Com a reação dura às declarações de Eduardo, chineses enviam mensagem poderosa ao mundoMathias Alencastro
No começo, ele era uma piada. Ernesto Araújo deambulava pelos corredores do Itamaraty com seu jeito de personagem de comédia americana, espalhando bobagens sobre marxismo e provocando risos entre os seus homólogos estrangeiros.
Com o tempo, a brincadeira ficou mais séria. Mais habilidoso do que muitos antecipavam, o chanceler conquistou o coração de Jair Bolsonaro, impôs a sua agenda conservadora na arena internacional e mobilizou um número considerável de diplomatas. Ele era o mais bem-sucedido ministro olavista.
Mas a carreira ministerial de Ernesto Araújo terminou quando ele endossou o ataque de Eduardo Bolsonaro à China. Ao trazer a polêmica para o coração do Executivo, o chanceler dinamitou as tentativas de controlar os danos de Hamilton Mourão e Rodrigo Maia. Uma manobra que compromete a resposta do Brasil.
Por força das circunstâncias, a China é a única potência em condições de liderar a resposta global ao coronavírus. Mergulhados na pandemia e prestes a entrar em temporada eleitoral, os Estados Unidos se preparam para hibernar diplomaticamente. Enquanto isso, a União Europeia simplesmente fechou as portas.
Não surpreende, portanto, que países do Atlântico Norte tenham começado a receber ajuda material e técnica dos chineses. Também já é claro que a salvação de muitos Estados africanos depende da assistência de Pequim.
A ação chinesa tem motivações defensivas e ofensivas. Ela busca dissociar a imagem do país da Covid-19 e ampliar a sua esfera de influência. Com a reação dura às declarações de Eduardo Bolsonaro, os chineses enviam uma mensagem simples e poderosa ao mundo: quem culpá-los pela pandemia está fora da nova ordem mundial.
Depois de assumir o papel de vilão ideal na crise ambiental do ano passado, o governo Bolsonaro deu um jeito de virar o idiota útil da crise sanitária.
A política da pandemia é tremendamente complexa. Todos cometeram erros graves. Xi Jinping encobriu os primeiros relatos do vírus em dezembro. Donald Trump ignorou relatórios alarmantes dos seus serviços de informação. Emmanuel Macron impressionou vestindo a farda de Charles de Gaulle, mas poucos o perdoam por ter mantido o pleito eleitoral da semana passada.
A palma da ousadia vai para Boris Johnson. Numa tentativa de se diferenciar da União Europeia e validar a escolha do brexit, ele ensaiou uma estratégia de imunidade coletiva. Foi obrigado a retropedalar na última hora.
A tolerância para atrasos terminou na semana passada, quando todos os líderes globais se colocaram em ordem de marcha. Todos menos Jair Bolsonaro, que conseguiu o feito inédito de atrelar o seu destino político à curva de crescimento do coronavírus. A evolução da situação tornará o despreparo do seu governo cada vez mais evidente.
No campo da política externa, a estratégia encampada por Ernesto Araújo deixou o Brasil completamente isolado e ridicularizado no momento mais grave desde a Segunda Guerra Mundial. Não restam dúvidas de que a reação do país à pandemia passa por encerrar esse parêntese absurdo das suas relações internacionais.
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