sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Desde janeiro, ninguém governa o Brasil


Valeu a pena eleger Bolsonaro?

Bruno Bimbi
Não é mau governo nem desgoverno: é antigoverno
Desde janeiro, ninguém governa o Brasil. Enquanto Jair Bolsonaro (PSL) insulta e ameaça adversários e jornalistas, seus filhos se dedicam a outras coisas —zero um, a lavar dinheiro da milícia; zero dois, a difamar pessoas com fake news; e zero três, a explicar que ter fritado hambúrguer nos EUA o habilita a ser embaixador. Ninguém cuida dos assuntos públicos, que, em países normais, são prioridade. Não é um mau governo, nem mesmo um desgoverno, mas um antigoverno.

A função do ministro da Educação é destruí-la. Cortando bolsas de pós-graduação e pesquisa, asfixiando as universidades e incentivando a caça às bruxas contra o comunismo imaginário e a inexistente “ideologia de gênero” nas escolas, sua missão é deseducar. Enquanto isso, o presidente e seu guru terraplanista negam o conhecimento científico e reescrevem a história. Da mesma forma, o ministro do Meio Ambiente ataca ONGs ambientalistas, demite cientistas e técnicos concursados, flexibiliza normas e controles e incentiva a depredação ambiental.

Há, também, uma ministra da Família que odeia as famílias não aceitas por sua igreja, e um chanceler que é um mitômano, dedicado a dinamitar o Itamaraty e acabar com seu prestígio, ajudado pelo presidente, que insulta e ofende outros chefes de Estado. 

E o que dizer da política cultural, que consiste em desmontar os programas de incentivo à cultura? A equipe de Bolsonaro é formada por pessoas que não passariam num concurso público, nem mesmo no psicotécnico de um emprego privado. Foram escolhidos por sua vocação insana para destruir as pastas que iriam chefiar. Nas agências de controle, técnicos foram substituídos por amigos.

A escolha do novo chefe da Procuradoria-Geral da República e a intervenção na Polícia Federal podem colocar esses órgãos a serviço do zero um, suspeito de vários crimes. Só falta nomear um estuprador à frente do combate à violência de gênero. Seria notícia, mas não surpreenderia ninguém.

Bolsonaro terceirizou a política econômica, como outros presidentes, e o ministério da Justiça, entregue ao juiz que encarcerou Lula. Foram concessões políticas, uma porque tranquilizava “os mercados”, e a outra porque agradava parte da classe média. Mas mesmo esses ministros, mais qualificados do que a corte de lunáticos, fanáticos e incapazes que se mudaram para Brasília, partilham da vocação por destruir, seja o estado de bem-estar social, no caso de Paulo Guedes, ou os direitos civis, no caso de Sergio Moro.

Há uma pulsão de morte que norteia as obsessões do presidente: liberação de armas e agrotóxicos, incentivo à depredação ambiental, incitação à prática de execuções policiais, discurso de ódio contra LGBTs num país que mata centenas de nós por ano, revogação de leis de trânsito que salvam vidas nas estradas etc.

Mas era previsível. Fui dez anos correspondente no Brasil e me surpreende que alguém tenha pensado que seria diferente. Bastava conhecer a trajetória de Bolsonaro no Parlamento e de seus filhos no submundo da política fluminense para prever tudo o que viria.

Valeu a pena essa distopia? Estão satisfeitos por terem derrotado a esquerda? O que virá quando Bolsonaro, encurralado pelo fracasso, ensaie uma via mais autoritária, clausurando de vez a democracia? Quanto custará, depois, reconstruí-la?

Bruno Bimbi
Jornalista e escritor argentino, doutor em estudos da linguagem (PUC-Rio)

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