere apenas a nós, cidadãos brasileiros, com nossos perdigotos e resistência à máscara. Mas não será surpresa se o medo de contágio incidir sobre nossos produtos, quem sabe infectados, e o mercado também se fechar para eles.

E quem permitirá que seus cidadãos desçam aqui, mesmo a negócios —a turismo, esqueça—, e voltem para casa contaminados? Pode-se circular por um país que se supera todo dia em contágios e óbitos e, em breve, não terá oxigênio para os doentes nem espaço nos cemitérios? Cemitérios, aliás, que já funcionam 24 horas por dia, enquanto a vacinação se regula pelos relógios de ponto, com hora para pegar e largar. Não por falta de quem aplique as vacinas, mas das vacinas mesmo, de cuja "demanda" se duvidava.

Mas o principal motivo da repugnância por nós é a certeza de que o problema não se resume a um demente no poder. Envolve também os cúmplices e complacentes, aqueles que o garantem no cargo —generais que babam à sua presença, magistrados que votam por ele, bilionários que o aplaudem, ministros de Estado covardes, inclusive o da Saúde, políticos pilantras e os vadios que lotam festas.

Não fazemos parte dessa quadrilha. Mas, para quem nos vê de fora, essa quadrilha se chama Brasil.

domingo, 14 de março de 2021

Aos biógrafos de Bolsonaro

Ruy Castro

O trabalho deveria começar por seus antepassados: Hitler, Jack o Estripador, Drácula, Herodes e Belzebu

Sempre achei um risco biografar gente viva. Não por medo do biografado ou de sofrer um processo, mas por motivo mais sério: como contar uma história que ainda não terminou? Imagine se, no dia seguinte ao lançamento de uma biografia, o biografado comete algo terrível, como estrangular seu papagaio ou fugir com a mãe de sua mulher. Em um segundo lá se vai o trabalho de anos do biógrafo —por que ele não previu que seu biografado seria capaz daquilo? Donde o certo é esperar que o fulano abotoe naturalmente o paletó, para só então mergulhar na investigação de sua vida.

Mas, com Jair Bolsonaro, não se pode mais esperar que ele vá para o diabo que o carregue. É urgente começar a biografá-lo porque, pela velocidade de sua trajetória —não passa um dia sem praticar um crime contra a democracia, a saúde, a educação, a ciência, a cultura, a economia, a ecologia, a diplomacia, a Justiça, os direitos humanos e a vida—, em breve ela não caberá em um volume. E isso apenas desde que assumiu a Presidência.

Ai está. Uma biografia de Bolsonaro deveria recuar aos seus antepassados, como Hitler, Jack o Estripador, Drácula, Herodes e Belzebu; explorar suas origens em Glicério (SP), burgo de 2.000 habitantes em 1955, onde depositaram o ovo do qual ele nasceu— e chegar à sua infame carreira militar e ascensão política. Vai-se revelar o seu longo e meticuloso processo de corrupção de colegas, servidores, generais, policiais e juízes, e, de passagem, descobrir como construiu seu patrimônio imobiliário e transferiu esse know-how para filhos e mulheres.

O importante é que, em alguma etapa, surja algo que explique o seu grau de desumanidade estudada, demência, crueldade e ódio.

Pelo que sei, já há profissionais biografando Bolsonaro. Só garanto que não sou um deles. Há um limite para a náusea, e basta-me ter ânsias de vômito quando o vejo na televisão.

Mais de 180 reportagens e análises publicadas a cada dia. Um time com mais de 120 colunistas. Um jornalismo profissional que fiscaliza o poder público, veicula notícias proveitosas e inspiradoras, faz contraponto à intolerância das redes sociais e traça uma linha clara entre verdade e mentira. Quanto custa ajudar a produzir esse conteúdo?

domingo, 21 de fevereiro de 2021

O porquê de tanta macheza

Mulher: Deus me livre...

Ruy Castro

Sem essa de maricas no seu quintal. Jair Bolsonaro gosta de se cercar de rapazes fortes, marombados. Daniel de Tal, ex-PM e YouTuber federal, é um deles. Há dias, para impressionar Bolsonaro, o bofe gravou um vídeo pregando o fechamento da democracia e ameaçando bater com um gato morto nos 11 senhores do STF, que, juntos, passam de 700 anos de idade. Outro favorito de Bolsonaro era o também ex-PM e também he-man Adriano Nóbrega. Mas a vida dá voltas. Daniel tornou-se um estorvo para Bolsonaro e foi jogado ao mar. E, por motivo de força maior, em 2020, na Bahia, Adriano foi convencido a ir para o céu.

Por sorte, abundam reposições. Bolsonaro, como se sabe, prestigia qualquer formatura de PMs e bombeiros. Não apenas se sente bem entre aqueles coletes e coturnos, como admira a constância com que as duas corporações suprem a milícia —três forças com que um dia precisará contar numa eventualidade. Para se garantir e não correr riscos, Bolsonaro igualmente não perde as formaturas de cadetes, certo de que os jovens oficiais lhe serão mais eficientes do que os generais puídos e babões que hoje o avalizam.

