terça-feira, 30 de junho de 2020

O que leva alguém a não usar máscara contra a Covid-19?


Atila Iamarino
Mais informação não altera atitudes em relação à ciência
Pergunte a qualquer pessoa o que um gráfico decrescente quer dizer e a maioria intui que é uma quantidade caindo com o tempo. Mas basta misturar um pouco de disputa ideológica e um fenômeno interessante acontece.

Se você rotular o gráfico como quantidade de gelo na Antártida ao longo do tempo e perguntar de novo, quem nega que o aquecimento global exista passa a interpretar o gráfico de maneira errada. E quanto maior o grau de educação, maiores as chances de a pessoa errar na interpretação e arrumar uma boa desculpa para isso.

E aquecimento global não é o único alvo polarizado sobre o qual as pessoas erram propositalmente ao serem perguntadas. A academia americana de ciências pergunta regularmente se as pessoas acreditam que o universo começou com o Big Bang. Apesar do avanço da ciência e todo gasto com educação e divulgação científica dos EUA, a taxa de acerto tem se mantido em 40% desde pelo menos 2012.
É uma pergunta com duas alternativas, sim ou não. Se as pessoas estivessem chutando uma resposta, acertariam metade das vezes. Essa quantidade de “erros” não é por acaso.

Quando mudaram a pergunta para “De acordo com astrônomos, o universo começou com o Big Bang?”, em 2016, quase 70% dos respondentes acertaram que sim.

A maioria dos americanos entrevistados sabe que essa é a visão científica, só não concordam com a ciência. Metade dos entrevistados que “erraram” não o fizeram por falta de informação mas sim porque discordam da realidade.

Esse fenômeno do raciocínio politicamente motivado passando por cima do que diz a realidade não é exclusivo de áreas científicas; só fica mais evidente aqui pois o consenso científico é menos rotulável como opinião. Mas a própria divulgação científica frequentemente ignora o fenômeno e ainda assume que se as pessoas pelo menos tivessem acesso à informação, veriam a verdade.

Ainda se descrevem os erros em pesquisas públicas sobre evolução como “falta de familiaridade com o tema”. E agora nós vemos essa negação colocando a saúde das pessoas diretamente em risco. Ceticismo sobre casos, ceticismo sobre medidas, até as mortes por Covid-19 se tornaram mortes de “pessoas com Covid-19”.

Movimentos de direita nos EUA inauguram o ceticismo sobre as máscaras, que seriam movimento da esquerda para domar as pessoas. Pergunte para uma asiática se as máscaras funcionam e ela vai responder, de máscara, que com certeza. Pergunte a um brasileiro e é questão de tempo até ele colocar em dúvida, como líderes políticos vêm fazendo. Como já fizemos com as vacinas.

Aliás, vacinas contra o coronavírus serão outro problema. Parece que todos estão esperando sua dose para voltar a rua, mas, dependendo da vacina que der certo, a história pode ser bem diferente.

Se a primeira vacina disponível vier de uma empresa com “sino” no nome, conspirações contra a “vacina chinesa” certamente farão da Covid-19 um problema mais persistente, como ainda é o sarampo.

O livro “ The Knowledge Illusion” define muito bem o que acontece. As atitudes em relação à ciência não são determinadas por uma validação racional de evidências. Por isso, mais informação não muda essas atitudes. As atitudes científicas são determinadas por fatores contextuais e culturais que as fazem muito resistentes à mudanças.

Ou seja, se sua comunidade acha usar máscaras uma afronta à liberdade ou qualquer outra indignação nociva dessas, não serão mais fatos ou mortes que vão convencer essas pessoas a colocarem máscaras. O mesmo acontecerá com vacinas. Por mais vidas que estejam colocando em risco. A solução, nesse caso, não é dar mais informação mas sim cobrar uma postura da mesma maneira que fazemos com cintos de segurança. Vacinas talvez precisem ser impostas, assim como o uso de máscaras.

Atila Iamarino
Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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