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quarta-feira, 12 de maio de 2021

A epidemia vai morrer de morte morrida, não matada por ação de governo


Vinicius Torres Freire

Ainda na pior fase, país tem 2 mil mortes por dia e deixou de agir para matar a doença

Estamos cansados de distanciamento, de medo de perder o emprego ou o negócio, de mortes. Há sempre um escândalo ou ultraje novo que abafa o horror ou a mutreta da semana passada. O conjunto da ruína soterra no esquecimento outros desastres. Quem ainda se comove com o desmatamento crescente, “recorde”, da Amazônia? Assim é também com as mortes de Covid e a vacinação lenta.

A epidemia está em um nível de morticínio que, até a metade de março, era o recorde e causava escândalo, provocava panelaço e incentivou a instalação da CPI. São ainda mais de 2.000 mortes notificadas por dia no Brasil. A estatística funérea caiu bastante desde o pico do horror (meados de abril), uns 33%. Mas, no ritmo em que vamos, ainda em meados de junho teremos mil mortes por dia, como em janeiro, que por sua vez contava o dobro do número de mortes de novembro, no entanto.

E daí?

Não sabemos se o número de mortes vai continuar caindo nesse ritmo já lento. Faz cerca de duas semanas, o número de novas internações por Covid em UTIs no Estado de São Paulo está praticamente estável (em torno de 2.235 por dia, muito acima da média de 1.500 por ainda de fevereiro).

Pode ser que a “fila esteja andando”. No último auge da epidemia, muitos doentes não conseguiam leitos de terapia intensiva, agora mais disponíveis. Ou seja, o número de internados e, pois, de doentes muito graves era subestimado e agora pode estar superestimado. Mas não sabemos.

Ainda estamos na pior fase da epidemia, que começou em meados de março. Ajuda ou deveria ajudar a nos lembrar que não foi adotada nenhuma das grandes providências para conter o morticínio. O tal “comitê nacional” de Jair Bolsonaro e seus cúmplices no Congresso, sobre o que houve tanta fanfarra, era uma farsa. Não houve aceleração na oferta de vacinas —é bem provável que neste maio tenhamos mais doses do que em abril, mas junho é uma incógnita tétrica.

Boa parte da economia (negócios de alimentação, entretenimento, turismo) não voltará a funcionar em parte ou totalmente (espetáculos, feiras de negócios) enquanto não se controlar a epidemia, está todo mundo também cansado de saber. Adianta fazer o alerta? Cada vez menos. A inação fundamental continua.

A CPI é necessária para responsabilizar política e criminalmente o governo Bolsonaro, mas não tem como resolver o problema prático. A ação depende de planos nacionais de pesquisa, rastreamento, testagem, de contenção de circulação de pessoas e até de barreira contra a entrada de novas variantes. Ninguém aguenta mais ouvir falar disso, mas nada disso foi feito nacionalmente.

A epidemia vai definhar por si mesma, com ajuda de vacinas, se não aparecer variante assassina nova. Embora não se saiba precisamente quanto, os infectados ficam imunes; a metade adulta do país deve estar vacinada até fins de julho —o vírus vai matar menos por esgotamento, pois. Até lá devem morrer mais 125 mil pessoas, por baixo. Lembram de quando o país chegou com horror a 100 mil mortes, em agosto de 2020?

Não se sabe se vai ter consequência o escândalo do orçamento “Bolsolão”, revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo. Em breve, talvez nesta semana mesmo, teremos o escândalo do desmonte da lei de licenciamento ambiental, que está para ser votada por estes dias. Daqui a mais um pouco, pode passar a lei da grilagem, presente para os amigos de Bolsonaro. Ah, já estamos esquecendo da matança do Jacarezinho, “tudo bandido”, né? Quando voltarmos a mil mortes de Covid por dia talvez se faça uma festa pela “volta à normalidade”.

domingo, 9 de maio de 2021

Mortos de fome, de Covid, a bala, muitos pobres não largam Bolsonaro

Vinicius Torres Freire

Foram eles que mais perderam emprego e renda na epidemia, os que mais ficaram sem escola ou mesmo merenda

Pouco antes do segundo turno de 2018, o Datafolha perguntou qual era o candidato a presidente que mais defendia os ricos. Deu Jair Bolsonaro com 55% e Fernando Haddad (PT) com 22%.

Quem mais defendia os pobres? Haddad, 54%, Bolsonaro, 31%. Os mais pobres, com renda familiar de menos de dois salários mínimos, eram algo mais estritos na definição de classe: Bolsonaro defendia os mais ricos para 59%, Haddad defendia os mais pobres para 60%.

“Tudo bandido”, disse Hamilton Mourão sobre os mortos do bairro pobríssimo e apartado do Jacarezinho (“apartado” também no sentido de “apartheid”).

No que interessa aqui, tanto faz qual era a situação jurídica das vítimas do massacre: tanto fazia para Mourão. No universo mental bolsonariano atira-se primeiro, esquece-se depois. Os pobres e apartados em geral são “tudo bandido”, filho de porteiro que tira zero, empregada que viaja para fora, filho desajustado de mãe solteira, quilombola gordo imprestável etc. Tudo isso é mui sabido, inclusive o autoritarismo da turma: naquele Datafolha, Bolsonaro era o mais autoritário para 75%.

Nem o insulto bolsonarista nem a injúria da vida dura bastam para fazer com que os pobres larguem de vez Bolsonaro. É ingenuidade citar estatísticas socioeconômicas para explicar bolsonarices, mas convém lembrar delas.

Foram os pobres que mais perderam emprego e renda na epidemia, bidu, os que mais ficaram sem escola ou mesmo merenda. Segundo os estudos disponíveis (com dados do ano passado), são os que mais adoecem e morrem de Covid-19.

Nos últimos 12 meses, a inflação média para pessoas de renda muito baixa foi de 7,2%; para as de renda alta, 4,7% (dados da Carta de Conjuntura do Ipea). Desde que Bolsonaro assumiu, a inflação média (IPCA) acumulada foi de 11,2% —o salário médio subiu menos do que isso, o dos mais pobres, informais, menos ainda, isso quando têm renda de trabalho. A inflação média da comida foi de 28,9%.

Apenas entre os mais pobres Haddad deve ter vencido a eleição, segundo o Datafolha da véspera da votação de 2018. No Datafolha mais recente, de março, 30% do eleitorado dá “ótimo/bom” a Bolsonaro, com diferenças estatisticamente irrelevantes entre as classes de renda. Mas a taxa de decepção com Bolsonaro é muito maior entre os mais ricos (medida pela diferença entre a parcela dos que dão nota “ótimo/bom” agora e a votação em 2018).

Os pobres das grandes cidades vivem sob ocupação de milícias e facções, que são também polícia do Estado de terror. A milícia é um modo alternativo de ascensão social, por assim dizer, de ex-militares de baixa patente e agregados, a mobilidade de parte do precariado. Já tem vínculos firmes com a política municipal de regiões metropolitanas, avança nas Assembleias e pôs um pé no Congresso e no poder federal, vide os Bolsonaro.

A ocupação dos bairros pobres assim se institucionaliza, também no sentido de ter apoio estatal permanente. Em um movimento de pinça, os Bolsonaro apoiam tanto matanças policiais como milícias nos bairros pobres. Apresentadores de TV sanguinários fazem a propaganda do bolsonarismo político e militar-miliciano.

É fácil perceber que diagnósticos socioeconômicos não ajudam a explicar a persistência do bolsonarismo popular, como não explicavam parte da política, digamos, normal. Mas cabe a pergunta, que não é acadêmica: por que não explicam?

É assunto para outro dia, mas bolsonarismo tem a ver com machice, ressentimentos e medos reativos vários, religião e autoritarismo “raiz”. Mas também é revolta contra o “sistema” que larga os pobres à própria sorte, revolta que pode ter essa ou aquela conformação, autoritária ou outra, a depender da conjuntura e da política, de esquerda em particular.

Quem é que vai “lá” falar com os pobres?​

domingo, 2 de maio de 2021

Paulo Guedes não sabe o que diz sobre saúde, pobres e não sabe o que faz

Vinicius Torres Freire

Ministro nada sabe sobre política pública e vive de fantasia caricata reacionária

“Pobre? Está doente? Dá um voucher para ele. Quer ir no Einstein? Vai no Einstein. Quer ir no SUS, pode usar seu voucher onde quiser”, disse Paulo Guedes em seu mais recente surto de ignorância e horror a pobre.

Estritamente falando, um voucher é um vale, como um vale-refeição. No desvario de Guedes, “um pobre” receberia um vale-saúde para se tratar onde quisesse, no SUS ou no Einstein, um dos grandes e excelentes hospitais privados de São Paulo. Nem Guedes deve acreditar estritamente nessa idiotice. Mas argumente-se por absurdo e a favor do ministro.

