segunda-feira, 29 de junho de 2020

Não são números


José Roberto Torero Fernandes Junior


A coisa mais bela e triste que li sobre as mortes pela covid-19 foi o www.inumeraveis.com.br.

Ali você conhece Francisca, que transformava até seu arroz queimado em alegria; Nilza, que reencontrou sua filha depois de 29 anos; Hailton, que tinha como bordão "O que precisar, é só pedir"; Julcivan, de 48 anos, que amava açaí com camarão; Eduardo, o inspirado professor cearense que escrevia poemas até em guardanapos; Agatha, que tinha apenas 25 anos e adorava gatos; Seu Barone, eterno chefe da estação Pirituba; Elzo, que amava Luiza e o Londrina Esporte Clube; Adonias, que falava pouco e ria muito; Laura, que nas festas jogava bombons para o alto; Quézia, de 34 anos, que não entendia como Deus podia ser tão bom com ela; Maurício, que ficava feliz com casa cheia,, mesa farta e todos falando ao mesmo tempo; Paulo, que queria ser criança para sempre; Vanildo, que tinha 56 anos e queria viver até os cem; e Quitéria, que amava a família, a praia de Iracema e o bloco "O cheiro é o mesmo".

Vendo aqueles resumos de vida, a gente percebe que 57 mil é um número horrível, desastroso, funesto. Mas é apenas um número. Na verdade, são inumeráveis histórias, inumeráveis pessoas que poderiam ter tido uma vida mais longa e feliz.

E aí vem uma raiva imensa. Sem usar nenhuma palavra de ordem, nenhuma frase de indignação, aquelas histórias mostram que Bolsonaro não é apenas corrupto, imbecil e fascista. Ele é um irresponsável que causou milhares de mortes. Um assassino. E por isso deveria ser deposto e preso.

Mas não quero, nem acho justo, acabar este texto falando nele. Porque há histórias como a de Zélia, que adorava cantar uma música que dizia "Igual à andorinha, eu parti sonhando".


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