quarta-feira, 29 de maio de 2019

E se os bolsonazistas estiverem certos?


E se os bolsonaristas estiverem certos quanto às instituições democráticas?
Por Wilton Moreira

Vou fazer uma provocação. E se os bolsonaristas radicais (os neofascistas) estiverem certos ao dizer que, dentro sistema democrático, não há mais solução viável para a sociedade brasileira? Qual progressista, nos últimos anos, não ficou tentado em acabar com a mídia, com o STF e com este Congresso fisiológico até a medula? Abaixo o STF, o Rodrigo Maia e seus 200 ladrões, a mídia corporativa, o Congresso, abaixo o estado de direito meramente formal que na realidade nunca amparou o povo, e abaixo até o politicamente correto que não corrige de fato as injustiças contra as minorias. Quem, da esquerda, diante de tanta injustiça provocada por estas instituições, não teve algum destes “sonhos antidemocráticos”?

As razões para um mortadela esquerdista sonhar com a destruição do sistema são diferentes das de um coxinha bolsomínion (diria mesmo opostas), mas que ambos, lá no fundo, têm vontade de destruí-lo, isso tem. Só que a extrema-direita liberou explicitamente sua fúria contra “isso tudo que tá aí” e até elegeu seus príncipes sombrios (Bolsonaro e Moro) para realizar a destruição. A esquerda, ao contrário, pisa em ovos, faz coro com o centrão e o STF pela institucionalidade democrática e sonha em voltar ao poder pelas urnas e mudar o sistema. E se o sistema não tiver mesmo mais jeito? E se, como diz o recém-fascista Lobão, “pra que votar? / a política faliu, / até o que é civil / parece militar”?

Culpa-se muito as instituições por não terem reagido e até se aliarem à extrema direita: STF, Congresso, grande mídia, cúpula do MPF e PF, forças armadas etc. Diz-se que agora estão pagando por sua inação. Mas instituições falidas procuram apenas sobreviver, de preferência negociando com as ondas políticas da hora. E as instituições da Nova República já nasceram falidas e ávidas pela negociata. Negociaram com Sarney e Collor, o tucanato, o petismo e tentaram negociar com o lavajatismo e o bolsonarismo. Mas como na Alemanha de 30, os fascistas, depois de colocarem a esquerda de joelhos, estão comendo os liberais negocistas.
A realidade, que os fascistas da hora veem muito bem, é que toda a Nova República e suas instituições “democráticas” foram um fracasso em prover bem estar para o povo. A grande esperança de mudança foi o PT que, no entanto, fracassou em reestruturar o país e se revelou, no final do governo Dilma, que a era PT foi apenas de governos de administração de crise, mais sensível socialmente do que o PSDB, é bom que se faça justiça. E talvez nem tenha sido culpa do PT, pois o capitalismo neoliberal é, por definição, uma regime de decadência. O neoliberalismo é o descenso dos 30 anos dourados (1945-1975) que marcam o início do ciclo keynesiano do pós-guerra.

O boom de commodities em que o Brasil surfou na primeira década do milênio apenas mascarou a falência do capitalismo neoliberal, movido à créditos impagáveis. O PT fez o que deu, que era distribuir as sobras deste  boom aos pobres – o que não é pouca coisa num país de mentalidade escravocrata que sempre reservou aos negros/pobres apenas a chibata. E tanto não foi pouco que Lula está preso (e odiado) por distribuir renda e ousar um mínimo nacionalismo no comércio exterior, na área militar e no petróleo.

A crise de 2008 marca o fim da decadência neoliberal e inicia a era do colapso do ciclo do pós-guerra. E a crise foi fatal para um país dependente de commodities e mentalmente colonizado como o Brasil. O resultado, em termos de percepção popular, foi que as pessoas tomaram plena consciência de dois fatos que apenas eram antevistos desde o início da Nova República:

1. Nossa democracia institucional não resolve nada para o povo, pois é, no máximo, paliativa para seu sofrimento;
2. As instituições não têm mais solução, pois, apesar do que diz a Constituição de 1989 (que nunca foi mais que um pedaço de papel), a democracia representativa não foi concebida para o atender às necessidades do povo, principalmente os mais pobres.

Esta tomada de consciência generalizada das pessoas comuns (que inclui a ralé e as classes médias) a respeito do esgotamento da política e das instituições democráticas se deu por volta de 2013-2014 e está corretíssima, reconheçamos. O Congresso não é mesmo um grande lixo? E o STF? E a grande mídia? Sim, sim e sim. A política não é, há muito, uma tramoia sem fim que só beneficia o grande capital? Sim outra vez. A aversão à política das pessoas comuns tem sua razão de ser. E não é só no Brasil: é no todo o mundo. O capitalismo e suas instituições “democráticas” entrou em colapso global: resta saber se foi apenas o ciclo capitalista do pós-guerra que entrou em pane, para se iniciar um novo ciclo (chinês?); ou se estamos diante do fim do próprio sistema.

Portanto, a revolta contra o Congresso, a imprensa, o STF e toda a institucionalidade democrática, que foi posta a serviço do grande capital (principalmente financeiro) é legítima. O povo diz “esse negócio de estado de direito é papo furado”. Como discordar?

E como as esquerdas reagem? Elas tentam convencer as pessoas de que a reforma (neokeynesiana, na maioria das vezes) do arcabouço institucional da democracia falida é possível e é a solução para que as instituições democráticas finalmente sirvam ao povo. Creem e tentam vender a ilusão de que a chegada ao poder das esquerdas, via urnas, vai melhorar a vida do povão. Só que ninguém, fora do clube das esquerdas, acredita mais nisso, e com razão. Não acreditam porque a história mostrou que a crença das esquerdas é falsa: todos os seus governos, sem exceção, acabaram tendo de se aliar ao neoliberalismo para fazer governos de administração de crise. E a crise, agora, é inadministrável. Neste aspecto, a carta apócrifa divulgada por Bolsonaro está correta: o país é ingovernável, não há como dar jeito nessa joça. E o povo sabe disso.

Enquanto a esquerda dorme e sonha soluções democráticas, o que fazem os fascistas? Eles chegam no povo, como na Alemanha em 30, e dizem: realmente não tem solução dentro desse sistema. E não oferecem a saída nem esperança, mas apenas um discurso de ódio e bodes expiatórios para a massa descarregar suas frustrações: lá eram os judeus, os gays, os doentes mentais. Aqui são os pobres “preguiçosos”, os comunistas/petistas e os gays. É assim que funciona o bolsonarismo e todos os fascismos. Oferecem líderes “fortes e másculos” para conduzir o povo em sua marcha raivosa e destrutiva: Hitler, Mussolini, Trump, Bolsonaro, Moro…

E eles têm razão em afirmar que o sistema faliu, que o país está ingovernável. A esquerda deveria afirmar o mesmo, porque é verdade: dentro da institucionalidade democrática não há mais solução. Marx estava certo em prever que uma hora a democracia burguesa iria ruir junto com o capitalismo.

Mas, diferente dos fascistas, as esquerdas (ou alguma esquerda alternativa) têm a obrigação de propor o caminho difícil da refundação da sociedade em outras bases, que não as capitalistas, questionando inclusive a centralidade do trabalho humano numa época em que a tecnologia substitui boa parte dele. O trabalho é sagrado mesmo? Mas não temos técnica o suficiente para viver muito bem dividindo as tarefas humanas que ainda restam por igual e ficando boa parte do tempo no ócio? Não produzimos o suficiente para todos terem o que necessitam? O consumismo precisa mesmo ser uma necessidade, como o é para o capitalismo? Estado é necessário? Num mundo pós-capitalista, precisamos de dinheiro ou salário? Como construir um mundo assim justo, racional (comunista?) a partir do que temos agora?

Os fascistas, afinal de contas, veem muito bem e acertadamente que a democracia representativa e suas instituições desmorona à olhos vistos. Mas não conseguem perceber que este colapso institucional é consequência do colapso do próprio capitalismo (ou pelo menos do ciclo capitalista do pós-guerra). E o que propõem é apenas fúria e matança, destruição e autodestruição. E nós, humanos, desenvolvemos, graças a técnica capitalista, um artefato chamado bomba nuclear, que já se mostrou bastante eficiente para destruir: tudo e todos. Este poder infernal excita os fascistas e seus dedos coçam diante dos botões da morte.

Se quisermos sobreviver como espécie, uma hora os fascistas terão que ser apeados do poder, não para o retorno da democracia burguesa que, no fim das contas, carrega o fascismo como um feto pestilento, no seu útero de injustiça social. Mas para a construção de uma outra sociedade, pós-capitalista, mais justa e voltada, de fato, para as necessidades humanas.

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