Completando seu fascínio pelos homens de ação, Bolsonaro tenta a todo custo “flexibilizar” os decretos que restringem armas de fogo. Por ele, qualquer bonitão capaz de aguentar no braço o tranco de um fuzil ao disparar deve ter o direito de portar esse fuzil e usá-lo contra os inimigos da pátria, como os globalistas, constitucionalistas, jornalistas e outros comunistas que ameaçarem sua perpetuação no poder.

Sim, porque esse é o objetivo de tanta macheza. Bolsonaro já foi alertado de que não pode mais deixar o poder. Precisa dele —blindando-se, armando-se, cercando-se de jagunços, dentro ou fora da lei— para não ser levado ao banco dos réus.

Do qual, se se sentar, pode nunca mais se levantar. Só a contagem de seus crimes levará décadas.


sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Novas definições para Bolsonaro

Ruy Castro 

Outros 146 substantivos e adjetivos que têm sido aplicados a ele 

Na quarta-feira (27), arrolei 24 epítetos para definir Jair Bolsonaro, recolhidos por mim nos mais diversos veículos. Alguns leitores acharam a lista insuficiente. Um deles, meu amigo João Augusto, grande produtor musical, me mandou sua própria lista, que ele começou a compilar já no dia da posse de Bolsonaro. Eis:

Abjeto, abominável, abutre, achacador, acintoso, alimária, amoral, animal, asno, asqueroso, assassino, atroz. Babaca, baderneiro, belicista, beócio, besta-fera, biltre, boçal, boca-suja, bosta, brega, bronco, bufão. Cabotino, cafajeste, cafona, canalha, canastrão, cancro, capadócio, carbonário, cascavel, catastrófico, cavalgadura, charlatão, chulo, cínico, complexado, contagioso, crasso, cruel. Daninho, dantesco, debochado, degenerado, degradante, delinquente, demagogo, depravado, desbocado, desequilibrado, desleal, déspota, desprezível, desqualificado, destrutivo, desumano, doente.

Ególatra, embusteiro, energúmeno, estafermo, esterco, estúpido, execrável. Falso, fanfarrão, farsante, frio, funesto. Grotesco. Hediondo, hiena, hipócrita, histérico, horroroso. Ignóbil, imbecil, imoral, ímpio, indecente, indecoroso, indefensável, indigno, inescrupuloso, infame, iníquo, insano. Jerico, Judas, jumento. Lesivo, lixo, lunático. Malévolo, malfeitor, mesquinho, mitomaníaco, monstruoso, mula sem cabeça. Narcisista, nauseabundo, necrófilo, nefasto, néscio, nojento.

Obsceno, obscurantista, odioso, oportunista. Paranoico, parasita, pária, parvo, patife, peçonhento, pernicioso, perverso, pilantra, pornográfico, primário, pulha, pústula. Rastaquera, recalcado, reles, repelente, réprobo, repulsivo. Safado, selvagem, sociopata, sórdido. Tétrico, tirano, torpe, tosco, traíra, trambiqueiro. Ultrajante. Vândalo, vigarista, vulgar. Xarope. Zoilo.

Com o perdão dos assassinos, necrófilos, bestas-feras e quaisquer categorias que se sintam ofendidas.

Novos xingamentos contra Bolsonaro

Desde sua posse, Jair Bolsonaro já foi chamado de cretino, grosseiro, despreparado, irresponsável, omisso, analfabeto, homófobo, mentiroso, escatológico, cínico, arrogante, desequilibrado, demente, incendiário, torturador, golpista, racista, fascista, nazista, xenófobo, miliciano, criminoso, psicopata e genocida. Os autores dessas desqualificações são cidadãos comuns que escrevem mensagens para os jornais, produzem memes e entopem as redes sociais. Está tudo registrado e seria divertido ver o governo processar tal multidão.

Nenhum outro governante brasileiro foi agraciado com tantos epítetos, a provar que a língua é rica o bastante para definir o pior presidente da história do país. Mas é inútil, porque nada ofende Bolsonaro. Ele se identifica com cada desaforo.

Afinal, foi quem rebaixou o Brasil ao nível de estrebaria de quartel, ao inundar os lares com um vídeo sobre golden shower, chamar um jornalista para a briga (“Minha vontade é encher a sua boca de porrada!”) e ejacular mais palavrões numa reunião ministerial do que em todas as reuniões ministeriais somadas desde 1889.

Seus seguidores absorvem tudo isso porque ainda acreditam que ele livrou o Brasil da corrupção. Não se perturbam com o fato de que Bolsonaro subverte as leis para impedir que seus filhos se sentem no banco dos réus —por corrupção. E não percebem que ele é que é, ao contrário, o grande corruptor —da Justiça, do Exército, da diplomacia, do meio ambiente, da saúde. É o Midas do terror. Ao seu toque, tudo ganha cheiro de vela e se decompõe.

Nos últimos dias, Bolsonaro ganhou dois novos epítetos populares. Um, o de covarde, ao jogar a culpa por seus crimes nos ministros que ele mesmo escolheu e doutrinou.

