Depois de divulgada a evolução da economia no terceiro trimestre, na 5ª feira, 3 de dezembro, o ministro Paulo Guedes deitou falação. Começou dizendo que a recuperação era mesmo em “V” e prosseguiu profetizando “uma sequência de quatro a cinco anos de crescimento forte”.
Já se sabe que as coisas não vão bem quando a incontinência verbal de Guedes dispara. É a forma usual de reação do ministro a eventos negativos. Quando a pressão aperta, ele não só sai falando pelos cotovelos como anuncia resultados esfuziantes e medidas retumbantes.
A pressão, de fato, não é pequena. Há uma segunda onda de Covid-19, o setor da Saúde está uma barafunda, reinam incertezas em relação a vacinas e programas de vacinação. Também na economia o governo está sem rumo e nem um mínimo, como aprovar ainda neste ano um orçamento organizado para 2021, está garantido.
O PIB cresceu 7,7% no intervalo julho-setembro, abaixo das projeções de que avançaria 8,5%, e o crescimento mostrou ter ocorrido num óbvio “V”, de origem estatística, diante do mergulho no trimestre anterior. Mas é um “V” capenga, com a perna da direita mais curta, pois a queda, entre abril e junho, alcançou 9,6%.
Com as informações já disponíveis do último trimestre, sabe-se que a economia vem perdendo tração. Depois do repique do terceiro trimestre, qualquer crescimento de 1% no terço final de 2020 será devidamente comemorado, pois, assim, a contração no ano ficaria abaixo de 5%.
No mercado financeiro menos apaixonado pelo “risco fiscal”, já se fala numa trajetória de crescimento sob a forma do desenho da raiz quadrada, um “√” que se estende numa reta. A expectativa mais confiável é a de que o nível do PIB pré-pandemia só seja alcançado no fim de 2021 ou mesmo em 2022.
A verdade é que a economia está longe de uma retomada verdadeira e a “recuperação” precisa vir entre aspas. Em relação ao último pico, no primeiro trimestre de 2014, o PIB ainda se encontra 7,3% abaixo. O consumo das famílias, ainda deve 6,4% e o investimento, que já não era essas coisas, permanece quase um terço menor.
Com uma injeção de recursos acima da maior parte dos emergentes, o “V” de Guedes colocou o Brasil apenas na vigésima quinta posição, entre 51 países, pelo grau de crescimento no terceiro trimestre do ano. O impulso do auxílio emergencial, das postergações de impostos, do crédito a empresas e dos programas de sustentação de empregos foi freado por uma desorganização generalizada da produção.
A origem dessa desorganização não foi culpa do governo. A responsável foi a pandemia, que provocou uma paralisação abrupta, concomitante e inédita da oferta e da procura. Quando a demanda retornou, com uma primeira reabertura das atividades e nas asas do auxílio emergencial, a produção se ressentiu da falta de insumos, matérias-primas, peças e partes.
Além da pressão de custos, a quebra nas cadeias de produção resultou primeiro em queima de estoques, depois em restrições e atrasos nas entregas. Há relatos de problemas com metais, resinas, papelão, tecidos e vários etcs.
Na ponta de uma cadeia que integra grande leque de fabricantes, as montadoras de veículos são um bom exemplo da desorganização que tem vitimado a produção. Embora com alta de 4,6% sobre outubro, o volume de emplacamento de veículos novos, em novembro, permaneceu 7% abaixo do total comercializado no mesmo mês de 2019 e registra queda de quase 30% no ano de 2020.
Segundo a Fenabrave, entidade nacional das concessionárias de veículos, o resultado teria sido melhor se o fluxo de peças e matérias-primas estivesse normalizado. O problema não estava do lado da demanda porque, ainda que com concentração em frotistas e locadoras, há filas de espera para a compra de veículos.
Para a entidade, porém, não são apenas a falta de peças e os baixos estoques que estão impedindo um deslanche das vendas. A inação, na prática, do governo federal é parte do problema. Incertezas sobre os rumos da economia, com ênfase nas ações desencontradas de enfrentamento do repique da Covid-19 e na falta de políticas claras para a compra e aplicação de vacinas, estão impedindo a reabertura de turnos de produção fechados no auge da pandemia.
Os problemas, porém, não se resumem ao que ficou para trás. No que se projeta à frente é difícil vislumbrar tão cedo retomada consistente. A primeira barreira continua sendo a da pandemia e o negacionismo com o qual o governo a encara.
Dúvidas sobre novas restrições à circulação de pessoas e de aplicação de lockdowns, em combinação com perspectivas de atrasos na definição do calendário de vacinação e sua extensão afetarão, fortemente, planos de investimento e a efetiva retomada da produção/prestação de serviços. Nem mesmo se sabe como pôr de pé uma renda básica ou, simplesmente, uma extensão do auxílio a vulneráveis, instrumento útil para pelo menos mitigar os impactos negativos de um desemprego recorde, que ainda não parou de crescer.
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