Nome do presidente entrará na história como adjetivo para designar misto de estupidez e arrogânciaGregorio Duvivier
Tenho que confessar, não sem vergonha, que relutei em acreditar no coronavírus.
Quero dizer: sabia que ele existia e que estava vindo com força, mas duvidei do seu potencial global —assim como fiz, erroneamente, com a canção “Ai, Se Eu te Pego”, pandemia de 2012. Fui, por um tempo, um negacionista do corona
Gostaria de dividir a culpa pela minha descrença com os amigos hipocondríacos, que apostaram na gripe suína, na gripe aviária, na Sars, na Mers, na Claudia Leitte e em tantas outras epidemias que floparam na carreira internacional.
Concluí que pandemias eram mitos da minha juventude, como o bug do milênio ou a notícia de que o Orkut seria pago.
Mesmo com o crescimento alarmante, fui bolsonaro por um tempo —com minúscula mesmo, já que não me refiro ao presidente, mas ao adjetivo que ficará para a história como aquele misto de estupidez com arrogância. (“Amiga, desculpa, ontem bebi junto com remédio e fiquei meio bolsonara —me
neguei a usar o Waze e despenquei seu carro no barranco.”)
Todos nós temos esses momentos de arrogância, mas é a persistência na ignorância que faz de você um Bolsonaro com maiúscula. Não era grave ser terraplanista no século 15. Depois da primeira volta ao mundo é que começou a pegar mal.
Minha avó Memé sempre foi contra a corrente. Trabalhava quando a moda era casar, divorciou-se quando a moda era ficar casada para sempre, deixou o cabelo branco quando a moda era pintar. Criou, sozinha, três filhas, que lhe deram sete netos e, até agora, cinco bisnetos. Sempre antecipou-se a tudo: remendava nossas roupas antes do “upcycling”, fazia casacos muito antes do “knitting”, em 1994 já tinha internet e abria o próprio computador pra consertá-lo. Hoje, reluta em ficar em casa.
Vó, sei que você está lendo esta coluna. E entendo você. Você nunca seguiu a manada. Sei que é penoso ter que obedecer às filhas e aos netos. Mas sei também que você detesta obscurantismo, detesta a ignorância —e detesta esse presidente.
Pois esse presidente, negando a ciência e a realidade, convocou a população às ruas. Ser contra a corrente, hoje, é desobedecê-lo. A manada estava na orla, pedindo o golpe e espalhando o vírus. Sei que você não quer ser confundida com essa gente. Por favor, fique em casa. (Enviei por correio o livro novo do Ruy Castro, “Metrópole à Beira-Mar” —ótima companhia para esses dias de isolamento.)
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