terça-feira, 28 de julho de 2020

Deu a louca no Brasil


Alvaro Costa e Silva
Nem o realismo mágico de García Márquez explica tantas situações absurdas e inverossímeis
A realidade é mágica. Não invento nada. Não há uma só linha nos meus livros que não seja realidade. Não tenho imaginação." A confissão de Gabriel García Márquez jamais esteve tão visível e palpável como hoje no país das emas, das quase 90 mil mortes por Covid-19 e dos quatro milhões de comprimidos de cloroquina estocados.

Na semana passada, um grupo de baloeiros armados invadiu o aeroporto Tom Jobim para resgatar um balão com 18 metros de altura que havia caído na pista e por pouco não provocara um acidente gigantesco. Os criminosos trocaram tiros com a polícia e fugiram num barco. Havia uma recompensa de R$ 5 mil para quem recuperasse o artefato de papel de seda, cangalha e boca de ferro e fogo. Nem Rubem Fonseca, que escreveu um conto criminal intitulado "O Balão Fantasma", tinha ido tão longe.

Para explicar a enfiada de situações absurdas e inverossímeis em que a sociedade está mergulhada, alguém bolou uma frase que desde 2016, ano do impeachment de Dilma, passeia nas redes sociais: "O roteirista do Brasil devia ser demitido". Pensando melhor, ele devia ganhar em dobro, por entender como ninguém as mazelas do público a que se dirige.

Além de exagerado e sem graça, o roteirista apela para surrados clichês. A carteirada do desembargador, com direito a falar francês, chamar o guarda de analfabeto e rasgar a multa por não usar máscara, é um método de humilhação estabelecido há 500 anos.

Contudo, o ponto alto do blockbuster "Deu a Louca no Brasil" é a dramatização da pós-verdade. Na trama, um celerado que ocupa a Presidência, e se disse contaminado pelo coronavírus, levanta uma caixa de cloroquina para adoração de apoiadores. Em outra cena, oferece o remédio que não tem eficácia no tratamento da Covid para as emas do Palácio da Alvorada. Salvem as emas enquanto é tempo, porque a população morre no fim do filme.

Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro"

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