Outro, e que só agora começa a ser percebido por seu próprio público, o de traidor, ao se pôr de quatro diante dos países, pessoas e instituições que ele ordenou odiar.

Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Lambanças de Bolsonaro e Pazuello

Ruy Castro 

Eles deixam muito mal o conceito que os militares fazem de si mesmos

Se Jair Bolsonaro fosse presidente durante a 2ª Guerra e Eduardo Pazuello seu chefe do Estado Maior, os pracinhas mandados pelo Brasil para lutar na Itália teriam ido parar no Congo Belga. Ou a FEB só desembarcaria no famoso teatro de operações depois de a peça terminada —com o que, sob Bolsonaro e Pazuello, o Brasil teria sido protagonista de uma ópera-bufa, não de uma saga de que os militares tanto se orgulham. É como combatem a pandemia.

Mas não são só as trapalhadas. Bolsonaro e Pazuello não gostam de máscaras, e com razão. Elas são desconfortáveis para seus narizes de Pinóquio, mais compridos do que as pernas —suas mentiras têm pernas tão curtas que, todo dia, eles são obrigados a desdizer-se e a negar não só as frases da véspera como suas próprias negações. O que, para eles, não é difícil, porque, sendo Pinocchio um boneco de pau, o nariz e a cara também são.

Como a inteligência militar é binária —uns mandam, outros obedecem, segundo o categórico Pazuello—, é natural que as Forças Armadas assistam sem tugir ou mugir às grandes lambanças em curso pelo seu chefe supremo e pelo mamulengo que ele nomeou para um cargo-chave. Mas, neste momento, é irresistível perguntar o que estarão achando de Bolsonaro agarrar-se desesperadamente a um produto que ele não queria, repudiou e quase proibiu —a vacina, e logo a do Butantan—, e de depender da condescendência da China, país que ele e seus dementes levaram dois anos agredindo.

Bolsonaro e Pazuello deixam muito mal o conceito que os militares fazem de si mesmos —conceito que, aos olhos deles, os torna tão superiores a nós, paisanos, em competência e lealdade. Com aqueles dois como modelo, como sustentar tal ilusão?

A competência é essa que está aí. Quanto à lealdade, logo veremos Bolsonaro passar sua culpa adiante e jogar o patético Pazuello na fogueira. É rapidinho.



Ricardo Cammarota/Folhapress

domingo, 10 de janeiro de 2021

Colunista da Folha de S. Paulo recomenda que Trump e Bolsonaro suicidem-se

Saída para Trump: matar-se

Ruy Castro
E, como Bolsonaro copia tudo que ele diz e faz, poderia segui-lo também nesse gesto
Enquanto não entregar as chaves da Casa Branca no próximo dia 20, Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos em exercício, continua na posse de seus poderes. E isso é o que muitos temem. Trump é hoje um perdedor ainda com o dedo no gatilho. Se quiser jogar uma bomba no Irã, dispõe dos códigos necessários. A esperança é que esteja tão deprimido que não reúna forças nem para se olhar ao espelho. Pois, se for o caso, Trump teria uma saída capaz de fazer dele um herói, um mártir, um ícone eterno para seus seguidores idiotizados. Matar-se.

Nós, brasileiros, sabemos que é uma boa ideia. Ao suicidar-se, em 1954, Getulio Vargas zerou sua antiga imagem de torturador e sanguinário, simpático ao fascismo, e se eternizou como o velhinho bonachão e progressista vítima do capitalismo internacional assassino. Getulio soube fazer --escreveu uma carta-testamento com a frase "Deixo a vida para entrar na história" e deu um tiro no coração. Infalível para produzir milhões de viúvas.

Mas o tiro precisa ser no coração, não na cabeça. Este só faz uma lambança, com sangue, miolos e cacos de osso para todo lado. Já o tiro no peito é clean. Mantém o rosto intacto, apto a servir de modelo para uma máscara mortuária e futuros bustos e estátuas, indispensáveis à lenda. Para Trump, teria também a vantagem de não lhe desfazer o penteado.

No Brasil, Jair Bolsonaro, seu último aliado no mundo, repete como um papagaio que Trump foi roubado nas eleições e já começou a anunciar que, em 2022, o mesmo acontecerá aqui. O falso alarme de Bolsonaro é preventivo --visa justificar sua possível derrota.

Pois sua prevenção poderia ser ainda mais radical. Se Trump optar pelo suicídio, Bolsonaro deveria imitá-lo. Mas para que esperar pela derrota na eleição? Por que não fazer isso hoje, já, agora, neste momento? Para o bem do Brasil, nenhum minuto sem Bolsonaro será cedo demais.


sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Focinheira, camisa de força e jaula

Ruy Castro

É a receita para Bolsonaro, oferecida por um psiquiatra com quem conversei

Em sua guerra contra o povo brasileiro, Jair Bolsonaro ganha cada vez mais posições. O Poder Executivo lhe pertence pelo voto, e seu cartel de apoiadores continua firme, composto de uma multidão de mulheres de malandro —Bolsonaro os trai diariamente, renegando suas promessas de campanha, e eles gostam.

