sábado, 23 de novembro de 2019

Nunca fizemos o que deveríamos ter feito



Elias Machado

O ano era 1978, em plena Ditadura Militar, o sábio Florestan Fernandes, um dos intelectuais mais íntegros e cultos que o Brasil teve ao longo de sua História, escrevia, no prefácio a edição brasileira de "O que fazer? Problemas candentes de nosso movimento", o clássico livro de Vladimir Lênin, publicado pela HUCITEC, um diagnóstico certeiro e que se revelou profético sobre o que veríamos acontecer no Brasil em 2016:
"Os partidos que deveriam ser revolucionários (anarquistas, socialistas ou comunistas) devotaram-se à causa da consolidação da ordem, na esperança de que, dado o primeiro passo democrático, ter-se-ia uma situação histórica distinta. Em suma, bateram-se pela democracia burguesa, como se fossem campeões da liberdade. Trata-se de uma avaliação dura? Quanto tempo as burguesias nacionais ter-se-iam aguentado no poder se fossem atacadas de modo direto, organizado e eficiente? Ou estamos sujeitos a uma "fatalidade histórica", que prolonga o período colonial e a tirania colonizadora depois da independência e da expansão do Estado Nacional? O diagnóstico correto, embora terrível para todos nós, é que nunca fizemos o que deveríamos ter feito. Os "revolucionários" quiseram manter seus privilégios, ou os seus meio-privilégios, sintonizando-se com as elites no poder e com as classes dominantes. Formaram a ala radical, sempre pronta a esclarecer o que certas reformas implicariam, para evitar uma aceleração da desagregação da ordem e os seus efeitos imprevisíveis."
Há muito esgotado na edição da HUCITEC, o livro O que fazer? tem duas outras edições no Brasil. Uma da Martins Fontes, de 2006, e outra da Editora Expressão Popular, de 2010. E que teve uma segunda edição em 2015 e que em 2019 está em sua 4ª reimpressão. Como se sabe, no capítulo V de O que fazer? -"O plano de um jornal político para toda Rússia", Lênin apresenta o projeto editorial de um jornal para organizar as atividades políticas e revolucionárias dos trabalhadores. É leitura de extrema atualidade porque, cada vez mais, o que caracteriza o jornalismo nas sociedades contemporâneas é o seu uso para a legitimação de campanhas políticas. O mundo mudou, o capitalismo se sofisticou, chegamos ao fundo do poço porque muitos erros foram cometidos e porque não soubemos o que fazer. Se, por um lado, não faz o menor sentido replicar as soluções propostas por Lênin, por outro, a pergunta que não quer calar, se quisermos encontrar saídas e alternativas para o processo de reestruturação do capitalismo em escala mundial é, em termos gerais e, no caso do jornalismo, em particular: "O que fazer?

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