Personagem de Machado de Assis achava-se tão saudável que escolheu ser o único interno de seu asilo de loucos, deixando livre a populaçãoLuiz Fernando Vianna
Na novela “O alienista”, de Machado de Assis, o médico Simão Bacamarte consegue recolher a seu asilo de loucos, a Casa Verde, quatro quintos da população da cidade de Itaguaí. Até que se dá conta que é ele quem deve se internar, deixando livres os outros moradores. De alienista vira alienado.
Isola-se por se achar completamente são. Concluíra que os loucos de fato, credenciados ao asilo, são os saudáveis. E não enxergava alguém tão equilibrado quanto ele. O médico, em classificações contemporâneas, combinava paranoia, mitomania, arrogância e tirania.
Jair Bacamarte deve se recolher ou ser recolhido a um ambiente em que não faça mal a pessoas, ainda mais a milhões delas. Os habitantes desta Itaguaí continental que se submetem de bom grado ao enfermo – misto de maníacos e masoquistas – estão convidados a lhes fazer companhia, poupando os círculos sociais das transmissões de vírus e mentiras. Ou podem apenas viver em paz com seres humanos.
O governo de Bacamarte/Bolsonaro não acabou, como afirmou o corajoso haitiano na cara do Napoleão de anedota. Ainda lhe resta uma caneta Bic. Com ela assinou na sexta 20 a Medida Provisória que derruba decisões estaduais tomadas para frear o avanço do coronavírus.
Ao que tudo indica, o insensato (ou criminoso?) empurra o vírus São Paulo e Rio de Janeiro adentro apenas para fustigar João Doria e Wilson Witzel. Vê a dupla como obstáculo ao seu sonho de reeleição. Não sabemos o que acontecerá em abril, e ele se preocupa com 2022.
Milhares ficarão doentes, tal como estão os (ao menos) 22 integrantes da comitiva presidencial que foi bajular Donald Trump em Washington – o 23º a ser contaminado foi o prefeito de Miami. Tal Bacamarte, Bolsonaro continua se dizendo são, embora não exiba o atestado. Permanecerão de pé os incautos que esfregaram suas mãos nas do ídolo, na porta do Planalto, na cerimônia chocante do domingo 15?
Até a noite deste sábado (21), a pandemia matara mais de 12 mil pessoas. Na Itália, caem centenas a cada dia. O vírus mal chegou à África e às favelas superpopulosas das metrópoles nacionais. A curva de casos no Brasil sobe a ponto de dar vertigem. E subirá mais. Enquanto isso, o Nero da Barra da Tijuca tripudia da desgraça alheia cuspindo palavras como “gripezinha”, “fantasia” e “histeria”.
O impeachment é improvável. Seria necessária uma inédita deposição à distância, com parlamentares votando de suas trincheiras online. O jeito, para usar o verbo em voga, é neutralizar. A tinta de sua caneta só deve servir para colorir quadros do Romero Britto e sua voz, para jogar perdigotos em apresentadores de TV comprados.
Simão Bacamarte não teve filhos. Assim como Brás Cubas, outro personagem de Machado de Assis, não transmitiu a nenhuma criatura o legado da nossa miséria. O Brasil não teve a mesma sorte de Itaguaí. Para o mascarado de chanchada, é um alívio. Ao se recolher ou ser recolhido, poderá ter a companhia de Eduardo Bananinha, Flávio Rachadinha e Carluxo Estouradinho. Na Casa Verde e Amarela, eles residirão, pelo menos, até a pandemia passar.
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