sábado, 5 de dezembro de 2020

Menines, eu vi


O limão de R$ 2.392 do supermercado Santa Luzia

Cozinha Bruta 

Marcos Nogueira


Você sabe o que é limão-caviar?

Eu também só ouvia falar. Nunca comi e, até ontem, não tinha visto.

Limão-caviar é um cítrico australiano, também chamado de “finger lime” –“limão-dedo” em inglês, devido à forma longilínea da fruta. O “caviar” se deve às esferas cheias de suco dentro do limão, que se parecem com ovas de peixe.

Preço é outra semelhança.

Postaram no Twitter uma foto de limão-caviar à venda na Casa Santa Luzia, em São Paulo. O preço da coisa: R$ 2.392 por quilo. Uma bandeja com dois frutinhos, míseros 30 gramas, custava R$ 71,76.

Eu precisava ver com meus próprios olhos.

Peguei um Uber para o Santa Luzia e fui direto à seção de frutas e verduras, mas não achei o tal limão. Perguntei para um funcionário, que sabia de cor o quadrante de geladeira da tão preciosa fruta. Deve ser atração turística do local.

Meninos, eu vi! E, olha, ninguém dá nada por aquela mixaria mirrada, com jeito de pimenta ardida, no meio de tantas outras coisas verdes mais apetitosas. Mas a etiqueta estava lá e atestava: 38 gramas por majestosos R$ 90,90. Limão.

A Casa Santa Luzia, supermercado no miolo dos Jardins, é referência nacional em comidas especiais, importadas e, por assim dizer, gourmet. Se eles não têm determinado ingrediente, vai ser difícil encontrá-lo em qualquer outro lugar de São Paulo.

É também o playground dos super-ricos metidos a chef. Seus corredores são povoados por motoristas e domésticas de uniforme, famílias de diplomatas estrangeiros na xepa do real nanico, senhoras da sociedade e desocupados em camisa polo.

O Santa Luzia –apesar de ser “casa”, os paulistanos usam artigo masculino por se tratar de um mercado– costumava ser também onde a classe média ia para compras especiais. Quando o Enzo queria impressionar a Valentina com risoto e cordeiro.

Não mais. Esses dias acabaram. Porque, meninos, eu vi!

Eu vi e fotografei, mas comprar, que é bom, quase nada. Eu vi castanhas portuguesas a R$ 217 o quilo. Eu vi um pão de forma de R$ 52. Eu vi um vidro de atum que custava R$ 189 e uma caixa de biscoitos de R$ 224. Eu vi uma granola de R$ 41. Eu vi um panetone de R$ 1.122!

Meninos, eu vi com estes olhos que a terra há de comer: uma mulher de alguma idade jogou no carrinho uma conserva de alcachofra de R$ 157. Sem nem olhar a etiqueta.

Sempre houve artigos caríssimos no Santa Luzia. Eles eram uma espécie de alívio cômico para nós –que deliberadamente arrombávamos o limite do cartão por um jantarzinho. “Hahaha, olha lá, Valentina: cogumelos morilles por R$ 200!”, dizia Enzo enquanto pegava os cogumelos porcini de R$ 30.

Enzo e Valentina agora comem carne dianteira de boi porque a traseira não dá mais para comprar. Ainda mantêm a pose: só levam denver steak, que é acém chique.

A inflação de alimentos e a explosão do câmbio destruíram a utopia gourmet da classe média. E deve piorar. Não vai sobrar uma lasquinha de grana padano para contar essa história.

Nenhum comentário:

Postar um comentário