Em dois anos de administração, não se conhece uma medida positiva de sua parte. Ao contrário, dedica-se a destruir tudo que o Brasil levou séculos para construir na educação, na cultura, no meio ambiente, na diplomacia, nos direitos humanos e na relação entre as pessoas. Sua meta é que se matem pelas ruas, a tiros entre si ou pela polícia, esta, a depender dele, com carta branca para disparar.

No Legislativo, Bolsonaro usa o dinheiro público para ir às compras e embolsar políticos. Precisa deles para se proteger contra possíveis ameaças de impeachment e, num lance decisivo, está a ponto de emplacar um presidente da Câmara sensível à voz do dono. Com isso serão dois Poderes sob seu controle. E, no Judiciário, já tem elementos infiltrados na Procuradoria-Geral, na Polícia Federal, na Agência Brasileira de Inteligência e até no STF, para garantir que as acusações contra ele e seus filhos morram na praia. Some-se a isso seu controle do Exército, das polícias militares e de um batalhão de milicianos digitais para nos perguntarmos por quanto tempo ainda teremos democracia.

Mas nada se compara à sua campanha para induzir o Brasil a não se vacinar contra a Covid. É seu preço final contra as derrotas que os fatos lhe impõem e que o obrigam a desdizer-se. OK, o vírus não é uma gripezinha, não está no finalzinho e a vacina vem aí. Mas, diz ele, quem quiser tomá-la será por sua conta e risco —com o que já levou milhões a temê-la.

Bolsonaro é letal no que diz e faz. Consultei um psiquiatra e ele me afirmou que é caso para focinheira, camisa de força e jaula.

domingo, 6 de dezembro de 2020

Os médicos sobre Bolsonaro

Máfia fascista de branco protesta contra Mais Médicos

Ninguém mais autorizado a julgar o papel dele na pandemia

Dos 57,8 milhões de votos despejados em Jair Bolsonaro em 2018 pelos brasileiros que queriam se livrar do PT, milhares terão sido de médicos, dos estudantes de medicina e de toda espécie de profissionais da saúde, de cientistas recordistas em Ph.D ao mais humilde servente de um hospital. Ninguém, claro, poderia adivinhar que, em um ano e meio, o mundo seria varrido por uma pandemia. Mas, sendo médicos, nenhum terá suspeitado de que estavam elegendo um demente?

Eu me pergunto se, hoje, heróis da linha de frente contra a Covid-19, algum deles tem dúvida. Mais do que todos, eles sabem que, no governo, está alguém que, entre o vírus e o povo, escolheu ficar a favor da morte.

Bolsonaro negou a gravidade do problema, insultou os coveiros, promoveu aglomerações e espalhou desinformação sobre o distanciamento, a higienização e o uso da máscara. Jogou com a vida dos que acreditaram num remédio inócuo, a cloroquina, e nisso comprometeu o Exército e o SUS. Desmoralizou os médicos ministros da Saúde e trocou-os por um general da ativa incapaz de distinguir entre um vírus e um piolho, mas disposto a cuspir na própria farda para servi-lo.

O dito general da passiva mentiu sobre o número de casos, ignorou medidas que permitiriam seguir a evolução da doença e deixou mofar milhões de testes que ajudariam a salvar vidas. Quanto a Bolsonaro, depois de chamar nossos mortos de maricas e atribuir poderes políticos às vacinas, dedica-se agora, negando uma cultura de 100 anos, a minar a confiança nelas. Por ele, a pandemia nunca será superada.

Seria urgente saber o que a comunidade médica, por seus conselhos, institutos e organizações, tem a dizer sobre Bolsonaro nessa tragédia. Ninguém mais autorizado do que ela a calcular quantos, entre os até agora mais de 175 mil brasileiros mortos pela Covid, caíram pela ação ou inação do homem que vários de seus membros ajudaram a eleger.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Todos os fãs de Bolsonaro

Ruy Castro

Iludem-se os que acreditam que Jair Bolsonaro só tem adeptos entre a meia dúzia que vai vê-lo quando ele sai do Alvorada para, digamos, trabalhar. Bolsonaro tem seguidores em muitas categorias. Eis algumas.

Pecuaristas, madeireiros, garimpeiros, grileiros e incendiários infiltrados na Amazônia, no Pantanal, na mata atlântica, nos manguezais, restingas, dunas, terras indígenas e quaisquer santuários que possam ser destruídos e enriquecer amigos. Ex-cupinchas da Velha Política, sempre prontos a ser comprados. Profissionais das bancadas do boi, da bala e da Bíblia. Assessores de gabinete dispostos a ceder 80% de seus salários pagos com dinheiro público, lavá-los e depositá-los nas contas de seus familiares. Formadores de quadrilha, praticantes de peculato e operadores de esquemas, investigados, denunciados ou réus em ações judiciais. Juízes complacentes e advogados corruptos. Lobistas diversos, íntimos dos 01, 02 e 03.

