terça-feira, 28 de julho de 2020

O culto ao egoísmo está matando os Estados Unidos

"Sacrifiquem os fracos. Reabram o Tennessee (TN)!" 



O governo Trump e governadores como Ron DeSantis, da Flórida, insistiram que não havia relação entre crescimento econômico e o controle da doença, e eles tinham razão --mas não no sentido em que pretendiam.

A reabertura prematura levou a um surto de infecções: em números ajustados à população, hoje há 15 vezes mais americanos morrendo de covid-19 que os habitantes da União Europeia ou do Canadá. Mas a "recuperação foguete" que Donald Trump prometeu caiu e se incendiou: o crescimento dos empregos parece ter estacionado ou se invertido, especialmente nos estados que foram mais agressivos ao suspender as ordens de distanciamento social, e os primeiros indícios são de que a economia dos EUA está muito atrás das dos principais países europeus.

Então estamos falhando terrivelmente nas frentes epidemiológica e econômica. Mas por quê?

Diante disso, a resposta é que Trump e seus aliados estavam tão ansiosos para ver grandes números de emprego que ignoraram os riscos de infecção e o modo como um ressurgimento da pandemia poderia minar a economia. Como eu e outros dissemos, eles falharam no teste do marshmallow, sacrificando o futuro porque não quiseram ter um pouco de paciência.

Certamente há muita coisa envolvida nessa explicação. Mas não é a história inteira.

Por um lado, as pessoas realmente enfocadas em reiniciar a economia deveriam ser grandes apoiadoras de medidas para limitar as infecções sem prejudicar os negócios --principalmente fazer os americanos usarem máscaras. Em vez disso, Trump ridicularizou os que usavam máscaras como "politicamente corretos", enquanto os governadores republicanos não só se recusarem a ordenar o uso de máscaras como impediram que os prefeitos impusessem regras nesse sentido.

Políticos ávidos para ver a economia se recuperar também deveriam ter desejado reforçar o poder de compra dos consumidores até que os salários se recuperassem. Em vez disso, os senadores republicanos ignoraram a expiração em 31 de julho dos benefícios especiais aos desempregados, o que significa que dezenas de milhões de trabalhadores logo sofrerão um enorme golpe em seus rendimentos, prejudicando a economia como um todo.

Então o que estava acontecendo? Nossos líderes foram apenas idiotas? Bem, talvez. Mas há uma explicação mais profunda para o comportamento extremamente autodestrutivo de Trump e seus aliados: eles eram todos membros do culto do egoísmo americano.

Veja, a direita moderna nos EUA está comprometida com a proposta de que a ganância é boa, que todos ficamos melhor quando os indivíduos se dedicam à busca desenfreada do interesse próprio. Na visão deles, a maximização irrestrita do lucro pelas empresas e a teoria da escolha do consumidor desregulamentada são a receita de uma boa sociedade.

O apoio a esta proposta é, no mínimo, mais emocional que intelectual. Há muito tempo fiquei chocado pela intensidade da raiva da direita contra regulamentos relativamente banais, como a proibição de fosfatos nos detergentes e os padrões de eficiência das lâmpadas. É o princípio da coisa: muitos na direita ficam furiosos diante de qualquer sugestão de que seus atos devem levar em conta o bem-estar dos outros.

Essa raiva é às vezes retratada como amor pela liberdade. Mas as pessoas que insistem no direito de poluir são notavelmente insensíveis, por exemplo, a agentes federais que atiram gás lacrimogêneo contra manifestantes pacíficos. O que elas chamam de "liberdade" é na verdade falta de responsabilidade.

A política racional numa pandemia, porém, tem tudo a ver com assumir a responsabilidade. O principal motivo pelo qual você não deve ir a um bar e deve usar máscara não é a autoproteção, embora faça parte disso; a questão é que reunir-se em espaços cheios de gente e barulhentos ou exalar gotículas no ar compartilhado coloca os outros em risco. E esse é o tipo de coisa que a direita americana simplesmente odeia, odeia escutar.

De fato, às vezes parece que os partidários da direita realmente fazem questão de se comportar de modo irresponsável. Vocês lembram que o senador Rand Paul, preocupado que tivesse a covid-19 (e tinha), passeou pelo Senado e até usou a academia de ginástica enquanto esperava pelo resultado do teste?

A raiva diante de qualquer sugestão de responsabilidade social também ajuda a explicar a iminente catástrofe fiscal. É notável como muitos republicanos se emocionam na oposição ao aumento temporário dos benefícios aos desempregados; por exemplo, o senador Lindsey Graham declarou que esses benefícios só seriam prorrogados "passando sobre nossos cadáveres". Por que tanto ódio?

Não é porque os benefícios estão tornando os trabalhadores avessos a assumir empregos. Não há evidência de que isso esteja acontecendo --é apenas algo em que os republicanos querem acreditar. E em todo caso os argumentos econômicos não podem explicar esse ódio.

Mais uma vez, é o princípio. Ajudar os desempregados, mesmo que a falta de emprego não seja culpa deles, é uma admissão tácita de que os americanos afortunados devem ajudar seus concidadãos menos favorecidos. E essa é uma admissão que a direita não quer fazer.

Para ser claro, não estou dizendo que os republicanos são egoístas. Estaríamos muito melhor se tudo se resumisse a isso. O ponto, entretanto, é que eles sacralizaram o egoísmo, prejudicando suas próprias perspectivas políticas ao insistir no direito de agir egoisticamente mesmo quando prejudicam os outros.

O que o coronavírus revelou é a potência do culto americano ao egoísmo. E esse culto está nos matando.


Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Nenhum comentário:

Postar um comentário