Vamos criar um grupo para elaborar esse urgente manual
Já que estamos viciados nos celulares e autocondenados a arrastá-los por aí como as bolas de chumbo dos prisioneiros nas histórias em quadrinhos, é mister entrarmos num acordo sobre algumas mínimas normas de etiqueta. Não me refiro aos trolls do Twitter, aos ogros da dark web, às almas sebosas que dedicam a vida a aprofundar, via redes sociais, o murundu em que nos encontramos (sic). Desses cuidará o capeta no décimo nono círculo do inferno atualizado de Dante. Falo aqui das pessoas de bom coração que, por falta de um protocolo, atrapalham-se com os talheres do WhatsApp.
Mensagem de voz, por exemplo. Há quem queira proibi-la. Minha irmã fica revoltada com quem manda: “A gente estudou junto! Ele era legal! Teve pai e mãe legais. É um profissional sério. Doa pro Médicos Sem Fronteiras. Medita. Como pode mandar áudio?!”. Meu amigo Sérgio tem como legenda do WhatsApp: “Não ouço áudio”. Dava um bom epitáfio. Se bem que no caso do morto, que tampouco lê mensagens, talvez fosse melhor simplesmente: “Offline”.
Sou menos radical quanto às mensagens de voz. Acho que têm seu lugar. Num grupo de trabalho, para fazer comentários urgentes. Se estou na feira e a minha mulher escreve perguntando cadê a chave reserva do carro e eu tenho que dar umas doze possibilidades de onde posso tê-la deixado. Quando se está dirigindo. (Embora eu desconfie que 67% dos brasileiros que começam o áudio dizendo “Desculpa o áudio, é que eu tô dirigindo” estão na verdade deitados no sofá). Fora dessas situações excepcionais, áudio é um abuso. É quase como condenar alguém a assistir a um filme que dura o tempo que levou para ser produzido. (Emílio, meu caro, não leve a mal. Eu gosto de você mesmo assim e espero que possa dizer o mesmo de mim depois desta crônica).
Generosidade igual peço ao Paulo, cujo costume, exato oposto do áudio, criticarei aqui. Ele escreve: “Oi”. Ou: “Mano”. E só. Isso nos obriga a um diálogo inútil que é “Oi”. “Oi”. “Tudo bem?”. “Tudo e você”. “Tudo. Então, tem o celular da Clarissa?”. Pra que isso? Se você quiser conversar, me escreve dizendo “Vamos conversar?” e eu te ligo com o maior prazer, mas todo este longo e inútil frescobol digital só pra pedir o celular da Cla? Qual o sentido?
Fabrício: sei que você é poeta e está acostumado a escrever em versos, mas não precisa mandar cinco mensagens pra dizer “Oi.” “Antonio”. “Tudo bem?”. “Você vai na festa do Gustavo?” “Que horas?”. Ouço essa metralhada de “Pim! Pim! Pim! Pim! Pim!”, penso que começou a terceira guerra mundial e vou correndo ler as mensagens para saber se o abrigo antiaéreo mais próximo é o piscinão do Pacaembu ou a estação Marechal Deodoro.
Mãe: quando você começar a responder uma mensagem e desistir no meio, apague-a. Senão eu fico olhando praquele “digitando...” na tela por sete horas, até perceber que você foi fazer outra coisa da vida e já são quatro da manhã e eu não jantei e nem tomei banho e nem fui pra cama e vou precisar de um quiroprata pra curar meu torcicolo.
Pior que áudio, porém, pior que o “Oi” solitário, a metralhada ou o “digitando...” eterno, é o egoísmo daquele sujeito cujos tracinhos de mensagem lida jamais ficam azul, tirando de quem escreveu a possibilidade de saber se foi lido. É de enlouquecer. Sei bem, porque fiz isso há quase um ano e tenho recebido inúmeras reclamações.
Para criarmos coletivamente este urgente Manual de Etiqueta do envio e recebimento de mensagens, proponho –e aqui entra o último desvio whatsáppico, o pior de todos, um de que sofro e com que faço os outros sofrerem–: vamos criar um grupo?
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