Em O medo à liberdade, publicado em 1941, o
filósofo, sociólogo e psicanalista judeu Erich Fromm procura compreender a personalidade daqueles que apoiaram a
ascensão do autoritarismo e do nazismo. No apêndice do livro, Fromm lembra
que, antes de Hitler chegar ao poder, a maioria dos trabalhadores alemães
votava nos partidos socialdemocrata ou comunista. Todavia, ainda que as ideias
desses partidos tivessem um amplo alcance junto à classe
trabalhadora, o peso dessas ideias não era proporcional ao seu
alcance.
Duas posições socialistas tiveram pouca importância entre os
trabalhadores que se identificaram com o nazismo: a independência frente à
autoridade e a solidariedade frente ao individualismo. Pelas análises de Fromm,
a submissão servil à autoridade e o individualismo estão arraigados na
personalidade das pessoas que passaram por uma formação protestante e
calvinista.
As teorias de Lutero libertam o povo da autoridade da
Igreja, mas submetem o homem à autoridade tirânica de um Deus que articula a
salvação ao aniquilamento da sua personalidade. Além disso, Lutero e Calvino
sustentam a ideia de uma salvação completamente individualista. Em grande
medida, afirma Fromm, esse individualismo espiritual está em consonância com o
individualismo econômico.
Para os calvinistas, existem duas classes de pessoas:
aquelas que serão salvas e aquelas destinadas à condenação eterna. Pela
doutrina da predestinação calvinista, as boas obras não oferecem ao homem a
certeza de ser um dos escolhidos. No entanto, o esforço moral e a vida virtuosa
são signos do seu pertencimento ao grupo dos eleitos. Segundo Fromm, a angústia
e a impotência provocadas pela incerteza da salvação estimulam o calvinista a
mergulhar numa atividade frenética e compulsiva. Desse modo, além do esforço
moral, os calvinistas cultivam o trabalho incessante.
A ideologia nazista, observa Fromm, preenche três demandas
gerais de um povo formado por essas crenças: impõe um líder autoritário que
retira das pessoas a pesada carga de serem livres, sustenta uma certa
desigualdade natural entre os homens (negando a solidariedade) e forja um
critério para separar a sociedade entre aqueles que merecem pertencer à pátria
e aqueles que devem ser perseguidos e eliminados.
No Brasil, as igrejas neopentecostais estimulam as práticas
calvinistas que cultivam a obediência religiosa e o trabalho árduo. Por outro
lado, ao contrário do que defendem os calvinistas e as igrejas
pentecostais, as
igrejas neopentecostais pregam uma “teologia da prosperidade” que
liberta os fiéis das exigências ascéticas e autorizam o desfrute das fortunas
mundanas.
Segundo a antropóloga Diana Lima, a partir dos anos 90, com
a implementação de uma economia marcada pelos princípios do “mercado
livre”, essas
igrejas tiveram um grande aumento do número de fiéis. No governo Collor, o
Estado priorizou a abertura dos mercados e as privatizações, e incentivou novos
empreendimentos empresariais pautados por programas de eficiência.
Na grande mídia, nos anos 80 e 90, ganham espaço temas
relacionados aos negócios e publicações que glorificam a riqueza e o sucesso
financeiro, tais como: Caras, Quem acontece, Chiques
e famosos, Tititi, etc. Algo
semelhante ocorre na televisão, que investe em programas de entrevistas e de
variedades com o mesmo foco: Flash, Faustão, Gugu, Ana
Maria Braga, etc.
Em sua pesquisa etnográfica com fiéis da Igreja Universal do
Reino de Deus, Lima destaca que, semanalmente, os templos promovem um culto à
prosperidade, no qual a pregação discorre sobre a legitimidade da abundância e
a importância dos pequenos empreendimentos. Pelo
relato de um dos fiéis que largou o emprego de porteiro num prédio comercial,
onde recebia três salários, cesta básica, vale alimentação e plano de saúde,
para tentar a sorte como camelô: “Ele [o pastor] tenta te ensinar a batalhar
por uma vida melhor, mas com Deus, né?…”
Num de seus períodos mais conservadores, a revista Veja afirmou
que, com sua doutrina do bem-estar econômico, nos anos 70 e 80, as igrejas
neopentecostais tiveram o mérito de se contrapor à influência da Teologia da
Libertação e de barrar o avanço das ideologias revolucionárias da
esquerda na América Latina. Ao contrário do que sustentam as teorias marxistas,
argumenta um dos colunistas da Veja numa edição publicada em
2008, para as neopentecostais, “a pobreza
é resultado do fracasso pessoal, não de um sistema econômico injusto”.
Se o argumento de Fromm faz algum sentido, ou seja, se a
adesão, nos anos 30, de grande parte da classe trabalhadora alemã ao
autoritarismo e ao nazismo guardava alguma relação com a influência das
doutrinas calvinistas, é bem provável que, atualmente, a influência das
doutrinas neopentecostais também tenha alguma relação com a ascensão de
governos autoritários.
Que fazer? No fim do livro O medo à liberdade,
Fromm aposta num amplo projeto de formação e de educação. A médio e longo
prazo, penso que a criação de mais escolas de qualificação de
trabalhadores, como
a Universidade da Correria, coordenada pelo Dinho (Anderson França), hoje
no exílio, seria muito importante para abrir uma alternativa à teologia da
prosperidade. Com relação à adesão da classe trabalhadora a governos
autoritários, talvez, este risco estará sempre presente nos países de regime
democrático. De todo modo, é bom considerarmos a hipótese de que políticos
autoritários não são eleitos, apenas, em razão dos equívocos eleitorais da
esquerda.
Paulo Fernandes Silveira (FEUSP e IEA-USP)
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