O setor público gasta por ano 3,9% do PIB em saúde (na média trienal até 2017, do IBGE, ou até 2018, da OMS). Equivale a uns R$ 1.380 por pessoa, R$ 115 por mês. Dá para pagar um plano de saúde dos mais baratos, sem contar coparticipação, com serviço inferior ao do SUS. Daria um pouco mais por pessoa caso o dinheiro todo fosse reservado para quem ora não tem plano de saúde (71,5% da população, segundo o IBGE).

O vale-plano-de-saúde não daria para escolher o Einstein, ocioso ressaltar, nem o SUS. Não haveria mais SUS. O dinheiro da saúde pública teria sido confiscado pelo vale-guedes. Não haveria mais serviço público de vacina, de emergência (ambulância, PS), remédio, exame, nada. Se o seu plano baratinho não cobrisse certos tratamentos ou se você se arrebentasse em um local descoberto (quase todos), que você pagasse ou morresse.

Obviamente esse argumento é louco, simplificação da mais grosseira. Serve apenas para sugerir que a coisa não funciona assim, aqui ou alhures.

O gasto em saúde no Brasil já é majoritariamente privado (famílias, empresas, filantropia): 58% do total. Não é assim na Argentina (38%) ou no México (48,7%), menos ainda é o caso de França (27%), Reino Unido (21%) ou Alemanha (22%) e nem mesmo o do Chile (49,7%) e o dos EUA (49,6%). Na mão de um Guedes da vida (ou da morte) iremos na direção dos EUA, que tem um dos gastos em saúde mais ineficientes da OCDE (clube de três dúzias de países ricos).

Mas, afora para ricos, e olhe lá, o SUS é o recurso de primeira ou última instância, que banca tratamentos que muito plano não cobre, por falta de dinheiro ou competência. O SUS é uma rara preciosidade nacional, com problemas de administração, sim, mas não é conversa para o bico de Guedes.

A discussão não cabe em poucas colunas de jornal. A comparação entre sistemas nacionais de saúde, muito diversos, é complexa. Existem vários esquemas de financiamento público, com serviços quase todos prestados pelo setor privado, mas inteiramente pagos e vigiados pelo governo (Canadá), ou como o SUS original, estatal, do Reino Unido. Em geral, voucher, no sentido estrito, é alternativa parcial onde o sistema de saúde é tão precário que se dá um vale aos muito pobres de país muito pobre, na África ou na América Central.

O problema aqui é Guedes e seu mundo de caricaturas reacionárias. Não trata de assuntos de modo técnico: adora dar aulas magnas genéricas baseadas em suas fantasias liberalóides apodrecidas. Não propõe políticas públicas específicas e fundamentadas, com planos e apoio político para implementá-las.

Vive de tiradas, truques com os quais pensa engambelar o Congresso e mentiras lunáticas (trilhão de privatização, 44 milhões de testes de Covid, déficit público zero em um ano etc.). Adora velhos mitos extremistas da direita americana e tem saudade do Chile de Pinochet.

Essa barbaridade guedista, variação pedante do bolsonarismo dá mais pano para a manga. Vamos voltar a tratar disso.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Os testes das mentiras de Bolsonaro



Realidade ruim da fome, do ambiente e do Orçamento testam mentiras de Bolsonaro
Não será fácil ocultar realidade no preço da comida, no ambiente e do Orçamento
As mentiras de Jair Bolsonaro sobre a epidemia de Covid-19 até aqui foram de algum modo toleradas por cerca de 30% do eleitorado, que considera o desempenho do presidente “ótimo” ou “bom”. A inflação anual da comida passou de 20%, a maior desde 2003, mas a carestia também parece não ter abalado o ânimo daqueles 30%. Mesmo em assuntos de vida e morte, a realidade dura não afeta o prestígio de Bolsonaro para 3 de cada 10 brasileiros adultos ou algo assim.

Haverá em breve mais testes, o que em outro ambiente mental ou político seriam choques de realidade: inflação persistente, desastre ambiental, penúria e rolos derivados da gambiarra do Orçamento, a CPI e o meio milhão de mortos. Bolsonaro ainda vai passar com nota 30%?

A Cúpula do Clima será o começo do teste do programa de destruição ambiental do governo e mentiras associadas. Bolsonaro não vai conseguir enganar o governo americano, que de resto não está sozinho nisso. Clima é um raro assunto em que EUA e China estão em acordo razoável. Caso não tome atitude alguma, Bolsonaro terá problemas na política mundial, com repercussões econômicas crescentes, o que vai incomodar boa parte dos donos do dinheiro grosso daqui.

A alternativa é demitir Ricardo Salles, vulgo “Boiada”, e mudar a política. Bolsonaro entraria assim em conflito com seus amigos grileiros, desmatadores, mineradores ilegais etc. Teria também de inventar desculpa para suas falanges fanáticas por ter cedido ao globalismo ambiental.

O governo e o Congresso-centrão acertaram uma gambiarra no Orçamento de 2021 (aliás, o que vale um Orçamento aprovado depois de transcorrido 30% do ano?). Essa mumunha evita o risco de conflito político maior e de processo imediato contra Bolsonaro. Mas mumunhas não cobrem buracos. O governo vai cortar no osso. Já corta: ora dizima as bolsas de pesquisa. Vai ser pior. Se não fizer a mutreta de transferir o pagamento de certas despesas para 2022, vai paralisar alguns serviços. Talvez a maior parte da população nem note, dado o estado de miséria ou obnubilação em que já vive. Mas a gambiarra e seus efeitos vão ficar evidentes para quem tem o luxo de poder prestar atenção no buraco em que o país vai se enfiando cada vez mais.

A inflação da comida anda em torno de 19% por ano desde o trimestre final de 2020. Ou seja, quem receber o auxílio emergencial, já reduzido, ainda por cima perdeu um quinto do poder de compra em alimentos, em um ano. Além do mais, milhões não receberão ajuda alguma e a recuperação do emprego (muito bico) vai ser retardada pelo afundamento da economia pelo menos em março e abril.

Bolsonaro não é responsável por boa parte dessa carestia, mas ajudou a piorar a coisa, pois a baderna de seu governo mantém o dólar nas alturas. O atraso do pagamento do auxílio emergencial e o fato de que ainda não foram renovados os auxílios de emprego e para pequenas empresas, no entanto, são resultados da incompetência e da negligência de Paulo Guedes e do presidente. Para os dois, a epidemia estava “no finzinho”, em fins de 2020.

Há uma chance nada desprezível de a epidemia refluir bem a partir de julho, se a zona infecta que é o Brasil não produzir alguma nova variante assassina do vírus. Haverá dezenas de milhões de pessoas com sequelas da Covid, da educação arruinada e da miséria ampliada. Pode bem ser que os 30% não se importem com isso também. Até lá, pelo menos, a mentira perversa e lunática que é Bolsonaro vai passar por testes.

domingo, 18 de abril de 2021

Em um trimestre de morte e mais vacina, recessão e CPI, política deve mudar

Fonte

A CPI da Covid vai durar três meses, pelo menos. Este segundo trimestre será de recessão, afora milagres. Em três meses, acaba a rodada reduzida do auxílio emergencial e ainda nem há auxílios de salário e emprego.

Também em três meses, metade dos adultos deve estar vacinada; todas as pessoas dos grupos de risco devem ter recebido a primeira dose, afora desastres novos na produção de vacinas. Até lá, julho, também pelo menos 40% da população deve ter sido infectada. Assim, deve estar provisoriamente imunizada, caso a zona de desastre sanitário que é o Brasil não venha a produzir novas variantes mortíferas do vírus. Mais de meio milhão de brasileiros terão morrido de Covid.

Em três meses, pois, pode bem ser que a conversa política e o debate público no país sejam outros.

A CPI da Covid apareceu em primeiro lugar neste calendário do outono de sofrimentos variados, mas não é, em si, decisiva. Tende a ser um palco, o “reality show” dos humores políticos do país; talvez tenha mais relevância como telão onde serão projetadas outras revoltas.

Por causa da CPI, pode bem ser que os crimes de Jair Bolsonaro, do general Pesadello e de seus coronéis do Exército, além de outras incompetências e colaboracionismos do Ministério da Saúde, fiquem mais expostos, por semanas. Pode aparecer uma prova mortífera. Mas haverá tanto mais incentivo para a CPI bater em Bolsonaro quanto maior for o desprestígio presidencial, o que depende da reação popular e da (inexistente) oposição à ruína bolsonariana.

Bolsonaro jamais deixou de aparecer com 30% de “ótimo/bom” no Datafolha. Vai ser neste tumulto outonal que sua popularidade vai descambar de modo crítico?

Será um trimestre ruim na economia, o que nem sempre é motivo imediato de abalo do prestígio presidencial. Em março, comércio e serviços afundaram. Abril terá sido algo pior. Com a reabertura, maio pode ser melhor. O balanço final (PIB) deve ser negativo, em um ambiente de auxílios reduzidos, embora o nível de atividade acabe por ser bem melhor que o do segundo trimestre de 2020.

O morticínio não bastou para comover aqueles 30% de bolsonaristas. No entanto, pesquisas internas do governo, de acompanhamento da popularidade, indicam que a barreira dos 30% caiu, um pouco.

