Enquanto isso, na alcova dos fascistas...

 

João Ximenes Braga

Sérgio Fernando estava saindo do banho, com dificuldade para enxugar as dobrinhas novas que surgiram com a bebedeira pesada em que recaiu depois de sair do governo.

— Estou muito angustiado, Rosange. Preciso encarar que fracassei.

— Não fala assim, Sérgio Fernando. Você perdeu o STF, perdeu a candidatura à presidência da República, mas foi bem recompensado com uma sinecura dos gringos. Nosso trabalho foi feito. A gente vai ser feliz na América do Norte.

Sérgio Fernando passava talco nas dobrinhas.

— Mas eu queria proteger vidas, fazer o bem. Pensa nesses pobres policiais do Rio de Janeiro. Tivesse passado o excludente de ilicitude, estariam dormindo tranquilos com suas famílias hoje. Como não passou, devem estar com medo de alguma punição.

— Punição? Por matar bandido no morro? Magina.

— Você prefere a cueca do Batman ou a do Super-Homem?

— Eu estou com enxaqueca, Sérgio Fernando. Pode botar uma Zorba qualquer.

— Eu também não estou com cabeça pra mais nada. Muito preocupado com esses policiais que fizeram seu serviço tão bem feito e tão sendo criticados. No Brasil é tudo invertido. Cê vê, o Diogo acabou demitido por causa do Kakay! Do Kakay! Aquele comunista que não entende nada de processo penal, fica falando em prova o tempo todo!

 — Sabe o que a Mirtes me disse? Que tão falando lá no bairro dela que foi o Messias que deu ordem pra essa operação no Rio. Tá acuado com a CPI, quis afrontar o Edson e abrir caminho pro autogolpe...

— Bobagem. Polícia tem que matar bandido, simples assim.

— Mas por essas e outras que eu falei no Insta que tava arrependida de votar no Jair. Repercutiu horrores!

— Já falei pra você desapegar da fama!

— Só um pouquinho...

— Depois, podem achar que você tava defendendo o Haddad. Virou petista!

— Credo! Eu torço pela terceira via, pô. O Luiz Henrique tá na crista da onda com a CPI. Se ele for presidente, pode te chamar pra ser ministro, aí você passa o excludente de ilicitude e acaba com a bandidagem no Rio de Janeiro! Mais uma capa da Time! Faz diferença! Homem do ano! Brotheragem com o Merval!

— Não achei nenhuma Zorba, vou na de Batman mesmo — disse Sérgio Fernando, tentando conter um sorriso de animação diante das possibilidades aventadas pela mulher. 

Ou, talvez, o que se via em seu rosto não era a tentativa de esconder um sorriso, mas a pura e simples ausência de lábios.