segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

O Brasil do futuro chanceler integra o Ocidente?


Guga Chacra

O futuro chanceler do Brasil, Ernesto Araújo, adota uma visão de mundo mais próxima de simpatizantes de Donald Trump, embora não necessariamente a do presidente. O diplomata vê o líder americano como o grande defensor da civilização cristã ocidental, apesar de o presidente dos EUA ser pouco religioso. Esta postura do futuro comandante do Itamaraty, ironicamente, é distinta da de líderes de nações ocidentais como o presidente da França, Emmanuel Macron, a premier alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, e o ex-presidente dos EUA, Barack Obama.

Chama a atenção ainda que Araújo, assim como muitos brasileiros, coloca o Brasil como parte da civilização cristã ocidental e chega a citar Samuel Huntington, autor do livro “O Choque de Civilizações”. Mas muitos no chamado “Ocidente Cristão” não colocam o Brasil como parte desta civilização. O próprio Huntington colocava o país como parte de algo próximo, mas distinto da civilização ocidental, que seria a América Latina.

Líderes europeus que se identificam como defensores do cristianismo ocidental, como Orbán, da Hungria, também dificilmente veriam os brasileiros como parte deste imaginário Ocidente, restrito apenas à Europa, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Para muitos eleitores de Trump, nos EUA, tampouco o Brasil faria parte do Ocidente cultural. Nós brasileiros somos vistos como latino-americanos, não diferentes de hondurenhos, gualtematecos, mexicanos e venezuelanos que tentam cruzar a fronteira do México para os EUA. Em alguns casos, diferenciam o Brasil pela importância econômica e nos colocam em grupo de potências emergentes, ao lado da China, Rússia, Índia e Turquia. Isso não significa ser pior nem melhor. Apenas representa como somos vistos por muitos.

Vivo nos EUA há quase 14 anos. Estudei e trabalho aqui. Cobri as Nações Unidas. Nunca vi o Brasil ser chamado de Ocidente, a não ser geográfico, claro. No Oriente Médio, chega a ser visto como cômico brasileiros se identificarem como parte do Ocidente – noto que muitos libaneses também se acham ocidentais, por mais estranho que isso possa parecer a olhos brasileiros. Afinal, eles estudam em liceus franceses, e universidades como a American University of Beirut. Veem o Líbano como berço da civilização desde a Fenícia, tendo influência grega e romana como observada em ruínas como em Baalbeck.

Para mim, estas divisões em civilizações são equivocadas. Entendo quem concorda. Mas um argentino de Buenos Aires filho de imigrantes tem muito mais em comum com um espanhol ou um italiano do que tem com um salvadorenho de origem indígena. Um português possui mais em comum com um brasileiro do que com um sueco.

O Brasil é formado por uma miscigenação de imigrantes europeus, especialmente portugueses, italianos e alemães, de imigrantes do Oriente próximo (Líbano e Síria) com descendentes de escravos africanos e uma população nativa indígena. Em um território gigantesco, emergiu deste sincretismo uma rica e única cultura que é a brasileira.

Araújo também vê o islamismo como uma ameaça ao Ocidente. Sem dúvida, o terrorismo cometido por muçulmanos jihadistas é um problema grave, embora não seja uma ameaça à existência do Ocidente. Inclusive, nos EUA, o terrorismo supremacista branco se tornou um problema maior do que o terrorismo jihadista.

Imigrantes muçulmanos, por sua vez, não são um problema, especialmente a partir da segunda e terceira gerações. O craque Zidane é muçulmano, francês, europeu e ocidental. O prefeito de Londres Sadiq Khan é muçulmano, britânico, europeu e ocidental.

O Ocidente não é apenas o cristianismo. É o racionalismo, o liberalismo econômico e político, a democracia e o humanismo.

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