Impopularidade, CPI e crise do Orçamento podem aumentar o número de parlamentares desgarrados, que procurem alternativas em 2022, embora 2018 tenha mostrado que eleição se decide ainda menos por apoio político-partidário.

Caso Bolsonaro vete, em parte ou de todo, o dinheiro extra para emendas parlamentares, terá um problema. Caso não o faça, terá de cortar a despesa de funcionamento do governo no osso, terá de negociar o gasto continuamente e ainda estará sujeito a rasteiras do Congresso, pois pode ser enquadrado em crime fiscal. Esse tumulto não contribui para “as reformas” e indica que o teto de gastos está indo para o vinagre. Enfim, a depender da reação de Bolsonaro, de suas ameaças golpistas, pode ser que o STF aumente a fervura dos processos que por lá correm contra o bolsonarismo.

Caso houvesse oposição, seria um trimestre para que se expusesse o desastre do governo e uma alternativa. Isto é, que líderes políticos não apenas batessem de modo organizado no governo mas que apresentassem programas, ideias, slogans, de um país diferente.

O “centro” (a direita), porém, acha que vai aparecer com um garoto-propaganda, em cima da hora, um Bolsocollor atenuado, para levar a eleição. Hum.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Governo faz onda com doses da Pfizer, mas vai faltar ainda mais vacina


Além de mais mortes, a consequência do atraso na vacinação é a persistência da degradação econômica

Vamos ter mais 2 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 até junho, anunciou nesta quarta-feira (14) o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Em vez dos 13,5 milhões previstos, a Pfizer deve entregar 15,5 milhões, talvez 1 milhão ainda em abril, “fruto de uma ação direta do presidente da República, Jair Bolsonaro”, bajulou Queiroga.

É melhor do que nada. É muito pouco. É muito tarde. Não compensa os desastres recentes no cronograma federal, em geral fruto da negligência criminosa de Jair Bolsonaro (os números recentes do desastre estão mais adiante neste texto).

Era preciso acelerar o cronograma de oferta de doses mesmo antes da catástrofe fúnebre de março e abril. Agora, haverá menos vacinas e, na melhor das hipóteses, apenas perspectiva de que o morticínio comece a se estabilizar em 3 mil cadáveres por dia em meados deste mês, se é que estabilização haverá.

Além de mais mortes, a consequência do atraso na vacinação com uma epidemia violenta é a persistência da degradação econômica. Ainda que as restrições a negócios sejam atenuadas, haverá algum medo de circular combinado à baixa de confiança de consumidores e empresários, dada a incerteza sobre a epidemia, 3 mil mortes e UTIs lotadas.

Pelos dados menos inconfiáveis, em abril haveria doses bastantes para imunizar apenas 22% da população vacinável (de 18 anos ou mais) e cerca de 45% dos grupos prioritários. Em maio, 34,5% e 70%, respectivamente. Apenas em junho seriam vacinadas todas as pessoas do grupo de risco (metade dos adultos).

Isto é, trata-se aqui de um número de vacinas suficientes para dar a primeira dose, guardando a metade para a segunda rodada de injeções. Pode ser que mais pessoas recebam a primeira dose, dada a mudança no esquema de vacinação (dar logo todas as doses disponíveis, sem reservar uma quantidade equivalente para a segunda rodada).

As doses extras do ministro não compensam os reveses do cronograma.

A China continua a atrasar a exportação de matéria prima (IFA) para o Butantan, que em abril vai entregar algo entre 4,5 milhões e 5,2 milhões de doses (previa entregar 9,8 milhões, pelo menos, até 15 milhões, na melhor das hipóteses, com algum adiantamento de IFA).

Não se sabe o que foi feito das importações de vacina pronta da AstraZeneca/Oxford, da Índia, 2 milhões de doses por mês que viriam em abril, maio e junho. Não se sabe quando virão as doses da Covax (em tese, viriam 9,1 milhões até junho, das quais chegou 1 milhão em março). Não haverá vacinas Sputnik (russa) e Covaxin (Índia) em abril, talvez nem em maio, que não foram aprovadas pela Anvisa.

A vacinação faz efeito. Em fevereiro, as mortes por Covid-19 entre pessoas de 90 anos ou mais eram cerca de 5,6% do total. Agora são 2,2% e o número absoluto de mortes se estabiliza nas últimas semanas. São dados de São Paulo até a semana encerrada no dia 14 de abril (os do Brasil são similares). No grupo das pessoas de 80 a 89 anos, a participação no total de mortes caiu de 19% para 13%. Ainda falta segunda dose para muito idoso, para não mencionar aqueles que nem tomaram a primeira.​

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Não Verás País Nenhum

Vinicius Torres Freire

Na vida adulta, geração que chega aos 30 só viu país empobrecer e se barbarizar

As projeções de crescimento da economia para o ano que vem começam a cair para a casa do 1%. É apenas chute vagamente informado, mas essa bola deve cair mesmo no pântano em que vivemos faz tempo. Em 2022, bicentenário da Independência, serão nove anos de pobreza piorada. Ainda estaremos colonizados pelos nossos piores monstros.

Imagine-se uma brasileira que teve a boa sorte de terminar a faculdade no último ano antes da catástrofe, em 2013, nos seus 21 anos. “Boa sorte” porque apenas 1 de cada 4 jovens de 18 a 24 anos está no ensino superior ou concluiu este curso. Há quem tenha largado a escola muito antes e terá vida pior. No ano que vem, essa brasileira fará 30 anos. Terá passado a primeira parte de sua vida adulta em um país em destruição. É apenas um símbolo de uma catástrofe duradoura, uma de várias gerações perdidas.

No ano que vem, o país ainda será mais pobre do que era em 2013: a renda (PIB) per capita deve ser ainda 7,5% menor. Pelas estimativas atuais, voltaremos a 2013 apenas em 2027. Mas chute econômico não é destino. Assistir bestificado à presente destruição vai nos garantir futuro tenebroso.

Mal ou bem, países do centro do mundo planejam a reconstrução depois da epidemia. São grandes projetos de economia verde e pesquisa científica e tecnológica, como biotecnologia e inteligência artificial.

Qual o lugar do Brasil nesse futuro? Uma zona de catástrofe ambiental e sanitária, talvez por isso objeto de sanções econômicas e políticas.

Nossos produtos industriais logo serão ainda mais obsoletos em termos tecnológicos e ambientais. Talvez não queiram também nossos grãos, ferro e petróleo, por prevenção ambiental ou porque a China passou a plantar soja na África ou porque o país é infecto ou avilta o trabalhador. Com o troco que nos sobrar, compraremos produtos “verdes” ou máquinas inteligentes reais e virtuais etc. inventados com pesquisa subsidiada no mundo rico.

O plano Bolsonaro é o avesso podre dos planos de reconstrução: é devastação ambiental e da Educação, sob mando de um adepto do espancamento de crianças. São tempos de dr. Jairinho e dr. Jairzinho.

Desmontam-se agências e a participação democrática nos conselhos de Estado, avilta-se ou se assedia o corpo técnico de servidores, perseguem-se professores, acelera-se a destruição da pesquisa científica. Capangas oficiais e paramilitares, milícias, talvez colaborem para a implantação de um autoritarismo temperado por farisaísmo, fundamentalismo religioso, patriotada militaresca e ignorância lunática.

Nos acostumamos aos quase nove anos de catástrofe econômica assim como nos acostumamos agora aos 3 mil mortos por dia ou aos crimes de responsabilidade semanais de Jair Bolsonaro. Resta força apenas para combater o regresso autoritário. O Brasil se acostumou a não ter futuro.

É pior do que nos anos perdidos para o horror social e a inflação dos 1980/90. Então se tentava reconstruir um país: Constituição, estabilidade econômica, alguns direitos sociais.

Ainda assim, nossos desastres vêm de longe, pelo menos desde a recessão que começou em 1981, desatino final da ditadura militar. Desde então até 2019, o PIB per capita do Brasil cresceu 36%. O dos países já ricos (OCDE), 85%. O do mundo, 75%. É o aspecto econômico de um fracasso longo e maior. A diferença agora é que morreu ou está para morrer, sem UTI, a ideia de sucesso ou de progresso.

“Não Verás País Nenhum”, dizia o título do romance presciente de Ignácio de Loyola Brandão (aliás de 1981). Tratava de um Brasil em que a Amazônia se tornou um deserto, em que São Paulo fede a cadáveres e em que militecnos comandam um governo autoritário.​

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Um parasita mortal


Governo chinês ajuda a atrasar ainda mais vacinação no Brasil: quer acelerar imunização no seu país, rapou as vacinas do mercado e impediu assim que Sinovac antecipasse entregas no Brasil, por exemplo.

Butantan não vai entregar doses previstas pelo governo federal para abril. Fiocruz vai produzir menos do que o previsto (só em junho chega à capacidade plena, prevê). Covaxin e Sputnik eram ficções do Pesadello, claro. Nem a Covax deve chegar em abril. Um desastre.

