“Tacla Durán, aqui, não”
Na nota divulgada para contestar decisão de Augusto Aras de retomar negociações para delação premiada de Rodrigo Tacla Durán, os procuradores da Lava Jato em Curitiba mentiram.
No item 2 da nota, os procuradores sob coordenação de Deltan Dallagnol disseram que o advogado “alegou perante a Interpol que seus pedidos de prisão e de extradição teriam sido revogados, quando isso não era verdade.”
Essa alegação teria levado a Interpol, em 5 de julho de 2018, a desconsiderar a prisão preventiva decretada por Moro.
Na decisão que excluiu Tacla Durán do alerta vermelho, não há referência à suposta alegação de revogação dos pedidos de prisão e extradição no Brasil.
O texto em que a Interpol comunica a retirada do nome de Tacla Durán do seu sistema de alerta vermelho tem 12 páginas e apresenta os argumentos do advogado em uma síntese:
- Os procedimentos criminais que serviram de base para o alerta vermelho foram transferidos do Brasil para a Espanha;
- Não se espera que seu direito ao devido processo legal e suas garantias de um julgamento justo sejam respeitados no Brasil;
- A Espanha negou o pedido de extradição feito pelas autoridades brasileiras.
A Interpol analisou os três argumentos e deu razão à Tacla Durán, com base na evidência da parcialidade de Sergio Moro (o item 2 do resumo acima).
Essa parcialidade ficou caracterizada na entrevista de Moro ao Roda Viva, em que ele disse que Tacla Durán era “simplesmente um mentiroso”.
Como Moro poderia emitir essa opinião se nunca quis ouvir o ex-prestador de serviços da Odebrecht?
E oportunidade não faltou.
A defesa do ex-presidente Lula pediu seu depoimento, para demonstrar fraude nas provas juntadas pela Odebrecht, mas Moro negou.
“O juiz que presidia o caso negou repetidamente tais pedidos, afirmando que a palavra do requerente não poderia ser invocada, como ele é uma pessoa acusada de crimes e é um fugitivo internacional. Além disso, o juiz falou com a mídia sobre ele, afirmando que ele é um mentiroso, antecipando assim o seu julgamento sobre o Requerente”, relata a Interpol em sua decisão.
Para a Interpol, Tacla Durán apresentou evidências de que Moro antecipou juízo sobre ele, o que indica a violação do artigo 2 da Constituição da Interpol.
Esse artigo diz que a rede internacional de polícia segue a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que assegura o direito de todo cidadão a um julgamento justo.
Em sua nota, a Lava Jato também não foi verdadeira ao dizer por que Tacla Durán exerceu seu direito ao silêncio na audiência perante as autoridades espanholas em novembro de 2017.
A pedido dos procuradores brasileiros, a Justiça da Espanha intimou Tacla Durán para uma audiência.
O advogado compareceu, mas os procuradores, não. Perguntado pelo juiz se gostaria de dar alguma declaração, Tacla Durán disse que não.
Preferia permanecer em silêncio.
Mas a razão é que não havia procuradores para fazer questionamentos.
Caso venha a se concretizar, a delação premiada de Tacla Durán pode esclarecer episódios nebulosos da Lava Jato que envolvem procuradores, advogados e o ex-juiz.
O advogado apareceu no noticiário internacional com uma entrevista-bomba para o jornal El País, em que fez revelações sobre como a Odebrecht corrompia autoridades em todo o mundo.
Depois, a jornalista Mônica Bergamo revelou que Tacla Durán havia postado na internet o que seria o capítulo 1 de um livro sobre sua atuação na Odebrecht e sobre as tratativas para uma delação premiada na Lava Jato.
No trecho mais contundente, apresentou a reprodução de uma conversa com o advogado Carlos Zucolotto Júnior, padrinho de casamento de Moro.
Nessa conversa, em maio de 2016, pelo aplicativo Wickr, Zucolotto pede 5 milhões de dólares para conseguir facilidades nos termos do acordo.
Cita a interlocução com DD, que seriam as iniciais de Deltan Dallagnol.
No dia seguinte à conversa, o Ministério Público Federal envia e-mail a Tacla Durán, confirmando itens que haviam sido conversados com Zucolotto.
Algumas semanas depois, Tacla Durán transfere para a conta de outro advogado, Marlus Arns, amigo de Rosângela Moro, 612 mil dólares — o equivalente hoje 3,2 milhões de reais.
“Paguei para não ser preso”, disse Tacla Durán ao jornalista Jamil Chade, então no jornal O Estado de S. Paulo. O advogado apresentou o documento da transferência bancária.
Marlus Arns não quis se manifestar.
O que reforça a suspeita de que se tratava de propina para a Lava Jato é que, segundo Tacla Durán, não havia entre eles contrato de prestação de serviços nem procuração assinada.
O pagamento seria parte dos 5 milhões de dólares acertados com Zucolotto. Tacla Durán fez essa transferência, e nenhuma outra.
Quatro meses depois, quando já estava fora do Brasil, Moro tornou púbico seu pedido de prisão, com a deflagração da Operação Dragão.
Nos Estados Unidos, Tacla Durán não foi preso. Cidadão espanhol, ele viajou para Madri, e se hospedou no Hotel Intercontinental.
No dia 18 de novembro, foi preso e levado para o presídio Soto Del Real, onde permaneceu cerca de três meses.
Livre, respondeu a um processo de extradição solicitado pelo Brasil.
Na decisão de primeira instância, perdeu.
No recurso, teve a extradição negada, em decisão de caráter definitivo.
Em agosto de 2017, vem à tona o capítulo 1 do livro (que ainda não está concluído).
Em novembro de 2017, o DCM o encontrou em Madri e o entrevistou, oportunidade em que confirmou que apresentaria provas à CPI da JBS sobre o que considerou extorsão por parte Zucolotto.
Ao mesmo tempo, ele pediu à Interpol que cancelasse o alerta vermelho.
No primeiro pedido, perdeu.
Seis meses depois, fez novo pedido e apresentou novas evidências: a negativa de Moro em tomar seu depoimento nos processos de Lula, e a entrevista no Roda Viva em que o então juiz antecipou juízo sobre ele.
No ano passado, revelou a transferência bancária para Marlus Arns.
Tacla Durán tem mais munição, e está nas mãos de Augusto Aras a decisão de conhecer a verdade sobre a indústria da delação premiada que prosperou na Lava Jato.
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