sábado, 30 de novembro de 2019

Governando com ódio


Luís Francisco Carvalho Filho
A perspectiva de impeachment não inibe Jair Bolsonaro
Delfim Netto, poderoso ministro do regime militar, signatário do AI-5 é injusto e cínico quando fala em “lado iluminado”, em contraposição a um “lado sombrio”, para definir o campo em que estaria situada a equipe econômica do governo Bolsonaro.

O “lado sombrio” não está apenas na estratosfera ou nos gabinetes dos ministérios da Educação, da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores. Tudo se mistura.

Conspirar contra o meio ambiente e a liberdade sexual, desmantelar o incentivo à cultura e a capacidade das instituições criadas para fiscalizar atos administrativos, estimular violência e ódio nas polícias, perseguir artistas e jornais, como acontece com a quase centenária Folha de S.Paulo, nada disso, em princípio, é bom para os negócios.

Exceção feita às indústrias de armas e de equipamentos para vigilância e espionagem, que, de fato, encontram solo fértil para um futuro promissor, não há motivo para o mercado se encantar com a cruzada mesquinha e moralista de Jair Bolsonaro.

No entanto, agentes econômicos atentos a sinais tênues de recuperação, como se fossem consequência da dinâmica bolsonarista, acreditam que a fórmula mágica da erosão de direitos é essencial para a salvação do país.

Paulo Guedes não tem perfil de homem público. É rude, falastrão, amoral e pernicioso —como revelam as manifestações sobre Brigitte Macron, mulher do presidente da França, sobre a ditadura de Pinochet ou sobre o AI-5, formuladas para bajular a família presidencial.

A taxação do seguro-desemprego por medida provisória não é só sinal de indisfarçável falta de sensibilidade política. É escárnio. A eliminação de barreiras impostas ao empreendedorismo daninho estabelece senhas nefastas para a retomada do crescimento.

Em regimes democráticos, o ímpeto discricionário dos governantes é contido pela tradição constitucional, pelo respeito às leis, pela independência dos poderes, pela existência de forças políticas antagônicas disputando eleições e se revezando nos cargos, pelo entrechoque de interesses corporativos e pela presença incômoda de imprensa livre, persistente, soberana.

O objetivo de Bolsonaro é a autocracia. Paulo Guedes acalenta o mesmo desejo: governar sem freios e limites, conforme o roteiro das planilhas e das “ideias muito boas” do seu pessoal.

É um sonho impossível e inadmissível, mas faz sentido o saudosismo retórico do AI-5, verbalizado pelo filho do presidente e pelo ministro da Economia.

Em dezembro de 1968, para alegria dos porões da repressão política e da equipe de Delfim Netto, o governo militar adquire um arsenal extraordinário de poderes institucionais que permitiria remover obstáculos, dissolver o Legislativo, emparedar o Judiciário, cassar mandatos, aposentar juízes e censurar manifestações adversas.

O projeto autoritário de Jair Bolsonaro é ainda embrionário. Tem a favor o descrédito da representação partidária tradicional, a desmoralização do Supremo e a perplexidade política das oposições.

Com sangue nos olhos, a Presidência da República festeja o golpe de 64, homenageia torturadores e religiosos, ridiculariza jornalistas e abate seus adversários. Defende imunidade penal para soldados que reprimem protestos e para policiais que atiram a esmo.

Nem a perspectiva constitucional do impeachment inibe a caminhada odiosa de Jair Bolsonaro e seus filhos e asseclas e capangas.

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