Até fins de abril, Brasil só terá tido doses para vacinar 25% da população vacinável (18 anos ou mais), no máximo. Maio também vai ser difícil. É muito pouco para ajudar a controlar o morticínio e a epidemia.

Quer dizer que haverá vacinas no máximo para imunizar pouco menos da metade dos grupos de risco até fins de abril, quando muito. Nesses grupos é que ocorrem quase 90% das mortes de Covid.

Enquanto isso, Bolsonaro genocida continua a fazer campanha contra o distanciamento social etc. O "pacto nacional", o "comitê nacional" é em grande parte farsa. Do que der certo disso, pouco, Bolsonaro se aproveita: é um parasita mortal. 

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Entenda o motivo do atraso ainda maior da vacinação contra a Covid-19


Parte das vacinas agendadas para abril era fantasia do general Pesadello


No calendário do governo federal, o Brasil teria 48,287 milhões de doses de vacina contra a Covid-19 em abril. Pelo menos 20 milhões dessas doses não vão chegar. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse nesta quarta-feira na Câmara que a coisa vai ser ainda pior: cerca de 22,8 milhões de doses vão desaparecer do cronograma do mês que vem. Seria o bastante para vacinar pelo menos 10,8 milhões de pessoas, quase dois de cada três idosos de 60 a 69 anos, o grupo de idade em que morrem 23% das vítimas da Covid-19 no Brasil.

Parte dessas vacinas agendadas para abril era fantasia do general Pesadello, o ex-nunca-ministro da Saúde. Eram as 8 milhões de doses da Covaxin da Índia e as 400 mil da Sputnik russa, que ainda não foram aprovadas pela Anvisa.

Tem mais problema.

O governo chinês decidiu acelerar a vacinação no país. Foi ao mercado local e comprou o que havia de vacina. Assim, as empresas chinesas ficaram sem sobras para adiantar entregas de insumos para outros países, segundo explicações que este jornalista ouviu no governo de São Paulo e no governo federal.

O Butantan não recebeu na segunda quinzena deste mês a matéria prima para fazer as vacinas que previa entregar em abril. A Sinovac, que produz o insumo da Coronavac, cumpre os prazos de entrega contratados, mas pelo menos por ora parou de fazer os adiantamentos solicitados pelo Brasil. A situação vai ficar apertada até pelo menos na primeira quinzena de maio. Em tese, a próxima remessa de insumos chega no dia 9 de abril.

No calendário do governo, haveria cerca de 15,8 milhões de doses da Coronavac disponíveis em abril. Agora, o instituto do governo paulista prevê entregar 9,8 milhões de doses, cumprindo o contratado com o governo federal até o final do mês que vem (46 milhões de doses).

Até a semana passada, o calendário do governo federal previa 21,1 milhões de doses da AstraZeneca/Oxford para abril. Também na semana passada, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, disse ao Senado que espera entregar por volta de 18 milhões de doses (18,8 milhões, no cronograma divulgado pela Fiocruz). Apenas em junho a instituição espera chegar a sua capacidade de produção plena. Para maio, também estão previstas menos doses que as registradas no calendário do governo federal (21,5 milhões, não 25 milhões).

Mesmo descontados esses desastres, a conta pessimista do ministro Queiroga ainda não fecha, nem tirando de abril as doses do consórcio internacional Covax (quase 1 milhão) e aquelas que seriam importadas da Índia, prontas, pela AstraZeneca (2 milhões). Tem mais desastre?

Pelo calendário federal da semana passada, em parte fictício, até o final de abril o país teria doses suficientes para vacinar mais de 31% da população vacinável (de 18 anos ou mais) e mais de 63% dos grupos prioritários. Pelas novas contas do ministro Queiroga, não deve imunizar mais do que 24% dos vacináveis e algo menos que a metade dos grupos prioritários.

Com atraso maior na vacinação, a situação continuará desesperadora. Não resta alternativa a não ser distanciamento social e máscaras.

Enquanto isso, Jair Bolsonaro continua a fazer campanha contra o distanciamento social. O “pacto nacional”, o “comitê nacional” é em parte a farsa prevista. Algo vai se fazer no Congresso e no ministério. Bolsonaro quem sabe se aproveite de alguma despiora devido à ação do restante do país, de parte dos governadores, dos prefeitos, do Congresso, enquanto faz propaganda criminosa para suas falanges. É um parasita. ​

domingo, 21 de março de 2021

Bolsonaro tem de renunciar a si mesmo ou ao governo

Vinicius Torres Freire

Presidente, centrão e amigos encenam a farsa da união nacional na semana que vem 

Imagine-se que, na semana que vem, Jair Bolsonaro renuncie a si mesmo. Que abdique da alma monstruosa que reina sobre o país da morte.

Nesse universo paralelo, Bolsonaro acaba por se render na guerra civil que luta contra estados e cidades, contra a vida e a razão. Passa a apoiar o distanciamento social. No Ministério da Saúde, saem generais e coronéis brucutus, terraplanistas e negacionistas em geral. Entra gente capaz de organizar a distribuição de UTIs, remédios para intubações, oxigênio etc.

O governo federal convoca um comitê de cientistas que coordenará pesquisadores dedicados a entender as novas variantes do vírus e outras virologias, infectologias e epidemiologias que permitam inventar estratégias capazes de conter a disseminação da doença. Outro grupo prepara o plano para cuidar dos sobreviventes com sequelas do coronavírus etc. O delírio é livre.

É tudo imaginável, claro.

Bolsonaro arranjou para a semana que vem uma reunião em que espera receber apoio da cúpula de Judiciário e Legislativo para criar um “gabinete de crise” da epidemia (vai ocupar a sala do gabinete do ódio?). Será uma farsa, faltando saber apenas o tamanho da presepada. Para que não o fosse, Bolsonaro teria de renunciar a si mesmo.

Bolsonaro quer ganhar tempo, assim como seus cúmplices no comando do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Fará a pose do governante, no que tem sido ainda mais diminuído por prefeitos, governadores e até por Lula da Silva, que não governa coisa alguma.

Tentará sufocar conversas sobre CPIs ou coisa pior. Quem sabe ocorresse uma estabilização do número de mortes até o fim do mês. Seria resultado do trabalho de governadores e prefeitos, mas Bolsonaro, como o grande parasita que é, sugaria o esforço alheio.

Com uma mão grande, Bolsonaro afana a faina dos outros. Com a mão pesada do ferrabrás, Bolsonaro de novo volta a fazer ameaças de golpe, como em meados do ano passado. Para sua massa, seria o líder contra o caos social que adviria das políticas de distanciamento social. Para começar, sugere um estado de sítio.

Pacheco e Lira também ganham tempo até que o diálogo com Bolsonaro pela união contra a epidemia acabe por se revelar a farsa que é —ou até que as pessoas comecem a agonizar sufocadas nas calçadas dos hospitais.

O objetivo comum é conter com custo baixo a ira crescente contra o genocida. O acordão Bolsonaro-centrão não se sustenta com fúria popular crescente. Os colaboracionistas do empresariado, assim como os cúmplices por omissão, esperam também essa água na fervura que começa.

Para que a farsa durasse pelo menos um ato, Bolsonaro teria de engolir por uns dias as imundícies que cospe sobre as políticas de distanciamento, violência agora acompanhada de ações do governo na Justiça contra estados que adotam lockdowns (fajutos, mas ok). Seria também o mínimo para não desmoralizar logo de cara o ministro da Saúde que nem assumiu, esse que anuncia que a ciência irá para o governo.

Quanto mais tempo levar a farsa, melhor para a sustentação do grande acordo de morte entre centrão, Bolsonaro e o grosso da elite econômica.

Em abril, começa a ser pago o auxílio emergencial. Há uma chance de estados e cidades conterem a explosão contínua de mortes na virada do mês, a tal estabilização do horror. Neste mundo sem Deus e em um país que aceita quase 3.000 mortes por dia, tudo é possível. O tombo da economia e os 100 mil cadáveres extras até o fim de abril já estão no preço da política e da elite.

sexta-feira, 19 de março de 2021

Comando do Congresso se torna cúmplice do matadouro de Bolsonaro

Vinicius Torres Freire

Em um país sob risco de ficar sem remédio e UTI, lideranças não reagem a Bolsonaro 


No dia mais sombrio da epidemia no Reino Unido, soube-se da morte de 1.253 pessoas. Quer dizer, mais de 18 britânicos mortos por milhão de habitantes do país. No Brasil, seria o equivalente a 3.913 mortes, considerada apenas a diferença de tamanho da população, sem outros ajustes estatísticos. O Reino Unido levou mais de 20 dias para reduzir o número de mortes diário à metade.

No Brasil de agora, anotamos nas nossas lápides mais de 2 mil mortos por dia. Isto é, mais de 9 mortos por milhão de habitantes (na média móvel de sete dias). Algo menos que os picos da Alemanha em janeiro, da Espanha em fevereiro ou da França em novembro. Esses países levaram mais de um mês para reduzir o morticínio à metade. Isso porque, mal ou bem, têm governo. E aqui?

