terça-feira, 4 de junho de 2019

Isso não se faz, Arnesto!



Chanceler requenta mito de mudança climática refutado em 2011
Reinaldo José Lopes

Para quem se gaba de ter chegado ao poder usando os métodos mais modernos de comunicação direta com o eleitor via redes sociais, os integrantes do atual governo federal andam meio atrasados no quesito meme e conspiração internética. O pessoal está precisando se atualizar. Afinal, que outra explicação teríamos para o fato de que o chanceler Ernesto Araújo encheu a boca para repetir, em pleno Congresso, uma bobagem refutada há quase uma década?

Ocorre que nosso ministro das Relações Exteriores quis lançar dúvidas sobre as estimativas de aumento da temperatura média da Terra – usando um argumento aparentemente sofisticado.

“Nos Estados Unidos, foi feito um estudo sobre estações meteorológicas, e diz que muitas estações que, nos anos 1930 e 1940, ficavam no meio do mato, hoje ficam no asfalto, na beira do estacionamento. É óbvio que aquela estação vai registrar um aumento extraordinário da temperatura. E isso entra na média global”, pontificou ele.

“Puxa”, dirá um desavisado, “esses climatologistas são todos umas toupeiras, né? Como é que não passou pela cabeça deles tentar levar em conta algo tão óbvio?” Só para manter o clima de WhatsApp, insira aqui aquele meme com o Pica-Pau dizendo “Fui tapeado!” e dando um murro na própria mão.
Bom, tapeado só foi quem acreditou no ministro. Essa crítica acerca da qualidade das medições da temperatura mundo afora é um velhíssimo golpe dos negacionistas climáticos, aquele pessoal que acha que a humanidade não tem nada a ver com o aquecimento do planeta deste século (e que, em geral, ou recebe uma graninha da indústria dos combustíveis fósseis ou usa toucas de papel-alumínio).

Só que é lógico que isso já foi levado em conta. Em outubro de 2011 (sim, 2011, essa era longínqua na qual o governo Dilma gozava de excelentes índices de aprovação) foram divulgadas as conclusões do monumental estudo Temperatura da Superfície da Terra de Berkeley – como o nome indica, foi coordenado por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley. Sua intenção era justamente colocar à prova a hipótese de que havia problemas nas estações meteorológicas.

Acontece que essa hipótese levou uma sova da realidade.

A base de dados do estudo de Berkeley levava em conta informações de quase 37 mil locais diferentes. Desses, quase 16 mil foram confirmados, por satélite, como sendo rurais. Distantes do asfalto tão querido do nosso ministro.

E, adivinhe só, a tendência de aquecimento é a mesma em todos os conjuntos de dados – a totalidade dos locais, os locais urbanos e os locais rurais. Sim, em algumas estações há até tendência de resfriamento, o que é esperado dada a variabilidade regional do clima, mas em dois terços dos postos de medição o mundo está esquentando (cerca de um 1 grau Celsius ao longo do último século).

De quebra, medições de temperatura também são feitas por satélite (numa escala temporal mais curta, é claro). Sem surpresa alguma, tais medições confirmam o aquecimento, e é óbvio que elas não são influenciadas pela proximidade com o asfalto.

Talvez o ministro não tenha dito o que disse para engambelar os congressistas de caso pensado. Talvez esteja apenas enxergando pelo em ovo por razões ideológicas (ele é contra o “globalismo” dos “aquecimentistas”). Seja como for, isso não se faz, Ernesto.

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