Militares ideológicos, fãs confessos de torturadores, ou apenas oportunistas, a fim de cargos no governo. PMs expulsos, delegados venais, chefes de milícias e matadores de aluguel, presos ou foragidos. Fabricantes de armas e "colecionadores" das ditas. Pastores evangélicos, animadores de televisão, cantores sertanejos e promotores de rodeios, todos felizes beneficiários das novas mamatas.

Negacionistas, homófobos, terraplanistas, camelôs de cloroquina, disparadores de fake news, linchadores virtuais, incineradores de livros, fascistas assumidos e odiadores por atacado. E uma próspera alcateia de bolsonaros, composta de filhos, mulheres, ex-mulheres, mães, noras e aliados do presidente, dedicados a vultosas transações com dinheiro vivo e sem explicação contábil, às vezes transportado entre as nádegas.

Bolsonaro tem também seguidores bem intencionados, que não se veem nas categorias acima e acham que, com ele, a corrupção acabou.

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Janis Joplin e sua biografia amputada

 Ruy Castro

Novo livro sobre a cantora minimiza 'um dos períodos mais felizes de sua vida'

​Janis Joplin, estrela do rock morta há 50 anos, acaba de ganhar uma biografia de 400 páginas, “Janis Joplin: Sua Vida, Sua Música”. A autora, jornalista Holly George-Warren, dedica quatro páginas à sua vinda ao Brasil no Carnaval de 1970, seis meses antes de morrer. Janis ainda não era tão famosa, donde pôde circular com desenvoltura pelo Rio e por Salvador durante semanas. E adorou.

Em entrevista ao repórter Thales de Menezes no dia 4 último, Holly disse que, para Janis, sua estadia sem compromissos entre nós foi “um dos períodos mais felizes de sua vida”. Meses depois de voltar para casa “ainda falava a toda hora no Brasil”, tanto para a revista Rolling Stone quanto em talk shows de TV. Nem suas triunfais excursões a trabalho na Europa tinham-lhe provocado “o mesmo entusiasmo que o Brasil”. A escritora não tem dúvida de que, se tivesse sobrevivido, Janis viria morar aqui. “Ela falava isso, estava decidindo em que lugar do Brasil gostaria de morar”, afirmou.

Puxa! Tanta vibração, euforia e felicidade —a apenas seis meses da morte da biografada por uma overdose de álcool e heroína—, e tudo resumido em quatro páginas num livro de 400? Thales perguntou a Holly sobre isso. Ela admitiu que “tinha muito mais a dizer sobre a viagem”, mas seus editores consideraram a versão original “muito longa” e ela teve que fazer “alguns cortes”. Modéstia de Holly. Ela amputou seu livro de um período essencial.

Uma biografia submetida a esse tipo de corte torna-se automaticamente suspeita. O que mais a autora deixou de fora?

Há anos, uma importante editora de Nova York interessou-se por minha biografia de Carmen Miranda. Eu só teria de cortar 30% do livro, de preferência “a parte sobre o Brasil”. Agradeci e recusei. Se aqui devoramos a vida de qualquer roceiro do Utah ou do Idaho, não é justo que os americanos nos considerem tão indignos de suas páginas.

Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Bolsonaro quer transformar índios em milicianos e vagabundos


Liberdade para se deixar exterminar

Ruy Castro

Bolsonaro diz que os índios estão cada vez mais iguais a ele. Se for, que destino terrível 

Em live na última quinta-feira (24), Jair Bolsonaro declarou que o índio "evoluído" deveria ter "mais liberdade sobre sua terra". Ao seu lado, o destruidor do Meio Ambiente, Ricardo Salles, dava seu aval à ignorância presidencial. Essa fala ecoou uma anterior, de janeiro, em que Bolsonaro disse: "Cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós. Vamos fazer com que o índio se integre à sociedade e seja realmente dono da sua terra indígena, isso é o que a gente quer".

A gente quem, cara-pálida? Nenhum antropólogo digno de seu diploma concordará com uma só de suas palavras. A "evolução" que Bolsonaro atribui ao índio é a de expor-se de vez às mazelas da civilização, como doenças, alcoolismo e mendicância. A "liberdade" que visa conceder-lhe, ao torná-lo "dono da sua terra", é a de deixar-se tapear e exterminar pelos invasores, pecuaristas, madeireiros, garimpeiros, grileiros, jagunços e outras categorias de quem ele, Bolsonaro, é tão próximo.

Atribuir à ignorância a política mortal de Bolsonaro para o índio é quase um gesto de boa vontade. Supõe que ela se deva apenas ao seu bestial desconhecimento do assunto —um dia saberemos. Mas espanta que os generais que sustentam seu governo tenham esquecido os ensinamentos de um homem que, até há pouco, era um de seus modelos: o marechal Candido Rondon.

"Nosso papel social deve ser simplesmente proteger, sem procurar dirigir nem aproveitar essa gente", disse Rondon em 1912, pela voz de outro grande brasileiro, Edgard Roquette-Pinto. "Não devemos ter a preocupação de fazê-los cidadãos do Brasil. Índio é índio, brasileiro é brasileiro. A nação deve ampará-los e mesmo sustentá-los, assim como aceita, sem relutância, o ônus da manutenção dos menores abandonados, dos indigentes e dos enfermos".