Por sabotagem de Jair Bolsonaro, pela pobreza, pela desigualdade ou por diferenças na interação social, as medidas de restrição tendem a funcionar menos. Mesmo se a onda de mortes diminuísse como nos grandes países europeus, ainda teríamos mil mortes por dia em meados de abril. Mas o Brasil nem sabe se chegou ao pico do monte diário de cadáveres. No presente ritmo da epidemia e pelo número de leitos por ora disponível, não haverá mais UTIs em uns dez dias, antes do fim de março.

O clamor do desastre era alto nesta quinta-feira. Os remédios necessários para entubar os doentes estariam para acabar em 20 dias, noticiou Mônica Bergamo nesta Folha. Associações de prefeitos, de secretários de saúde, de hospitais privados, de farmacêuticos ou de médicos intensivistas avisavam do colapso dentro do colapso. A cidade de São Paulo vai praticamente parar na segunda quinzena de março, pelo menos (a economia paulistana faz 11% do PIB do país).

O Brasil vai para o matadouro bolsonariano quase em silêncio político, sem reação maior de sua elite. Os governadores tentam administrar a crise, na ausência de governo federal, isso quando não têm de se defender na guerra civil midiática promovida por Jair Bolsonaro. Os estados tentam articular uma vaga e frágil tentativa de coordenação nacional. Mas parece haver um acordo para evitar o confronto com o genocida.

As lideranças do Congresso estão à beira de se transformar em cúmplices de Bolsonaro. Os presidentes de Câmara e Senado contemporizam e querem manter de pé o acordão que os colocou nos comandos do Parlamento.

Presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) em coletiva após o Congresso Nacional promulgar a PEC Emergencial - Raul Spinassé - 15.mar.2021/Folhapress

Rodrigo Pacheco (DEM-MG), do Senado, fez declaração protocolar de interesse de agir: “Sentar à mesa, planejar e agir o mais rapidamente possível. Isso é fundamental! A situação crítica do Brasil exige a coordenação do presidente da República, ações do Ministério da Saúde e toda colaboração dos demais Poderes, governadores, prefeitos e instituições”.

Arthur Lira (PP-AL), da Câmara, menos do que isso: “Os brasileiros precisam ter esse conforto, e nós precisamos evitar essa agonia e esse vexame internacional... Então nós temos, sim, que nos unir, sem estar apontando justamente culpados”.

Isso é conversa fiada.

Parece que o apoio restante a Bolsonaro, 30% do povo, serve de baliza para justificar a contemporização oportunista com a morte, ao menos na política de governistas, agregados ou cúmplices. O possível efeito de uma convulsão política na economia, afora os colaboracionismos animados, parece o motivo do imobilismo da elite econômica. A morte tem um preço que, parece, vale pagar.

Não é fácil entender os motivos da apatia ou da cumplicidade. Mas era certo que neste 18 de março de 2021, o Brasil se dirigia quase sem reação para o abatedouro de Jair Bolsonaro.​

quinta-feira, 11 de março de 2021

Para evitar 400 mil mortes no dia das Mães, é preciso revolta contra Bolsonaro

Dados mostram total descontrole da epidemia, que precisa de um governo de emergência

As UTIs dos hospitais da prefeitura de São Paulo vão lotar em cerca de duas semanas caso o número de pessoas internadas por Covid-19 continue a crescer como nos últimos sete dias. Isso se a cidade dispuser de novo do número máximo de leitos que já teve, 1.290, entre outubro de novembro do ano passado. A cidade ainda acha que pode chegar a 1.400 camas para atender a esses doentes muito graves. Então, no ritmo atual, a lotação ocorreria em 18 dias, três semanas, no máximo.

Quanto tempo levaria para conter esta onda, reduzir o morticínio nacional pelo menos ao nível de horror de um mês atrás (mil mortos por dia)? Estamos com mais de 1.500 por dia, na média móvel de sete dias, mais de 2 mil nesta semana. Não é comparação tecnicamente correta, mas países europeus levaram de um a dois meses para reduzir o morticínio do pico à metade, alguns com o auxílio de vacinação em massa, como o Reino Unido.

Em Israel, o número de mortos por milhão era de 7,4 por dia (a mesma do Brasil de agora) quando já vacinara mais de 30% da população, em 25 de janeiro. Agora, a taxa de mortes israelense está perto de 2 por dia, por milhão, com mais de 57% vacinados.

Com sorte, o Brasil terá 30% de vacinados lá por fins de maio. De resto, as medidas de restrição de contatos, de distanciamento, serão menos rigorosas que as europeias.

Nesta quarta-feira (10), Eduardo Pazuello, o capacho de Jair Bolsonaro que ocupa o almoxarifado da Saúde, disse que o número de doses de vacina a serem entregues em março pode ser menor do que se previa no final da semana passada (30 milhões), quando já se rebaixara a expectativa de vacinação.

“Temos garantidas para março entre 22 e 25 milhões de doses, podendo chegar até 38 milhões de doses. São números realmente impactantes e que vão fazer a diferença na nossa campanha de vacinação”, disse Pesadello, um dos generais do Exército da morte de Bolsonaro.

Como se escrevera nestas colunas, não é certo que Butantan e Fiocruz consigam entregar as doses que o governo federal colocou no calendário de março, embora ainda tentem fazê-lo. Vacinas importadas prontas podem não chegar, como tem sido o caso quase rotineiro desde o início do ano.

Menos vacinas, mais mortes, mais lotação de UTIs, mais restrições à circulação, menos atividade econômica e mais risco geral de afundamento do país. Onde está o governo de salvação nacional, alguma espécie de regência provisória que substitua no que for possível o comitê inepto da morte do capitão Bolsonaro, seus generais e seus coronéis? No que diz respeito ao governo da federação, o país está largado à própria sorte.

Governadores se movimentam, mas não há reação forte, ultimatos, decisões do Congresso, uma frente de emergência contra a morte. Em países derrotados na guerra ou indignados com o horror da mortandade, não raro há revoluções ou revoltas, dos Estados Unidos do conflito vietnamita às insurreições europeias do fim da Primeira Guerra, para citar uns poucos exemplos cediços. O Brasil derrotado pelo exército de Bolsonaro vai para o abatedouro quase sem reação política.

O fato de haver alguma oposição faz alguma diferença. João Doria fez com que o país tivesse alguma vacina e levou Bolsonaro a se mover. Um mero discurso de Lula da Silva fez o capitão da morte usar máscara em público e falar de vacinas. Mas é terrivelmente pouco. Não temos mais remédio para evitar os 300 mil mortos da Páscoa. Corremos o risco de contar 400 mil mortos no dia das Mães.

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Mercado permanece otimista com atoleiro sem fim da economia

Otimismo econômico resiste, apesar de Mito, lockdowns e dólar caro 

Vinicius Torres Freire 

Baderna política e chilique nas finanças dos EUA são ameaças

Amanhã vai ser outro dia, canta a maior parte dos relatórios econômicos, escritos pelos departamentos de futurologia de bancos e da finança em geral. “Amanhã” quer dizer junho. Depois de uma recaída no primeiro trimestre e uma convalescença no segundo, a vida recomeçaria a voltar ao normal, como parecia acontecer até novembro de 2020.

Mas o que temos para hoje? Variantes avacalhadas de lockdowns. O medo renovado da doença, que provoca enclausuramentos voluntários. Uma epidemia descontrolada, não se sabe bem se por causa da selvageria do Carnaval ou também porque há vírus mutantes. Há ainda chiliques no mercado financeiro americano, que já tiveram efeito por aqui —podem ser mero paniquito, mas sacudida semelhante ajudou a baquear a economia brasileira em 2013, o ano em que tudo começou a acabar.

Nada disso ainda está considerado nas contas dos economistas animados. Na hipótese otimista, o país volta a andar em meados do ano desde que: 1) os grupos de risco estejam vacinados até maio ou junho, como previsto no cronograma oficial; 2) Jair Bolsonaro e o Congresso não estourem as contas do governo. Isto é, que limitem o auxílio a quatro meses e que aprovem medidas que pelo menos evitem o estouro do teto de gastos nos próximos três ou quatro anos.

“Otimismo” quer dizer crescimento de uns 3,5% neste ano. Isto é, atividade econômica parada no mesmo nível de novembro do ano passado, por aí, mas na média superior a 2020. Sem mudança maior, para os próximos anos, não há perspectiva de o Brasil andar em ritmo melhor do que 2018 ou 2019, um Temer atolado em Bolsonaro.

Para falar da vida miúda, quando o novo auxílio chegar, em março ou abril, valerá bem menos do que em abril de 2020, em termos de comida, com perda de poder de compra de uns 15%. O número de pessoas ocupadas no país é ora 8 milhões menor que em fevereiro de 2020. Chutes informados otimistas dizem que neste 2021 o número de empregados aumentaria em 3 milhões. O buraco ainda seria enorme. Pode haver gritos de auxílio até o fim do ano, pois.

Em quase todos os estados há decretos de lockdowns. As restrições de movimento e comércio não são rígidas o bastante para merecer tal nome. Além do mais, a maior parte das atividades econômicas aprendeu a lidar com as restrições (que, no entanto, afetam muito restaurantes, atendimentos pessoais e entretenimento). Mas haverá estrago.

