– Alô?
– Oi.
– Quem é?
– Eu.
– Ahn...
– Não desliga. Estou telefonando para pedir paz,
– Olha, cara...
–Deixa eu falar. É ridículo a gente continuar com essa briga.
– Você me chamou de paspalhão. Uma palavra que nem se usa mais.
– Pois é. Ridículo. Peço desculpa. Retiro o paspalhão.
– Disse que eu tinha a percepção política de um tomate.
– Eu disse isso? Não é o que eu penso. No calor da discussão, a gente não se controla. Eu falei mesmo ‘tomate’?
– Berinjela, sei lá.
– Veja só. Uma amizade de tantos anos acabar por nada. Por uma bobagem.
– Eu não achei bobagem. Você não respeitou minha posição.
– É que durante todos os anos da nossa amizade eu nunca soube qual era a sua posição. Nós nunca falamos de política. Me surpreendi, é isso.
– Agora você sabe.
– Foi como se, depois de tantos anos, eu descobrisse que você é gay.
– Qual é o problema de ser gay? Eu não sou, mas qual é o problema?
– Nada contra!
– Mas você me insultou, me, me, me...
– Cara, me arrependi. Quero fazer as pazes!
– Ahn...
– Não esquece que nós tínhamos bebido, naquela noite. Ninguém sabe o que diz, bêbado. Eu jamais chamaria alguém de paspalhão, sóbrio. Mas uma amizade que não resiste a um simples porre não é amizade. São, o quê? Vinte anos de amizade. Isso deve estar acima de qualquer posição, de qualquer bebedeira, de qualquer desentendimento passageiro.
– Sei não...
– Hoje mesmo a Janice me perguntou se eu sabia o que vocês iriam fazer no Natal, para a gente fazer juntos. Tive que contar da nossa briga. Ela também achou um absurdo.
– O que vocês vão fazer no Natal?
– O de sempre, com a mesma turma de sempre. Peru, o famoso sarrabulho da Janice, muita birita... Podemos contar com vocês?
– Está bem.
– Vamos acabar com essa bobagem?
– Vamos.
– Só uma coisa, cara.
– O quê?
– Não diz pra ninguém que você votou no Bolsonaro.
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