Para Bolsonaro, o índio é "cada vez mais" um ser humano "igual a ele". Se isso for verdade, que destino terrível.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Ele é o golpe

Ruy Castro

O Executivo já é de Bolsonaro; o Legislativo foi comprado; só falta agora dominar de vez o judiciário. 

A receita para o desmonte da democracia por Jair Bolsonaro, de infiltrar-se nos poderes para miná-los e dominá-los, está-lhe saindo melhor do que ele esperava.

O Executivo nunca foi problema. Como presidente, ele já lhe pertencia, bastando-lhe desmontar o aparelhamento anterior e instalar o seu —o que tem sido feito à custa até dos quadros mais neutros e técnicos, substituídos por jagunços estranhos às funções. É um desastre para o país, mas, para Bolsonaro, e daí? O Legislativo, por sua vez, pode ser comprado —como ele bem sabe por ter feito parte dele durante 30 anos— e efetivamente já o foi, com a distribuição de cargos e verbas. Cargos e verbas, aliás, com que, aproveitando o carrinho entre as gôndolas, Bolsonaro tirou também o Exército da prateleira e o jogou no meio das margarinas.

Por fim, o poder mais resistente, o Judiciário, logo estará igualmente sob seu controle, com as nomeações de mais alguns togados decisivos e a adesão de outros. Nesse caso, o interesse de Bolsonaro não é mais blindar-se contra as investigações sobre as promíscuas negociatas de seus filhos, mulheres, ex-mulheres, noras e mães uns dos outros. O que lhe importa agora é garantir-se nas várias instâncias da lei em suas investidas contra a Constituição.

Para isto, Bolsonaro conta com o acoelhamento definitivo do Supremo —o mesmo que, num vídeo, ele comparou às hienas, invadiu seu recinto com uma galera, omitiu-se quando um de seus filhos ameaçou mandar um soldado e um cabo para fechá-lo, protegeu os terroristas que dispararam contra o seu prédio e apoiou um esbirro que chamou os ministros de “vagabundos”. O que falta ainda? Só mesmo Bolsonaro, em pessoa, sair à noite, munido de spray, e pichar-lhe a fachada.

Ou não mais. A historiadora Lilia Schwarcz disse esta semana no programa de TV “Roda Viva” que Bolsonaro já não precisa dar o golpe —“Ele é o golpe”

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Dinheiro na mão dos Bolsonaros

Ruy Castro

Eles não acreditam em cartões ou transferências; no máximo, cheques

No começo, você sabe, tudo era dinheiro, desde uma vaca até um saco de sal. Depois vieram as barras de ouro, que, por muito pesadas, foram convertidas em moedas e, estas, em dinheiro de papel. O qual, após longo reinado, converteu-se em cheques, cartões de crédito e, agora, transferências digitais. A história do dinheiro é a da sua progressiva redução a algo simbólico, imaterial.

Não para a família de Jair Bolsonaro. Seus membros são fiéis ao dinheiro de papel. Transações que poderiam se realizar com um clique exigem, para eles, o trânsito de um pesado volume de cédulas, de um bolso ou carteira para outro, além do trabalho de contá-las. Um pagamento de R$ 100 mil constará de mil notas de R$ 100, a serem conferidas umedecendo os dedos numa esponja ou, como eles devem fazer, lambendo-os.

Flávio Bolsonaro, então deputado estadual, comprou em 2008 várias salas num centro comercial do Rio por R$ 86,7 mil em dinheiro vivo, que pediu emprestado ao pai, a um irmão e a um assessor do pai, enfiou numa sacola e levou ao caixa do banco. Em 2011, sua mulher, Fernanda Bolsonaro, foi agraciada com depósitos de R$ 89 mil igualmente em espécie por seu generoso ex-motorista Fabrício Queiroz, depósitos de que Flávio, marido distraído, disse que nunca ficou sabendo.

Em 1996, Rogéria Bolsonaro, primeira mulher de Bolsonaro, comprou um apartamento em Vila Isabel, à vista e com dinheiro vivo, por R$ 95 mil. Anna Cristina Valle, segunda mulher de Bolsonaro, também comprou 14 imóveis no Rio entre 1998 e 2008, num total de R$ 5,3 milhões, boa parte em dinheiro. Diante disso só se pode elogiar Michelle Bolsonaro, atual mulher do homem —pelo menos os R$ 89 mil que caíram em sua conta entre 2011 e 2016, cortesia idem de Queiroz, foram em cheque.

Notar que esses valores, atualizados, se multiplicariam e exigiriam muito mais cédulas. Sem problema. Os Bolsonaros gostam de pegar em dinheiro.

Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues 

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Bolsonaro pode estar certo

Sua frase de que o brasileiro se joga no esgoto e não acontece nada todo dia se confirma

Jair Bolsonaro disse que o brasileiro se joga no esgoto e não acontece nada. Bolsonaro deve saber —porque, no caso dele, é verdade. Basta ver seus amigos: políticos rastaqueras, policiais desonestos, milicianos condenados, assessores corruptos e industriais da violência. Até seus ex-vizinhos na Barra têm contas com a lei. Um presidente da República com acusados de assassínio na casa ao lado? Para Bolsonaro, é normal. Imagino seus churrascos com eles no condomínio, discutindo duplas sertanejas, o último programa do Ratinho ou um novo modelo de fuzil.