Na conta do prejuízo é preciso incluir as bolsonarices. Ao “meter o dedo” na Petrobras e no Banco do Brasil e causar alerta de outros danos, Bolsonaro aumentou o descrédito de empresas e do governo.

Concretamente, encareceu o custo de financiamento de dívidas e investimentos, que ficou maior também por causa do sururu financeiro americano destes dias (alta de juros no mercado, basicamente, o que afetou “emergentes” em geral, Brasil em particular). O dólar tende a continuar caro até o fim do ano, ruim para inflação e juros.

Fevereiro foi um mês desperdiçado por causa do chilique estatizante, dos decretos armamentistas e do vomitório golpista do deputado “Daniel de Quê?”, um ferrabrás bolsonariano, que levou a Câmara a se ocupar de fugir da polícia, com a PEC da Imunidade.

Bolsonaro volta a fazer propaganda maciça contra a prudência sanitária. Seu governo não consegue comprar vacinas além daquelas do Butantan e da Fiocruz. Algum financista engraçadinho precisa criar um “Mitômetro” a fim de medir quanto de PIB ou de emprego vai para o vinagre a cada vez que Bolsonaro joga sujeira no ventilador.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Bolsonarismo e bolsonarices custam caro para economia e pobres


Brucutus causam crises políticas que emperram decisões de governo e Congresso
O bolsonarismo custa caro até para Jair Bolsonaro, embora este governo não seja lá muito capaz de fazer certos cálculos pragmáticos a respeito de sua sobrevivência.

O sururu sórdido causado por esse deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) é um exemplo menor, em termos práticos. Afora imprevistos, essa crise não deve paralisar o Congresso por mais que um par de dias. É pouco, mas o tempo já era escasso para aprovar a emenda constitucional que deve abrigar o novo auxílio emergencial e o Orçamento —é preciso fazê-lo até março. Outras bolsonarices ou suas sequelas podem causar mais tumultos políticos e parlamentares que afetariam até as perspectivas abaixo de medíocres da economia para este 2021.

Dezembro e também janeiro foram meses abaixo das expectativas já limitadas de atividade econômica. A julgar pelo valor das vendas por meio de cartões, janeiro foi parecido com dezembro, mês em que, pela estatística do IBGE, as vendas no varejo caíram 6,1% em relação a novembro de 2020. A confiança do consumidor e das empresas continuou baixando no início do ano. É um efeito óbvio de piora da epidemia e do fim do auxílio emergencial e do benefício de complementação de salários reduzidos pelas empresas.

Em junho, pico desses benefícios, os pagamentos foram de R$ 51,8 bilhões (uma vez e meia a despesa anual do Bolsa Família). Em setembro, baixaram a R$ 27,5 bilhões. Em dezembro, para R$ 19,5 bilhões. Em janeiro, para quase nada, restos. Sem demanda a economia volta a murchar. A segunda perna do “V” da recuperação de Paulo Guedes vira uma língua caída para fora.

A fim de criar um novo auxílio emergencial em seus termos, o governo tem de convencer o Congresso a aprovar uma emenda constitucional de “Orçamento de calamidade” associada a corte de gastos, dado de barato pelo comentarismo político e econômico. Como se diz faz meses nestas colunas, isso dá rolo.

Exemplo. Com muito aperto e ajuda de leis, a despesa com a folha de servidores federais caiu de R$ 333,8 bilhões em 2019 para R$ 331,8 bilhões em 2020 (valores ajustados pela inflação). “Ajuste” de R$ 2 bilhões. Pelas novas contas do governo, o novo auxílio deve custar R$ 42 bilhões em 2021 (quatro parcelas de R$ 250 para 42 milhões de pessoas) —no Congresso, a conta tende a ficar maior.

É fácil perceber que não bastará arrumar conflito apenas com o funcionalismo. De onde vão sair outras “compensações”?

Se o rolo for grande, a emenda do novo auxílio pode demorar ou até passar sem as “compensações”, com o que haverá algum custo financeiro (dólar e/ou juros mais salgados).

Quanto mais rolo político, mais difícil aprovar qualquer coisa além do básico do básico (auxílio e Orçamento).

No entanto, como se não bastasse a baderna da sua milícia de brucutus, Bolsonaro decreta coisas como o dilúvio de armas e munições, por exemplo. Em si mesmo uma selvageria, o decreto pode causar mais confusão no Congresso.

Mesmo que a economia não tenha por ora perspectiva decente no médio prazo, Bolsonaro poderia manter o vento a seu favor se lidasse de modo menos idiota com os problemas de agora (vacina, Orçamento, a ideia de que não haverá explosão fiscal no curto prazo). Por ora, está quieto e assim frustra suas milícias por não dar apoio ao deputado brucutu, o “Daniel de Quê?”, segundo Luiz Fux, do Supremo. Mas o bolsonarismo está sempre à beira de dar um tiro no pé, no mesmo com que pisa no pescoço dos brasileiros.​​

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Com a corda no pescoço, general Pesadello tenta provar que vai trazer vacina

Prefeitos pedem a cabeça de Pazuello, governadores cobram vacinas e UTIs 

A Confederação Nacional dos Municípios pediu a cabeça de Eduardo Pazuello, ainda aboletado no Ministério da Saúde. A Frente Nacional de Prefeitos diz que o governo de Jair Bolsonaro é culpado pela falta de vacinas e ainda se perde com coisas como decretos de armas e "pauta de costumes".

Nesta quarta-feira (17), governadores têm reunião com o general Pesadello (João Doria não vai). Vão cobrar o cronograma de entrega de vacinas até abril, dinheiro para pagamento de leitos de UTIs e fazer pressão para que se aprove a fabricação da vacina russa no Brasil. Pesadello está pela hora da morte, que sempre foi o seu tempo.

A vacinação vai parando, por falta de doses. Vai andando o inquérito do Supremo sobre Pesadello. Vidas, a economia e o prestígio de Jair Bolsonaro vão depender da política e de alguma esperteza do governo nas próximas semanas.

Governadores são bem mais próximos de senadores do que os deputados. Vários estão como medo do que vai acontecer com sua fama caso a vacinação seja interrompida, como deve ser, nos próximos dias.

Há no Senado um pedido de CPI para investigar o desastre o Pazuello, um grosseirão autoritário, intelectualmente limitado e incapaz de administrar um almoxarifado de arruelas. Se Pazuello fugir da casinha, como de costume, Rogério Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, poderá ter mais dificuldade de segurar a CPI --nesta quinta (18) deve haver reunião decisiva de senadores.

Embora CPIs sejam cada vez mais fracassadas, sabotadas ou de algum modo inócuas, são sempre um risco. No caso da incompetência criminosa da Saúde, o problema espirra em Bolsonaro, pois Pazuello é um capacho do presidente.

Dois senadores sem amor algum pelo governo dizem que Pazuello pode ajudar a adiar a CPI. Precisa demonstrar pelo menos uma vez capacidade de conversar, de conter suas grosserias de caserna. Contidas as patadas, teria de provar que virão regularmente insumos da China para fabricar mais vacinas e resolver o financiamento de UTIs.

Mesmo com a sua inteligência escassa, Pazuello poderia ganhar tempo para mostrar que seu cronograma de vacinas pode funcionar (e fazê-lo funcionar). Um calendário baseado em possibilidades de produção do Butantan e da Fiocruz, além de doses da Covax, indica que até março poderiam ser vacinados pouco mais de 31 milhões de pessoas. Até abril, 51 milhões. Até maio, 68 milhões. Seria uma mudança de jogo: a imunização de grupos em que morrem 89% das vítimas de Covid-19. No entanto, por ora chegaram apenas doses para vacinar 15 milhões (foram aplicadas ou podem ser fabricadas com material já entregue ao país).

Se Pesadello fizesse algo que prestasse na vida, conseguiria trazer outras 30,4 milhões de doses até maio, suficientes para vacinar pouco mais de 14 milhões. Mas não se sabe se a negociação dessas vacinas da Rússia e da Índia é mera fantasia do almoxarifado militar da Saúde. Pior, ainda não entendemos bem o que bloqueou ou pode bloquear a remessa de mais insumos da China para o Butantan e Fiocruz.

Variantes talvez muito perigosas do coronavírus se espalham pelo país sem que tenhamos testes para identificá-las, rastreá-las e entender o seu perigo: sua pestilência, capacidade de matar ou de driblar vacinas.

Estamos entre a possibilidade de vacinação em massa para grupos mais sujeitos a morrer de Covid-19 e o risco de um desastre ainda maior até abril. É uma corrida de morte entre a vacinação e a ameaça de uma nova onda monstruosa de epidemia.

domingo, 3 de janeiro de 2021

Brasil ainda pode ter sucesso com a vacina e alta do PIB com mais miséria em 2021

Como será possível vacinar contra Covid e gripe ao mesmo tempo? 

