domingo, 24 de novembro de 2019

O país da metáfora



Artur Xexéo
Usar rosa é metáfora de quê? E usar azul? Tudo indica que a indescritível Damares não sabe o que é metáfora
Se alguém me perguntasse, pra responder assim de supetão, qual a principal característica dos homens do presidente — e aqui, por favor, entenda-se como “homens do presidente” a sua equipe mais próxima, o que inclui filhos, ministros e até a indescritível Damares —, eu diria que é o amor à metáfora.

O próprio presidente está sempre descrevendo sua relação com membros da sua equipe como “um casamento”, “amor à primeira vista”, “briga de casados”... É a metáfora de uma nota só. Mas não deixa de sê-lo. É verdade que não podemos confiar na capacidade de todo o ministério para pensar metaforicamente. O nível intelectual não deixa. É assim que a indescritível Damares, por exemplo, justifica as sandices que apregoa. Diz que usa metáforas. Foi o que ela fez naquele célebre episódio do “menino veste azul, e menina veste rosa”. A indescritível Damares resumiu a questão com uma só frase: “Fiz uma metáfora contra ideologia de gênero”. Agora, me explica, cadê a metáfora na frase da Damares? No caso, usar rosa é metáfora de quê? E usar azul? Tudo indica que a indescritível Damares não sabe o que é metáfora.

Mas o prêmio de metáfora da semana vai para o embaixador Ernesto Araújo, o escolhido de Bolsonaro para comandar o Ministério das Relações Exteriores. Ele usou e abusou da figura de linguagem em recente discurso na Câmara dos Deputados sobre nossa política externa. “Vamos imaginar que o Itamaraty é uma loja com vários produtos”, disse ele. Essa loja/Itamaraty, no pensamento metafórico de Araújo, tinha a tradição de fabricar fogões. Bolsonaro foi o primeiro presidente que recusou esses fogões e encomendou uma motocicleta. “Nós estamos tentando construir e entregar essa motocicleta porque é o que esse presidente prometeu em sua campanha ao povo brasileiro. O povo brasileiro não queria um fogão, queria uma motocicleta”, disse o ministro. Eu quase entendi. Acho que a nova política externa brasileira é entregar motocicletas ao presidente. Mas aí ele completou: “Mas nós também estamos produzindo fogões.”

Quer dizer, o Itamaraty está produzindo o que o povo não quer. Ou não? No fundo, esse Ernesto Araújo é uma metáfora.

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