Quem me acompanha sabe que não gostei dos manifestos "pró-democracia", em especial do "Juntos", que empolgaram tanta gente. E sabe também que tenho feito minhas críticas respeitando os companheiros que pensam diferente e tentando aprofundar o debate.
Infelizmente, entre os entusiastas dos manifestos nem sempre é assim. Há aqueles que afirmam que a hora é de unir todos sem cobrar nada, só com amor no coração, mas distilam uma agressividade sem limites contra as pessoas da esquerda que ousam discordar. E há aqueles que afirmam sua superioridade moral com ironias que têm como objetivo bloquear qualquer possibilidade de discussão.
No meio disso, há duas desinformações que são propagadas, por alguns por ingenuidade, por outros por malícia.
Uma: quem critica os manifestos acha que a direita arrependida não deve defender a derrubada de Bolsonaro. Isso não é verdade. Quanto mais gente contra Bolsonaro, melhor.
O problema é cobrir uma convergência pontual contra Bolsonaro com o manto de um pretenso "programa comum" que exila toda a agenda do campo popular.
Há um furo, aliás, nesse discurso de que vale tudo pela derrubada de Bolsonaro: o manifesto nem fala em derrubada de Bolsonaro!
No Estadão de hoje, o porta-voz do Pacto pela Democracia, grupo que reúne movimentos de captura empresarial da política e também lançou seu manifesto, admite que a defesa do impeachment de Bolsonaro ainda não está definida.
Outra: estaríamos pretendendo que a direita se curvasse a um programa de esquerda. Quão ridículo é, por exemplo, esperar que Luciano Huck assine um manifesto que pede a taxação das grandes fortunas!
Sim, é um absurdo. Mas por que não se julga igualmente absurdo ver Guilherme Boulos assinando um manifesto que defende "lei e ordem", responsabilidade fiscal e Lava Jato?
A defesa da retirada de Bolsonaro do cargo não exige nem uma coisa, nem outra. Justamente por isso é capaz de juntar setores tão diversos. Inconcebível é que, por conta dessa emergência, nós entreguemos de bandeja a ideia de que a democracia que defendemos é a "democracia" deles.
Uma das disputas políticas primárias é a disputa pelas fronteiras do discurso político legítimo. A direita entende isso e ganhou muito terreno nos últimos anos. Hoje, é possível vir ao debate público defender a ditadura, a tortura, as desigualdades mais brutais. Os acenos ao neonazismo e ao supremacismo branco ainda são discretos, mas quem sabe como será amanhã?
Ao mesmo tempo, apertam o cerco contra a esquerda. Querem criminalizar o comunismo. A pressão macarthista cresce contra quem fala em socialismo, feminismo, antirracismo, marxismo, direitos.
A submissão aos parâmetros discursivos da direita "civilizada", como condição para a derrubada de Bolsonaro, é outra faceta deste mesmo processo.
É fundamental não ceder um milímetro na afirmação dos valores e da agenda da esquerda.
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