Em meio à nova escalada de casos, presidente se concentra apenas em atacar as opções de imunização contra Covid-19
Nas próximas semanas, seremos plateia angustiada de um belo espetáculo: o início, mundo afora, da vacinação contra a Covid-19. Assistiremos, do lado de fora da festa, a milhões de pessoas ganhando imunização. Se as imagens despertarem raiva, esta deverá ser dirigida a uma só pessoa: Jair Bolsonaro.
Já nem vale recordar todas as ações e frases destinadas a bloquear o combate à doença, tantas que são. Na semana que passou, em meio à nova escalada de casos, atacou as vacinas com o sadismo de quem idolatra torturadores: “Se tiver um efeito colateral ou um problema qualquer, já sabem que não vão cobrar de mim”. É exatamente ele que precisa ser responsabilizado.
Para sabotar esforços contra a pandemia, o presidente nomeou para ministro um general que não sabia o que é o SUS (Sistema Único de Saúde). Eduardo Pazuello fez carreira na Intendência. Seria um especialista em logística. Talvez seja bom em entregar quepes e coturnos, mas não vacinas. Nem testes para diagnóstico, esquecidos no Aeroporto de Guarulhos. Não se preparou sequer para comprar com antecedência as seringas e os frascos. Salvar vidas não é com ele.
Afirmou que o Brasil terá “uma, duas ou três vacinas”. A imprecisão denuncia o quanto está perdido. Outros países encomendaram várias, de empresas diferentes, como garantia. Por isso, começarão logo a imunizar a população. Por aqui, não antes de março. São Paulo poderá iniciar antes, se a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), submissa a Bolsonaro, não criar barreiras. O presidente não quer que o governador João Doria (PSDB), seu provável rival em 2022, fature esse ganho político.
Até as 20h de sábado (5), haviam morrido 660 pessoas no país nas 24 horas anteriores. Na média móvel (média entre o número de óbitos no dia e os dos seis anteriores), foram 579, um crescimento de 20% em relação à marca de 14 dias antes. Já são mais de 176 mil mortos no Brasil. Antes do Natal serão 180 mil. Pazuello ainda teve o despautério de dizer que não houve escalada de casos enquanto aconteciam as campanhas para prefeitos e vereadores. O morticínio é desejado e desenvolvido por Bolsonaro.
Espera-se que, em algum momento, ele tenha que prestar contas em algum tribunal por seu comportamento criminoso. No campo político, a conta pode chegar antes. A popularidade que conquistou junto aos mais pobres por causa do auxílio emergencial – que ele não queria dar – despencará se a fonte secar. As cenas de cidadãos do mundo se vacinando enquanto aqui se morre aos magotes não deverá fazer bem à sua imagem, caso a população se dê conta de quem é o principal culpado pelo atraso.
Embora, como tem sido falado, as eleições municipais de novembro possam ter castigado a extrema-direita, ainda há um bom número de votos a ser disputado nesse campo. Se o presidente sucumbir graças ao seu fanatismo anticiência e ao seu prazer em ver outros morrerem, algum candidato de direita ou centro-direita (essa geometria anda complicada), como Doria ou Luciano Huck, herdará esse eleitorado. É um bom suporte para enfrentar os nomes da esquerda desunida.
A extrema-direita ainda perdeu um possível candidato. Na frase sarcástica do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), em entrevista ao jornal “O Globo”, Sergio Moro virou “consultor da Odebrecht”. A rigor, não é bem assim. Ele se tornou sócio-diretor da consultoria internacional Alvarez & Marsal para ensinar a empresas a fazer “coisa certa”, segundo suas palavras. Ou seja, a não serem pegas por juízes metidos a durões.
A Alvarez & Marsal foi escalada pela Justiça brasileira para cuidar da administração judicial da Odebrecht e de mais três empresas condenadas pela Lava-Jato. Oficialmente, Moro está em outro departamento. Mas será que todo o seu conhecimento de juiz dos casos não será utilizado por quem está lhe pagando uma fortuna?
Ele foi pego, pelos documentos revelados pelo site The Intercept, trabalhando junto ao Ministério Público contra Luiz Inácio Lula da Silva e outros a quem deveria julgar com imparcialidade. Ao mandar Lula para a cadeia, facilitou o caminho de Bolsonaro. Depois, aceitou ser ministro da Justiça daquele a quem ajudou. Agora, com sua troca da vida pública pela privada, mesmo os lavajatistas mais empedernidos poderão desconfiar que seu herói não é tão herói assim.
Parece que ele ainda sonha ser presidente. Não é certo que ainda sonhem com ele presidente. Os moralistas estão perdendo Moro. Desculpem a imagem fúnebre, mas poderão perder as vidas por causa da omissão proposital de Bolsonaro no enfrentamento da Covid-19. Ainda continuarão votando na extrema-direita?
Como disse o compositor Aldir Blanc na véspera de ser internado com Covid-19, da qual morreria após 23 dias de suplício: “Os piores bandidos são os que se consideram mocinhos”.
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