Governador vê “pessoas mais felizes” no Rio, onde 15 pessoas são mortas todo dia (cinco pela polícia), inclusive crianças como ÁgathaLuiz Fernando Vianna
Para que policiais do Rio de Janeiro ganhassem bônus semestrais, um dos fatores levados em conta era a redução do número de mortes causadas pelas forças de segurança. Não é assim desde a terça 24. Como informou naquele dia o colunista de ÉPOCA Guilherme Amado, o governador Wilson Witzel retirou o indicador do cálculo.
Na prática, ele criou novo incentivo para que se mate mais. De janeiro a agosto deste ano, 1.249 pessoas perderam a vida em confrontos com a polícia, aumento de 16,2% em relação ao mesmo período de 2018.
E não entram na soma as “balas perdidas” que fazem vítimas fatais durante operações. Cinco crianças morreram de fevereiro para cá. A quinta foi Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, no Complexo do Alemão.
Parentes e testemunhas sustentam que saiu da arma de um policial a bala que a atingiu. Apenas três dias após a morte da menina, Witzel mandou publicar no Diário Oficial a mudança no cálculo dos bônus. Acaso ou sadismo?
O governador já levara mais de 48 horas para comentar o que ocorrera com Ágatha. Quando o fez, na segunda 23, foi para dizer que sua “política de segurança é exitosa”, que está reduzindo o número de homicídios no Estado a “patamares civilizatórios” (2.717 de janeiro a agosto) e que “é indecente usar um caixão como palanque” – exatamente o que ele fez ao comemorar na Ponte Rio-Niterói a morte do sequestrador de um ônibus, em 20 de agosto.
No Brasil de 2019, está difícil se espantar com gente que saliva ao falar em morte. Banalizou. Mas é preciso perseverar.
No sábado 28, o Globo publicou em seu site uma entrevista com Witzel, dada na Área VIP do Rock in Rio. Vale comentar cinco trechos.
“Os grandes eventos trazem visibilidade para o Rio e trazem turistas que passam a ver os efeitos de nossa política pública de segurança. Eles começam a enxergar como o Rio de Janeiro está sendo pacificado, com a polícia na rua, as pessoas mais felizes, o clima mudando no Rio de Janeiro. E, como a gente diz, virando o jogo.”
Pacificado? Ao menos dez pessoas são assassinadas diariamente no Estado, e a polícia mata mais cinco. Se alguém está mais feliz, talvez sejam ele e sua mulher, que aparecem sorridentes na foto de divulgação.
“Eu sou uma pessoa que não fica intimidada diante de desafios. Quero um Rio de Janeiro pujante o ano todo.”
Pujança é igual a matança?
“Estou em contato com o prefeito de Miami para me aproximar da Disney. O Rio pode ter uma visibilidade maior lá para trazer o turista para cá. Tem a conversa para trazer um parque da Disney aqui. Em Guaratiba há uma área que pertence à Igreja. São cinco milhões de metros quadrados.”
O governador sabe bastante bem que Guaratiba é dominada por uma milícia. Ele vai oferecer esse modelo de segurança à Disney? O parque da Disney movimentará ainda mais os negócios da milícia? Assim como na Copa e na Olimpíada, o cidadão fluminense vai pagar o pato e ficar com cara de pateta?
“O sambódromo pode ter um carnaval fora de época, que pode ser outubro, para aproveitar a criançada. Podemos fazer um carnaval junino, com as quadrilhas. O Rio de Janeiro já teve 800 quadrilhas e hoje tem 80.”
Ágatha e outras crianças que estão morrendo por causa da política de segurança “exitosa” de Witzel não vão poder brincar o carnaval fora de época. Já quadrilhas nunca faltarão no Rio. Se o número caiu é porque a riqueza nesse ramo está mais concentrada.
“Também penso em fazer um grande evento das polícias, uma demonstração das forças operacionais da polícia, com aeronaves, com o corpo de bombeiros. A população gosta de participar.”
Esses eventos têm sido diários, com policiais disparando de helicópteros sobre favelas. A população, inclusive crianças, participa tentando se proteger das balas. Já não é suficiente?
Como reportagem publicada pelo Globo neste domingo 29 explica, o que Witzel está conseguindo, com seu governo anticivilizatório, é ganhar projeção nacional. Sonha ser presidente para, quem sabe, federalizar as Ágathas.
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