Daí não surpreende que seu governo inclua as piores pessoas do país. Ele não conhece outras. Dizia-se que dois ou três de seus ministros eram pessoas bem intencionadas. Mas pessoas bem intencionadas não se sentam a uma mesa com Ricardo Salles, Damares Alves, Ernesto Araújo, André Mendonça e Marcelo Álvaro Antônio —como a reunião ministerial de 22 de abril, ainda abrilhantada por Abraham Weintraub, tão bem demonstrou.

Quando Bolsonaro tentou obrigar seu então ministro da Saúde, Henrique Mandetta, a tomar medidas que contrariavam o juramento médico, falou-se que, se se submetesse, Mandetta estaria rasgando seu diploma. Não se submeteu, foi despedido e saiu com o diploma intacto. Seu sucessor, Nelson Teich, também médico e submetido à mesma indignidade, saiu antes de manchar o diploma. O general Eduardo Pazuello, que o substituiu, não tem diploma médico para proteger. Apenas uma farda, que mandará para a lavanderia.

A intimidade com Bolsonaro não compromete só diplomas e fardas. Torna as togas também sujeitas a respingos. Não que alguns de seus ocupantes, como o procurador-geral Augusto Aras, e o presidente do STJ, João Otavio de Noronha, estejam preocupados. A vaga no STF lhes exigirá, de qualquer maneira, uma toga nova.

Pensando bem, todo dia se confirma a frase de Bolsonaro.


Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Por que só Bolsonaro no Tribunal de Haia?

Ruy Castro

Por que só Bolsonaro?

O Tribunal de Haia deveria reservar um lugar também para os executores de sua política

O Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, recebeu as acusações contra Jair Bolsonaro de crimes contra a humanidade no contexto da pandemia. Foram levadas por entidades brasileiras que representam mais de um milhão de profissionais da saúde, responsabilizando-o pela morte de milhares no país por sua ação ou omissão. Matar não se limita a um tiro à queima-roupa.

Pode-se escolher entre as práticas de Bolsonaro desde a chegada da Covid: piadas com o vírus, minimização de seu perigo, desinformação deliberada sobre ações de prevenção, desprezo por medidas nacionais que amenizassem a quebra da economia, recusa em aceitar as orientações dos órgãos internacionais, instigação à desobediência dessas orientações, desmoralização dos encarregados por ele próprio de dirigir a saúde e sua substituição por estranhos à matéria, fazer propaganda falsa de remédio, debochar das vítimas da doença, indiferença quanto ao destino da população que jurou proteger. Com tudo isso ao alcance de seu poder, quem precisa de arminha?

Mas não nos iludamos. Os trâmites do tribunal são lentos e talvez só cheguem a uma conclusão quando um dos dois já tiver acabado, o mandato de Bolsonaro ou o Brasil --o que vier primeiro. Mas seria um consolo ver no banco dos réus, nem que fosse por uma sentada, os responsáveis pela maior calamidade pública na história deste país.

O que, como aconteceu em outros tribunais internacionais, deveria reservar lugar também a executores de sua política. Isso incluiria o general Eduardo Pazuello, que pôs a farda a serviço da farsa, estimulando o uso de medicamento impróprio e arriscado, sonegando informações sobre a evolução da crise, recusando-se a prestar contas diárias à sociedade e cercando-se de colegas de quartel, talvez para dividir sua responsabilidade.

Mas, você sabe, Haia é uma cidade pacata, com seu ritmo próprio.

Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues 

sexta-feira, 24 de julho de 2020

A arte de matar no peito


Ruy Castro
O Brasil está cheio de craques em amortecer processos no tórax e fazê-los escolher rumo ao nada
É possível que, entre as contribuições do Brasil ao futebol, esteja a de matar a bola no peito. Os entendidos falam de doutores na matéria, como, entre outros, Domingos da Guia, Mauro, Orlando, Luis Pereira e Aldair, além dos que acrescentaram à jogada um toque de gênio: fazer isso dentro da pequena área, direto para o goleiro. Mas, na arte de matar no peito, ninguém se compara aos nossos juristas. Raros os processos que eles não amorteçam na caixa e deixem escorrer mansamente em direção ao nada.

O ministro do STF Luiz Fux, a quem se atribui a expressão entre seus pares, matou no peito, há um ano, a primeira tentativa de investigar as trampolinagens de Fabrício Queiroz em prol do então deputado Flávio Bolsonaro. Aliás, tudo o que se refere aos Bolsonaros tem sido um festival de bolas mortas no tórax de quem responde por elas.

Somente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já matou 48 até agora, equivalentes aos, por enquanto, 48 pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro, sobre os quais ele depositou o peso de seu cargo.

