segunda-feira, 17 de junho de 2019

Três modos da estratégia do bolsonarismo


Luis Felipe Miguel

No começo da Folha de S. Paulo de hoje, na página 2, uma estranha coluna de Marcus André Melo especula sobre os "efeitos políticos" da VazaJato. Lula sairia fortalecido mas, exatamente por isso, a oposição perderia. Como o tema da corrupção volta à tona, Bolsonaro é beneficiado. Moro perde a vaga no Supremo, mas ganha politicamente.

Não creio que seja um bom exercício de especulação; de fato, as conclusões parecem demasiado conduzidas pelas simpatias e antipatias do articulista - e, mais ainda, ele não leva em conta a dinâmica do escândalo, que ainda está em processo e tende a acuar cada vez mais os conspiradores contra a democracia.

Mas o principal é que "efeitos políticos" se resumem a impactos nas ambições de agentes individuais. Fora uma breve referência ao maior "protagonismo" que os militares devem assumir, nada sobre os efeitos no sistema político. Nada sobre os efeitos na possibilidade de retomada da democracia ou, ao contrário, recrudescimento da nossa deriva autoritária.

Melo, que nunca escondeu seu apoio ao golpe de 2016, entende que o que está em jogo agora não é só Moro ou o governo Bolsonaro, mas toda a trama política que levou à derrubada de Dilma e à criminalização da esquerda. Em seu texto, a "petite politique" se torna toda a política - com isso, o entorno institucional é naturalizado, logo não há espaço para que seja questionado.

Já na última página do jornal, deparamos com a coluna de Luiz Felipe Pondé. Ele tem uma vantagem: como está há muito tempo desmoralizado, não precisa se importar com o risco de se desmoralizar. Chama a VazaJato de "terrorismo digital", e essa seria a verdadeira ameaça para o Estado democrático de direito no Brasil.

Afinal, jogar às favas o devido processo legal, o direito a um julgamento justo e as garantias individuais não ameaça o Estado democrático de direito, não é mesmo?

Mas eu gostei mesmo foi de um parágrafo em especial: "O PT não tem moral pra falar de defesa da democracia. Caso Haddad tivesse vencido as eleições, hoje apoiaríamos o ditador Maduro na Venezuela, que foi elogiado por altas patentes do partido quando foi 'reeleito'. Portanto, a narrativa de virgem violentada que o PT faz após esse conteúdo hackeado só engana bobo."

Reparem no "portanto". É um truque que qualquer estudante do ensino médio já sabe que nunca dá certo: juntar informações disparatadas e enfiar um "portanto" para fingir que elas criam uma cadeia de causa e consequência. O PT apoia Maduro, "portanto" não pode ser vítima de conspiração entre o juiz e o Ministério Público.

Já no Twitter, foi o tal "pavão", nada misterioso, que pôs o exército robótico de bolsomínions para trabalhar com falsificações tão grosseiras que chegam a ser risíveis. Os erros primários de inglês em pretensos documentos bancários, inclusive na notação das quantias (feita ao modo brasileiro), já mostram à primeira vista a fraude.

Fica claro que não há a intenção de enganar ninguém: o objetivo é apenas dar alimento para que os bolsonaristas permaneçam em sua espiral de ódio e negação. Eles reproduzem entre si a falsificação, indiferentes à sua total falta de credibilidade, e com isso se entretêm. Afinal, a base do bolsonarismo precisa estar sempre agitada, para não haver o perigo de, em algum momento de folga, inadvertidamente uma sinapse cerebral ocorrer e um deles pensar sobre o que está falando.

De diferentes maneiras, dirigindo-se a públicos com grau decrescente de sofisticação, Melo, Pondé e "pavão" ilustram a mesma estratégia: apagar o elemento central do escândalo em curso - uma conspiração contra a democracia - e focar no acessório, por meio seja da naturalização dos gravíssimos crimes cometidos por Moro, Dallagnol e companhia, seja pela invenção de diversionismos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário