Luis Fernando Verissimo
Reflexões ao ouvir o Paulo Guedes explicar mais uma vez por que ainda não deu certo.
É um problema de linguagem. Os números falam uma língua, a gente fala outra. A linguagem dos números é o oposto intraduzível da linguagem das coisas, portanto o contrário da linguagem humana.
Na língua dos números não há retórica, nem jargão, nem duplo sentido – e nem diálogo. Você pode contestar os números com outros números, mas não pode tentar ser mais brilhante ou mais convincente, ou questionar o caráter e as motivações dos números.
Com números não existe interlocutor, ou crítica irrespondível. Um interlocutor que não pode ser ridicularizado, desprezado, desmentido ou acusado de má vontade ou má-fé, e para o qual nenhum tipo de explicação é possível. Porque ele simplesmente fala outra língua, incompatível com a língua da desconversa.
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Os mesmos números que dizem que anos de modelo neoliberal não fizeram diferença nos índices sociais brasileiros, a não ser diminuir o valor aquisitivo do salário mínimo, nos desafiam a buscar alguma forma de diálogo entre as duas línguas refratárias, para se entenderem. Boa parte da tragédia brasileira se resume nessa separação entre a matemática e a dura língua da realidade, dizendo sempre o mesmo. Os economistas querem nos convencer que o que falam é matemática castiça e consequente, quando o que as duas repetem sem parar é que nada muda, nada muda, nada muda...
Doris. Nenhuma loira americana era tão loira americana quanto a Doris Day. Mas ela não era apenas um tipo ou um protótipo, era uma cantora mais do que apenas agradável e – surpreendentemente – uma boa atriz. Seu repertório pop era desculpável, e desconfia-se que o Hitchcock a tenha forçado a cantar Que Sera, Sera durante todo o filme O Homem Que Sabia Demais como parte do seu programa de infernizar as loiras.
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