Vinicius Torres Freire

É fácil fazer previsão. Difícil é acertar. Desde o começo do século, dois terços das previsões de crescimento da economia feitas em dezembro (para o ano seguinte) estavam muito erradas: não ficaram nem dentro do intervalo das estimativas mínima e máxima de “o mercado”.

Talvez seja útil mencionar obviedades importantes para o que vai ser de 2021. O óbvio não tem charme, mas quebramos a cara quando não nos damos conta de que ele é o muro adiante das nossas fuças.

VACINAS. O Brasil pode vacinar 1,5 milhão de pessoas por dia ou mais, em esforço de guerra (se não precisar usar essas supergeladeiras para vacinas modernas). Em tese, daria para vacinar todo o mundo com mais de 18 anos em quatro meses.

Butantan e Fiocruz dizem que podem produzir 1,3 milhão de doses por dia a partir de fevereiro (menos que isso em janeiro, mas mais no segundo semestre), bastantes para vacinar 650 mil pessoas por dia.

Desde que a eficácia e/ou efetividade dessas vacinas não seja uma porcaria e os crimes de Jair Bolsonaro não atrapalhem muito, lá por outubro daria para ter acabado o serviço. Bem antes, haveria grande alívio: daria para quase acabar com o morticínio de idosos, liberar os hospitais, reduzir custos do combate à doença, animar a economia etc. Problema de que pouco se fala: como será possível vacinar contra Covid e gripe ao mesmo tempo?

MISÉRIA. O número de novos miseráveis pode aumentar de 10 milhões a 20 milhões (sem auxílio e sem trabalho). Parece que o país se esqueceu dessa tragédia que começa já neste mês.

INFLAÇÃO: chegará a 6% ao ano em junho. Por mês, deve crescer mais devagar agora, mas o estrago acumulado em 12 meses chegará a isso. É uma dentada na renda real, na capacidade de consumo, da metade mais pobre do país em particular.

TETO. Essa inflação vai permitir um aumento considerável de gasto federal em 2022 (6%). Vai ser difícil manter o teto em 2021 (mas haverá gambiarras). Em 2022, o teto pode se manter graças à contribuição imprevista da inflação. Vantagem para Bolsonaro.

PIB PARA RICOS. Se governo e Congresso não arrumarem confusão maior com o teto, é possível que a economia cresça uns 4% em 2021, dados os juros baixos, os preços de commodities em alta, o dólar menos caro e o crescimento menor do que o previsto da dívida pública, afora acidentes.

Não se quer dizer que o teto seja intocável, mas é grande a chance de, agora, a emenda ser pior do que o soneto. De resto, 4% de crescimento nem repõe o que se perdeu em 2020. Mas pode ser o bastante para remediar a vida de metade da população.

É para pensar: o prestígio de Bolsonaro pode se manter perto de onde está, a depender do sucesso da vacinação, que ele pode faturar sem ter feito nada, e dos miseráveis (vão morrer de fome quietos?).

ELEIÇÃO NA CÂMARA. Desde meados do ano, era óbvio que a disputa pelo comando da Câmara dos Deputados seria crucial e emperraria o Congresso. Se a turba de Bolsonaro vencer, facilita o projeto autoritário. A depender de quem ganhar, vai haver mais ou menos “reformas”, que não serão grande coisa.

REFORMAS. Alguém acha que o Congresso vai arrochar os servidores? Esse é o núcleo da PEC “emergencial”, o arremedo de plano fiscal do governo. Alguém acha que o Congresso vá aprovar reforma tributária “profunda” (que provocaria crise com setores como serviços, entre outros conflitos)? Se eu fosse jogar na “Mega das Reformas”, apostaria no seis por meia dúzia, reforminhas.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Bolsonarismo é um método de fracasso, na economia de Guedes ou na vacina

Congresso evitou fracasso final do bolsonarismo na economia, mas não na vacina
Jair Bolsonaro anda inquieto. É assim quando seu poder ou sua popularidade estão ameaçados; quando aumenta o risco de que sua família acabe na cadeia. Então passa a dizer mais atrocidades do que de costume contra a democracia, a razão, a decência e a humanidade.

Nos últimos dias tenta arrumar um bode expiatório para justificar a inexistência de vacinas e escamotear o desastre com uma cortina de fumaça, com o bafo fumegante da besta fera. Disse que quer facilitar o acesso a armas de fogo com o objetivo de facilitar insurreições armadas, por exemplo contra João Doria. Debochou, rindo como um psicopata, da tortura de Dilma Rousseff. Etc.

Cerca de três quartos dos brasileiros querem se vacinar. É difícil enganar tanta gente com fantasias lunáticas e propaganda criminosa. Há o risco de a incompetência e os crimes ficarem muito evidentes.

Desde meados do ano entrou em pane o “parlamentarismo branco”, um improviso que fez as vezes de governo no lugar de Bolsonaro. Se essa geringonça política estivesse funcionando, talvez até se pudesse inventar uma gambiarra parlamentar para a compra de vacinas, uma atribuição clara do ministério da Saúde, que, porém, não passa de um almoxarifado a cargo de uma ordenança incapaz. Agora não temos nem a geringonça nem ministério. Sobra então o bolsonarismo puro no poder.

Já vimos isso antes. Paulo Guedes é o bolsonarismo econômico. Não é uma doutrina, claro. Para resumir, é variante, na Economia, da propaganda de fantasias desvairadas associada à incompetência de ressentidos reacionários.

Quando bateu o pânico da epidemia, na segunda semana de março, Guedes dizia que “se promovermos as reformas, abriremos espaço para um ataque direto ao coronavírus. Com 3 bilhões, 4 bilhões ou 5 bilhões de reais a gente aniquila o coronavírus”. Ou “o mundo está em desaceleração sincronizada e o Brasil em plena decolagem [na economia]”. No início de abril, disse que conversara “com um amigo na Inglaterra que criou o passaporte de imunidade. Ele faz 40 milhões de testes. Ele coloca disponíveis para nós, brasileiros, 40 milhões de testes por mês".

O Congresso e pressões da sociedade enfim fizeram o auxílio emergencial de R$ 600, o que evitou fome, quebradeira catastrófica de empresas, saques, convulsão social e deve ter salvo o mandato de Bolsonaro. O programa teve problemas, até porque não foi organizado por um governo capaz, mas era o que tínhamos. Agora, houve um movimento de governadores e do STF para fazer com que o capacho da Saúde e seu chefe se movessem um tico. Não basta.

Guedes passou o resto do ano no delírio e na inoperância habituais. Volta e meia vinha com sua ideia de CPMF para reduzir impostos sobre folha de salários. Ou com as suas “privatizações de Nostradamus”, aquelas que, não se sabe bem quais, acontecerão em algum dia de algum século. Em julho, como em tantos meses antes e depois, Guedes dissera que o Brasil iria “surpreender o mundo” e que faria “quatro grandes privatizações nos próximos 30, 60, 90 dias”.

Talvez daqui a pouco, algumas centenas de ricos possam pegar seus jatinhos e se vacinar no “Primeiro Mundo”. Não vai resolver, já devem saber, porque a epidemia persistente trava a economia, assim como muitos já sabem que queimar a Amazônia e o Cerrado é problema. Qual ilusão ou cinismo pode restar? Não há governo, apenas propaganda lunática, planos de golpe, quiçá de algum tipo de guerra civil. A cumplicidade vai custar caro.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Economia deve fraquejar no verão vermelho da Covid-19


Vinicius Torres Freire

Metade final de 2021 deve ser melhor, mas desordem na saúde deve causar estagnação

A segunda metade do ano que logo vem pode ser de notícias melhores na economia se o governo não sabotar o país. O verão de 2021, porém, vai ser uma “fase vermelha”, como se diz aqui em São Paulo das restrições mais graves para comércio e serviços na epidemia.

Não quer dizer que a economia vá embicar para baixo ou que embique de modo relevante. Mas os indícios são de que deve haver estagnação, uma parada da recuperação desde o fundo do poço de meados do ano. Quais são esses indícios?

O Índice de Confiança do Consumidor medido pela FGV caiu de modo significativo de novembro para dezembro e a intenção de ficar na retranca nos gastos é alta. O repique da epidemia, o fim dos auxílios emergenciais, a desordem no programa de vacinação e o desgoverno em geral devem derrubar os ânimos.

A inflação medida pelo IPCA deve ficar entre 5,5% e 6% ao ano de abril a agosto. É uma dentada cruel na renda real e uma injeção de desânimo na veia do povo miúdo.

No estado de São Paulo, o número de internações em UTI por Covid-19 parece ter desacelerado nesta semana, mas ainda é cerca de 60% maior que no início de novembro. O número de mortes é 86% maior. No conjunto do país, o morticínio cresceu mais de 100% nesse período.

Mesmo sem restrições formais a movimentação e atividade econômica, o medo causa receio ou paralisa. Continuam parados, muito prejudicados ou voltam a cair os negócios de turismo, convenções, feiras, viagens, esportes, cultura, entretenimento em geral, serviços de saúde e de educação, restaurantes, bares, lanchonetes, salões de beleza, academias. A movimentação menor pelas cidades derruba a venda dos lojistas. Tudo isso é um pedaço enorme da economia. O repique da Covid-19 já faz estragos nos faturamentos, é a conversa quase geral, mesmo sem medidas restritivas.