Dias Toffoli, presidente do STF, também é craque em matadas. Vide a decisão de obrigar a Lava Jato a abrir suas investigações para a PGR (Procuradoria-Geral da República), cujo titular, Augusto Aras, foi contratado exatamente para neutralizar jogadas com perigo de gol. Toffoli brilhou de novo esta semana ao atender ao pedido de Davi Alcolumbre, presidente do Senado, para impedir as buscas no gabinete do senador José Serra (PSDB-SP) —podiam encontrar alguma coisa.

Não esquecer os vários ministérios públicos e tribunais eleitorais, regionais, de contas e da Justiça —todos têm seus especialistas no lance. Além, claro, dos zagueiros de plantão nas muitas instâncias do Legislativo.

E, não por último, os militares. Por bem remunerada omissão, estão matando todas as bolas no peito, sem se importar que elas lhes deixem marcas na farda.

Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues 

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Nomes para impor respeito


Deve-se pensar bem antes de chamar alguém pelo apelido de infância. Ele pode achar coisa de viado
Outro dia escrevi que há muito deixei de me referir ao atual ocupante do Planalto como “Presidente Fulano de Tal”. Passei a tratá-lo apenas pelo nome e sobrenome e sem o “Sr.”, dispensável nas estrebarias. Da mesma forma, nunca me ocorreria citá-lo apenas por “Jair”. É uma intimidade que, por questões higiênicas, dispenso. E escrevi também que não me atreveria a chamar um de seus filhos, Carlos, de “Carluxo”, como fazem alguns. O nome sugere alguém humano, simpático, inofensivo. Não me parece aplicável ao personagem.

Houve tempo em que, diante da violência que começava a tomar o país, alguns jornais soltaram normas recomendando à Redação que evitasse chamar bandidos pelos apelidos com que eram conhecidos entre seus pares. Fernandinho Beira-Mar, Marcelinho Niterói e Lulu da Rocinha, por exemplo, soavam como nomes doces, quase cômicos. Outros pareciam ter saído de um programa de humor da TV ou de um desenho animado —Escadinha, Marcola, Bem-Te-Vi, Julinho Carambola. Não correspondiam à ferocidade de seus portadores e ao terror que infligiam às comunidades.

Bandido que se preza tem de ter nome de bandido, como Cara de Cavalo, Maníaco do Parque e Elias Maluco, ou currículo suficiente para ser temido apenas pelo próprio RG, vide Lucio Flavio, Mariel Mariscot, Hosmany Ramos.

O mesmo se dá hoje entre os milicianos, a organização mais próspera do Brasil e com aberta simpatia oficial. Alguns de seus mais famosos são conhecidos como Pogba, Bimbinha e Orelha, mas, com esses nomes bobos, eles nunca passarão do segundo time. Os acima de qualquer dúvida no crime atendem por Orlando Curicica, Capitão Leo, Cabo Biro e, claro, Ronnie Lessa. Não brinque com eles.

Daí convém pensar duas vezes antes de chamar alguém influente pelo apelido de infância. Sabe-se lá se, para Carlos Bolsonaro, o nome “Carluxo” não é coisa de viado?

Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues 

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Bolsonaro não quer compaixão

Ruy Castro
Não será surpresa se, ao se decretar 'recuperado', ele zombar dos que lhe desejaram saúde
Alguns leitores perceberam que há meses não me refiro ao ocupante do Planalto como “Presidente Jair Bolsonaro”. Trato-o como Jair Bolsonaro e dispenso-me do “Sr.” —afinal, ele não se comporta como tal. Basta-me ser compulsoriamente presidido por ele, o que já é suficiente para asco, e isso não implica ter votado ou não em seu adversário —porque há 31 anos não voto em ninguém. A última vez foi no primeiro turno da eleição presidencial de 1989, e meu candidato não chegou ao segundo turno. Antes que me perguntem, informo que não foi o Enéas, embora, se eleito, ele não seria tão nefasto quanto o elemento que hoje dita a destruição do Brasil.

Da mesma forma, ao me referir aos filhos de Bolsonaro, não me ocorre fazer como alguns colegas e tratar um deles, Carlos, por “Carlucho”. É um apelido benigno demais para indivíduo tão perigoso —o mais perigoso dos três que, em nome do pai, controlam o ministério, inspiram a operação das fake news, conspiram contra as instituições, falam grosso com o Exército e comandam o país a partir do porão. O nome “Carlucho” sugere algo vindo da infância e é difícil imaginar os filhos de Bolsonaro tendo infância.

A suposta contaminação de Bolsonaro pela Covid provocou manifestações de “direito à vida” e “pronto restabelecimento” até por seus críticos —mesmo que, no passado, ele tenha expelido votos de infarto e câncer para seus adversários políticos. E que, no próprio dia em que se declarou infectado, tenha debochado da doença, induzido milhões de pessoas a consumir um remédio inapropriado e, num ato de estudada crueldade, negado água potável e proteção às populações indígenas.

Bolsonaro é o primeiro a não querer despertar compaixão. Para ele, assim como o uso da máscara, isso deve ser “coisa de viado”.

Não será surpresa se, ao se decretar “recuperado”, Bolsonaro zombar dos que lhe desejaram saúde.