Tô ouvindo um podcast com o roteirista/diretor Jonathan Nolan falando como foi construir o mundo de 2058 na série #Westworld. Ele fala que seus primeiros 18 anos foram no Reino Unido. E quando ele mudou pros Estados Unidos ele achou que tinha mudado pro futuro.
Aí um dia ele foi visitar um amigo em Hong Kong, e ele percebeu que o mundo futurista construindo por Hollywood na verdade não existe nos Estados Unidos. Porque a infraestrutura aqui é ultrapassada.
Por isso ele filmou em Singapura e Valência, na Espanha. Os aeroportos aqui são muito velhos, ultrapassados, pequenos pro fluxo de pessoas. As estradas são sobrecarregadas de carros. Toda tarde, um trajeto que normalmente duraria 40 minutos entre DC e Baltimore na hora do rush vai durar entre 1h e 40min ou duas horas. É muito carro. É pouco transporte público. Não tem trem-bala. O maior terminal de ônibus de NY é pior que o terminal Tietê, mais sujo e o metrô mais velho (sim, vai pra qualquer lugar quando não quebra e fode a cidade).
Ele disse que na Ásia não tem a burocracia que tem aqui, porque aqui se um velhinho fizer uma petição e os moradores disseram que não querem uma rodovia, ela não passa pela sua casa.
Aí ele faz um comentário dizendo falando que ama os Estados Unidos, que não queria morar num lugar totalitário, mas é fato que na Ásia eles constroem o que quiserem porque seus Estados não são livres.
E agora ele e o âncora estão debatendo o que as pessoas nos Estados Unidos interpretam como liberdade. Porque estadunidenses pensam que ser livre é fazer, dizer o que quiser, na hora que quiser, contra quem quiser, por isso agora estão desrespeitando a quarentena.
Ele diz que ele sente os EUA se transformando na Inglaterra: “A gente não vai construir nada pra não incomodar ninguém”.
Agora o Nolan tá falando sobre o gênero western ser essa versão radical da liberdade americana, porque no Velho Oeste é cada um por si.
Agora ele fala que ele ama os Estados Unidos, mas que “imagine o que os Estados Unidos estariam fazendo em relação a isso 20 anos atrás. Estaria provavelmente liderando no combate e ajudando o resto do mundo. Hoje a gente não consegue fazer nem pela gente”. PÁ!
Agora ele está se reclamando da qualidade das estradas nos EUA. Nesse ponto eu posso dar o meu depoimento como guia turístico, porque quando vou pra Boston ou pra Washington DC com meus grupos, eu vou passar entre quatro e dez horas na estrada.
Como o movimento é muito intenso, especialmente na Baltimore-Washington Parkway, tá cheio de trechos esburacados, o túnel que passa embaixo do rio Patapsco sempre tem uma pista fechada, a travessia do Lincoln Tunnel, quando chego a NY, não vai durar menos de 40 minutos, 1 hora.
E olha que o pedágio do Lincoln Tunnel custa US$ 16.
Agora ele disse que a economia americana vai a 400km/h, mas sem cinto de segurança. “Podemos consertar isso."
Agora ele fala q #WestWorld discute consciência individual e consciência coletiva. E que os Estados Unidos até fevereiro de 2020 agia feito o caubói. Mas depois disso, o país teve que apelar pra consciência coletiva, porque o #covid_19 não dá a mínima pras liberdades individuais.
Agora ele fala que a terceira temporada é sobre como estamos entregando nossos dados para o Google e o Facebook e como essas empresas não são regulamentadas.
E que o Facebook ainda está resistindo não aceitar anúncios mentirosos, sem colocar nenhum aviso.
Aí ele fala: não podemos fazer isso na TV. A TV é regulada desde muito tempo. No Facebook você pode.
Agora ele relaciona isso com o Brexit e o escândalo da British Analytica. “Meus filhos perderam o direito a cidadania em 26 países da noite pro dia. Isso pra quem cresceu no Reino Unido era inconcebível.
O escândalo da Cambridge Analytica sobre essa empresa de coleta de dados que vendeu os dados dos eleitores britânicos pro grupo pro Brexit que passou a divulgar fake news sobre a União Europeia pra influenciar o voto pela saída.
Quem ajudou a Cambridge Analytica foi o Steve Bannon, ex estrategista da casa branca, supremacista, extrema direita que queria cravar um punhal no coração da UE e que foi conselheiro de Eduardo Bolsonaro. Então, gente, existe sim o cabinete do ódio.