Quanto à política econômica, mais especificamente sobre gastos do governo, é agora improvável que aconteça uma explosão, barbeiragem ou gambiarra mais nociva até fevereiro, pelo menos. Mas não há governo na economia e não se sabe se haverá, menos ainda enquanto não houver a eleição dos comandos de Câmara e Senado, em fevereiro. Até lá, haverá arrocho por inércia e inépcia do governo.

Ainda assim, a falta de rumo (qualquer rumo racional), a persistência da epidemia e a sabotagem federal do programa de vacinação não devem animar contratações de trabalho e de novos investimentos em expansão de empresas e construções. Haverá certamente uma massa de pessoas, talvez vinte milhões ou mais, que cairá em miséria, mesmo no melhor cenário médio.

Nesta quarta-feira pode ser que tenhamos uma grande e boa notícia sobre a vacina comprada pelo governo de São Paulo. Uma vacina eficaz (perto de 90%) e um programa de vacinação com ampla cobertura (mais de 90% das pessoas) atenuaria a tristeza horrível por tanta morte e daria esperança econômica.

A taxa básica de juros está baixa, há oferta razoável de crédito bancário, o preço das commodities está bom, há alguma poupança financeira represada nas famílias remediadas. Há pelo menos alguns meios para que possamos continuar a subir desde o fundo do poço da epidemia. Com responsabilidade sanitária na virada do ano e no verão, a retomada da retomada poderia vir mais cedo.

Se Jair Bolsonaro e sua sabotagem criminosa da vacinação puderem ser contidos, melhor ainda _o país, governadores e Supremo tentamos improvisar um governo na área da saúde.

No entanto e por enquanto, o risco é de a recuperação fraquejar no verão vermelho da Covid-19.​

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Sem vacina, com mil mortos por dia, Brasil afunda no desgoverno do anticristão



Estados e STF improvisam governo da vacina, Congresso está em pane, Bolsonaro avança
“O mercenário, que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê o lobo aproximar-se, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as arrebata e dispersa, porque ele é mercenário e não se importa com as ovelhas”. Está no Evangelho de João, aquele que Jair Bolsonaro cita de modo blasfemo, como se fora um clichê mundano, sem entender o que quer dizer “a verdade vos libertará”, se é que leu o texto, que de qualquer modo não entendeu, dada a sua grosseria moral e intelectual.

No início da epidemia, esse homem não apenas abandonou os brasileiros a seu próprio azar, mas sabotou os esforços de quem se bateu para não entregar as pessoas ao lobo da praga. Outra vez agora, o que restou de decência e razão no país se organiza a fim de vacinar o povo, proteger as pessoas que trabalham nos hospitais e salvar da morte pelo menos os nossos avós, de início.

A maioria dos governadores, prefeitos e o Supremo Tribunal Federal tentam improvisar um governo nacional pelo menos no que diz respeito à emergência da saúde. A desgraça recrudesceu, as mortes outra vez passam das mil por dia. É possível que entre o Ano Novo e o que alguns cristãos chamam da festa de Reis, 6 de janeiro, pelo menos 200 mil brasileiros tenham morrido de Covid-19. Em São Paulo, as internações e mortes aumentaram na casa de 60% desde o início de novembro.

A iniciativa de criar ao menos um governo para as vacinas é um arranjo precário, o que se tenta salvar do incêndio. Para piorar, o Congresso ou pelo menos o arranjo que continha os piores arreganhos de Bolsonaro está em pane. O Parlamento pode cair sob seu controle ou influência maior na eleição de fevereiro para os comandos da Casa. Uma perna do sistema de governo improvisado para limitar a destruição bolsonarista está para ser cortada. Bolsonaro, pois, ganha força para tocar seu projeto de destruição. É o anticristão, em todos os sentidos da palavra, no aumentativo do substantivo e no adjetivo.

O mercenário outra vez sabota o trabalho de quem quer proteger as pessoas da morte, desmoralizando a vacinação, disseminando dúvidas sem fundamento de modo a alimentar o desvario que é sua razão de ser e poder. Faz assim com qualquer instituição ou ideia racional. Tenta desmoralizar as eleições, imitando Donald Trump feito um sabujo rábico. Nega e estimula a destruição do ambiente, até agora o projeto mais bem-sucedido. Difunde a ideia de que o morticínio também pelas armas de fogo é uma solução para o problema da violência. Não são abstrações, são suas medidas ou propagandas mais recentes.

No submundo em que vive, tenta manipular com cada vez mais afinco os órgãos de polícia e fiscalização (como a Receita). Espalha agentes da Abin pelos ministérios. Depois de ser obrigado a parar com os comícios golpistas, toca seu projeto de destruição de modo mais insidioso.

Se o Congresso cair sob a influência de Bolsonaro, será pior. Mesmo a fantasia de “reformas” escorre pela vala suja. O capitão da extrema direita jamais se importou com isso. A fim de atacar João Doria, negou até privatização de um entreposto federal de alimentos, a Ceagesp.

Sem governo e com o Congresso em pane, não haverá socorro para os milhões que cairão em pobreza ainda maior com o fim dos auxílios. Não há plano de recuperação econômica em geral, nem mesmo para as contas do governo, “ajuste” que para os donos do dinheiro grosso justificou a eleição do capitão da extrema direita, o mercenário de João, que passeia pelo Brasil dizendo baixezas e mentiras com seu esgar demoníaco.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Guedes quer mais imposto até o Natal

Vinicius Torres Freire 

Paulo Guedes prometeu que o governo vai dar um “forte sinal” para diminuir “subsídios e gastos tributários”. Grosso modo, isso é aumento de imposto, goste-se ou não de mais essa providência por ora imaginária do ministro.

Quando vai ser? Quase na “semana que vem”, um dos prazos típicos de Guedes: “antes do fim do ano”, duas semanas, na prática.

“Gasto tributário” é um imposto que o governo deixa de recolher a fim de dar tratamento especial para empresas, setores da economia, um grupo de indivíduos, regiões. Em suma, de um modo ou de outro, quem recebe esse tratamento diferente paga menos imposto do que deveria, pela regra geral.

Qual o maior gasto tributário federal, pelas contas da Receita? O Simples Nacional (micro e pequenas empresas, o que pega também boa parte da “classe média”, ricos, bolsonarista). Depois vêm as isenções e deduções do Imposto de Renda da Pessoa Física (rendimentos isentos e não tributáveis e deduções de gastos com saúde e educação privada), o que inclui rendimentos de aposentados maiores de 65 anos e rescisões trabalhistas.

A seguir, vêm as isenções da agricultura e da agroindústria, na maior parte para a cesta básica e para exportações da produção rural. Logo depois, no ranking, vêm as filantrópicas (hospitais, escolas, faculdades), a Zona Franca de Manaus e “medicamentos, produtos farmacêuticos e equipamentos médicos”.

Tudo isso dá 75% do gasto tributário previsto para 2021.

Como de costume, não dá para saber direito do que Guedes está falando, mas o novo “vamos estar fazendo” do ministro bate com a mais recente mutação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) de controle de gastos que rola pelo Senado desde 2019 e teve uma “versão” a cada dia desde a semana passada, dizendo tudo e seu contrário.

Na PEC, pretende-se obrigar governo e Congresso a reduzirem benefícios tributários e subsídios de crédito no ano que vem.

Quais subsídios? Não se sabe. Os subsídios que estão na conta do Tesouro (do governo) são basicamente compensações de financiamento barateado para a agricultura, da grande à miudinha, familiar.

Essa hipótese de PEC já chegou a prever também o corte de até 25% de jornada e salários de servidores, o fim do gasto mínimo em saúde e educação e o fim do reajuste automático das aposentadorias do INSS. Até quarta-feira de noite, tudo isso estava fora, assim como gambiarras fura-teto (que estiveram lá, segundo boatos ou balões de ensaio).

Para compensar, vai haver um gatilho de contenção de gastos quando a despesa obrigatória do governo passar de 95% da despesa atual (o que já acontece). Nesse caso, em suma, ficam proibidos reajustes quaisquer de salários de servidores e contratações.

Ou seja, talvez, parece, segundo o último rumor ou rascunho improvisado de uma emenda constitucional, haveria um arranjo fiscal entre Guedes e parte do Congresso. Não resolve grande coisa, mas não explode nada. O interessante vai ver quem seria esfolado pelo governo e por seus aliados no Congresso com esse aumento de imposto, na prática (chame-se de “fim de desoneração”).

Muito gasto tributário é mesmo favor, desordem nos impostos e incentivo à ineficiência econômica. Poderia ser objeto de reforma tributária ou de medidas paulatinas desde 2019. Mas o governo é uma baderna inepta e nada disso foi feito. Agora, vamos ver a reação do demagogo Jair Bolsonaro, do restante do Congresso e de quem vai levar a facada do aumento de imposto do Natal sem vacina.​