Ao insinuar que vacinas alteram DNA, bolsolavistas mostram estar infectados por estupidez, ou coisa pior
É compreensível que parte da população esteja meio perdida no que diz respeito a possíveis riscos das vacinas contra a Covid-19. Nossas carências educacionais são gigantes, em especial no que diz respeito à compreensão pública da ciência.
No entanto, não há justificativa nenhuma para que parlamentares ou, pior ainda, médicos estejam espalhando desinformação sobre o tema. Quem usa seu poder político e/ou prestígio profissional para fazer isso é 1) muito tapado, 2) muito maluco, 3) muito canalha ou 4) todas as alternativas anteriores. Sinceramente, não sei o que é pior. Mas vamos lá, mais uma vez, explicar por que eles estão errados.
Por ora, o grande manancial de teorias conspiratórias tem sido as vacinas de RNA, categoria que inclui as produzidas pelas empresas Pfizer e Moderna. Outro alvo são as imunizações feitas com vírus modificados para carregar o material genético correspondente a uma proteína da superfície do Sars-CoV-2, causador da Covid-19.
Já que a deputada que anda bombardeando o público com sandices sobre o assunto não parece nem saber soletrar a sigla RNA, voltemos ao básico. O RNA é uma molécula muito parecida com o DNA, mas formada por uma fita simples, e não uma escadinha molecular torcida, como o seu “primo” mais famoso.
Sua existência no organismo costuma ser efêmera, já que um de seus principais papéis é carregar a informação presente no DNA para as máquinas de produção de proteínas das células, permitindo que elas façam seu trabalho. A ideia é que, com a ajuda das vacinas contra a Covid-19, a célula vai acabar produzindo a proteína do vírus a partir da fita de RNA que contém a “receita” dela. Temos, portanto, uma molécula estranha que será rapidamente reconhecida pelo organismo e desencadeará uma reação de defesa.
Assim, o corpo ficará preparado para contra-atacar caso entre em contato com o vírus real. O princípio adotado pelas vacinas que usam vírus modificados é similar —o que muda é que o chamado vetor viral se encarrega de trazer o RNA do Sars-CoV-2.
Alguém enfiou na cabeça que esse processo poderia modificar o DNA humano. Ocorre, porém, que o processo normalmente é de mão única: o DNA serve de molde para o RNA, o qual, por sua vez, é usado para preparar a proteína. O caminho contrário —do RNA para o DNA, digamos— precisa de condições tremendamente específicas para acontecer.
É o que os chamados retrovírus, como o HIV, costumam fazer com as células de seus hospedeiros. O HIV usa copiadoras e “tesouras” moleculares dedicadas especialmente às tarefas de passar seu RNA para uma versão em DNA e enfiar esse material genético no meio do DNA humano (esse é um dos motivos pelos quais é tão difícil derrotá-lo em definitivo).
As vacinas de RNA contra Covid-19 possuem essas copiadoras e tesouras moleculares? Não.
As vacinas feitas com vírus modificados carregam esse tipo de sistema? Não.
Essas abordagens foram desenvolvidas de uma hora para a outra, como insinuam os conspiracionistas? Não —são resultados de décadas de pesquisa, inclusive em seres humanos. O que muda é só que agora estão usando material genético do Sars-CoV-2.
Por que, então, esse povo não cala a boca? Não faço ideia, mas o fato de médicos estarem ajudando a espalhar tamanha palhaçada, e a sustentar a farsa do “tratamento precoce” contra Covid-19 (spoiler: não funciona) depõe seriamente contra a formação desses profissionais no Brasil. Eles não têm direito a tamanha ignorância.
Nenhum comentário:
Postar um comentário