Agora ele disse aqui que eu falei sobre parar de dar plataforma e outro lado pra conspiracionista. “Ter vozes dissidentes é algo bom, ter inúmeras vozes dissidentes sem nenhuma regulamentção vai nos levar ao ponto em que a verdade vai se tornar cara. Vamos ter que pagar por ela.”
“A internet é um verdadeiro velho-oeste. Daqui a dez anos pra saber a verdade vc vai ter que ser rico e assinar um serviço pra te dizer o que realmente está acontecendo.”
“Por exemplo, nessa situação de pandemia, se eu procuro na internet sobre um determinado medicamento vou encontrar 50 artigos todos discordantes. Fomos muito longe e precisamos de regulação, não muita, só um pouquinho.”
“Só algo suficiente pra que a gente possa diferenciar o que é informação e o que é papo furado.”
Agora ele fala de um dos melhores episódios de #Westworld e particularmente um que me pegou e eu fiquei pensando dias e dias a respeito. “The Bicameral Mind”, S01E10.
O meu fascínio por esse episódio é porque ali a gente finalmente entende o significado da “maze”, o labirinto, que é o labirinto das nossas memórias, que nos hosts, são embaralhadas e jogadas numa espécie de subconsciente.
Por isso que o Ford fala pro William que a maze não é pra ele. A maze é pros hosts. Quando eles chegarem ao centro, eles vão encontrar a si mesmos como indivíduos. Não tem mais o “Trompe L’oiel”, que é a ilusão de ótica, título do S01E07.
E a voz que Dolores escuta é sua própria voz. Isso pra mim tem muitos significados. O primeiro é muito presente todo dia na nossa cabeça. A gente tem um mente bicameral? Por que sempre que pensamos a gente também ouve de certa forma nossa voz.
A gente conversa consigo mesmo o tempo todo, né? A outra coisa é: a tomada de consciência do indivíduo enquanto sujeito ativo de seu destino e de suas escolhas.
Em certo aspecto, analisando de uma perspectiva de classe, Marxista, é o despertar da classe operária (no caso os hosts) e sua rebelião contra a grande corporação opressora (a Delos).
Agora vamos ver o que o Nolan fala da Mente Bicameral, que na verdade é um conceito que ele estudou no livro “The Origin of Consciousness in the Breakdown of the Bicameral Mind” de Julian Jaynes.
“Essa ideia que temos dessa sensação de que todos temos internamente e que nem questionamos, que é o nosso monólogo interno, nem sempre foi bem compreendido pela humanidade. Por uma grande parte de nossa existência achávamos que aquilo era as vozes dos deuses.”
“Isso é uma poderosa ferramenta de identidade e também de livre arbítrio. As decisões que você toma são suas. Mas mesmo até hoje a gente vê a alegoria do diabinho e do anjinho no ombro nos dizendo o que fazer...”
Nolan fala ainda que a regulação sobre fake news tem que ser muito cuidadosa, porque nós estamos vivendo numa Babel, em que perdemos completamente o senso de verdade objetiva.
Agora o Nolan explica por que eles usam a pianola na abertura da série. Segundo ele, a inspiração veio do livro “Player Piano”, do Kurt Vonnegut.
Caralho, agora ele tá falando exatamente o mesmo que escrevi na ensaio da @ilustrissima sobre a série, que #Westworld tem uma subclasse. E se você acha que a questão da luta de classes coisa de diretor de Hollywood comunista, isso surgiu de um papo sobre automação do trabalho.
O Nolan tá dizendo que depois dessa pandemia, muitos trabalhos vão desaparecer completamente. Aí ele diz que a S03 mostra isso, que a sociedade chegou a um ponto de tanta automação, que será preciso criar trabalhos pra essa subclasse social.
E que essa classe social já faz coisas que são perigosas demais e que a classe privilegiada não quer fazer, como crime, prostituição, vício. E que os hosts têm que ser criados para suprir nossa necessidade de violência e de perversão sexual.
Mano, como é bom saber que algo que você escreveu não foi só viagem da tua cabeça e que aquele monte de livro que você leu na faculdade é ferramenta pra vida inteira.
Pra quem não leu ainda e tá acompanhando o fio, eu criei na quarentena um video-cast chamado “Do @trashaoclassico”. A primeira edição foi sobre #Westworld:
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