segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Choque de realidade


Diogo Fagundes

A profusão de pessoas com ensino superior e até mestrado ou doutorado sofrendo com a situação de desemprego ou obrigadas a trabalhar em serviços precários, como motoristas de aplicativo, serve pra nos lembrar da profunda mistificação contida numa ideia aparentemente justa: a de que bastaria ampliar o acesso à educação para que a sociedade se tornasse mais desenvolvida e igualitária.

Esta utopia de classe média contém objetivos progressistas, atrelados, no entanto, a uma concepção falsa acerca da estratificação social das modernas sociedades de classe: as contradições sociais, no mundo atual, não estariam mais relacionadas às relações de propriedade e ao antagonismo entre capital e trabalho. De acordo com toda uma sociologia recente, qualquer um poderia adquirir "capital cultural" numa era marcada pela economia pós-industrial e pela "sociedade da informação", bastando haver maiores oportunidades de educação e acesso aos bens culturais para todos.

Nos momentos de crise, no entanto, vemos a fragilidade dessas teses: é o movimento da economia capitalista que determina, afinal, qual destinação será dada às distintas aptidões e capacitações profissionais. Um doutor em biologia molecular ou física nuclear pode muito bem ser descartado em uma sociedade baseada em soja, minério de ferro, shopping center e Uber. A possibilidade de uma economia de um país continental se basear em exportação de produtos primários in natura e serviços de baixa produtividade e, ao mesmo tempo, produzir bem-estar social coletivo, mesmo na hipótese de uma estrutura educacional superior inclusiva e sólida, é pura quimera.

Sem uma base econômica correspondente, capaz de absorver uma demanda por novos egressos das universidades, a ampliação da educação superior recentemente realizada pelos governos petistas poderá formar uma legião de jovens com expectativas frustradas e ressentimento social explosivo. Não sei vocês, mas se eu me esforçasse para obter um diploma de engenharia para em seguida ter de fazer bico em aplicativo de comida eu ficaria extremamente puto com a sociedade e com as instituições políticas.

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