quarta-feira, 21 de abril de 2021

Bolsonaro é paradoxo do genocídio, falar dele é insuportável e necessário


Gregorio Duvivier

Um presidente como o nosso torna chatos todos aqueles que não foram assassinados por ele

Difícil dizer que o presidente não é ladrão. Para além das milhares de vidas ceifadas, dos funcionários fantasmas e das rachadinhas, Bolsonaro nos levou o sorriso e o assunto.

Ninguém aguenta mais falar da carnificina, e ao mesmo tempo, tudo parece pequeno quando paramos de falar dela. É o paradoxo do genocídio: não falar dele é impossível, mas falar dele é insuportável.

Taí um efeito colateral ridículo perto da matança que está em curso: o sequestro temático —efeito minúsculo, claro, mas que afeta diretamente a vida de um cronista, garimpeiro de temas sem importância.

Quando um presidente condena uma população a morrer, ele não está tirando só vidas, mas também o direito dos vivos de pensar em outra coisa. Deveria existir na Constituição uma cláusula que garantisse o direito à distração. “Todo poder emana do povo, que tem o direito de esquecer disso de vez em quando.”

Para que esse direito seja exercido, o presidente não pode estar receitando cloroquina para a população, dando remédio a uma ema, boicotando a vacina, atrapalhando investigação, coagindo o Kajuru.

A receita de sucesso (até aqui) de Bolsonaro parece incluir o acúmulo de crimes diversos, nunca antes combinados, transmitidos ao vivo por ele mesmo à luz do dia. “Não pode ser crime”, você pensa, “se é ele mesmo quem divulga.”

“O jeito de esquecerem o significado de um crime de responsabilidade é praticar vários por dia”, resumiu Conrado Hübner Mendes. A estratégia funciona: se Dilma empregasse a Val do Açaí, não reclamariam de pedalada. Se David Luiz tivesse feito cocô em campo, não seria famoso pelo 7 a 1.

Bolsonaro age como um cozinheiro que salgou demais a sopa e põe uma barata e uma orelha humana para disfarçar: “duvido que reclamem do sal”.

Já não dá para saber se o genocídio é para disfarçar a rachadinha ou vice-versa. Cada crime novo amortece a notícia do crime anterior e imuniza nossos corpos para os crimes que estão por vir. Os crimes vão se empilhando e assim jantamos, diariamente, esse rocambole de bosta.

Um presidente genocida tem esse efeito colateral, dentre tantos outros. Torna chatos todos os que não assassina. “Eles só pensam naquilo!”, mas aquilo é intenção deliberada do presidente de matar a sua população. Já diz o ditado: o que não te mata te entristece.

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