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sexta-feira, 19 de março de 2021

Sete ações e um crime


A cartilha de um genocida

Manifestantes chamavam Bolsonaro de "genocida" quando o luto ainda era por 100 mil brasileiros. Agora, vamos nos aproximar dos 300 mil.  
Chamar Bolsonaro de genocida parece provocação. Genocídio é o extermínio deliberado de uma coletividade indefesa,por diferenças étnicas, nacionais, religiosas ou sociopolíticas. O massacre de milhões de judeus por Hitler cunhou a expressão. Esse crime contra a Humanidade é julgado em tribunais internacionais, com pena de até 30 anos de prisão. Não prescreve. Raramente os crimes de gestão pública chegam a Haia, na Holanda.

Por que então esse aprendiz de ditador que bajula as Forças Armadas, ameaça outros poderes, despreza minorias e persegue a imprensa é acusado de genocida? Em julho de 2020, quando os mortos por Covid eram 85 mil no Brasil, já havia em Haia três denúncias contra Bolsonaro por incitar mortes, asfixiar indígenas e propagar o vírus. No Supremo Tribunal Federal, há na pauta uma notícia-crime de genocídio. Um líder pode construir ou destruir consciência cívica. No início da pandemia, a população era mais comedida. Depois, imitou os negacionistas.

Como Bolsonaro boicotou as vacinas e nos aproximamos de 300 mil mortos, sua rejeição aumentou. Não importa quem é o ministro da Saúde (aliás, não importa quem é ministro de pasta nenhuma). É Bolsonaro quem manda. As pesquisas mostram. É Bolsonaro o culpado. É Bolsonaro o incapaz de governar. É Bolsonaro o autor do colapso do Brasil. 

Fiz uma cartilha com sete fatos. Um bê-a-bá de como se tornar ou reconhecer um potencial genocida. Não listei características pessoais. A frieza, por exemplo. Só um genocida não se emociona com a morte de milhares de pessoas – especialmente idosos, vulneráveis, ou não produtivos. Que tomem tubaína. O deboche diante do luto nacional pode ser traço de um genocida. As ações são ainda mais gritantes e perniciosas. Aí vão elas:

1 – Negar a pandemia. É uma gripezinha. Nada vai acontecer se você tiver histórico de atleta. Todos vamos morrer um dia. Não podemos ser maricas e ficar em casa. Isolamento social não adianta nada. 

2 – Não usar máscara e promover aglomerações em bares, ruas, praias, contrariando os especialistas. Propagar o vírus. Apertar a mão, abraçar, beijar, tirar selfie, repreender ministros com máscara, vetar máscaras em presídios.

3 – Demitir um médico -golpista, mas médico-, Mandetta, como ministro da Saúde, por suas entrevistas diárias, explicando à luz da Ciência como reduzir contágio e mortes. Emparedar outro ministro da Saúde, também médico -empresário da saúde, na verdade-, por condenar a cloroquina. Gastar R$ 90 milhões em remédios ineficazes e fazer propaganda, tentar impor aos médicos. Efetivar na Saúde um general boneco de ventríloquo e incompetente. 

4 – Sabotar divulgação de mortos e contaminados, optando por revelar apenas quem se curou. A censura foi contornada com o consórcio inédito de jornais e TV Globo. 

5 – Criar conflitos com o Supremo e a Câmara, incitando extremistas de direita a atacar essas instituições, nas redes sociais e fisicamente. Ameaçar ruptura institucional. Só mudar de atitude depois que a família começou a ser investigada por corrupção, rachadinhas e ligação com milícias. Trocar cargos e verbas por apoio no Congresso.

6 – Rachar com governadores e prefeitos, relegando a eles a condução da pandemia. Inventar que o Supremo Tribunal Federal tirou sua autonomia como presidente. Estrangular estados com a falta de liderança federal e de cilindros de oxigênio. Chantagear quem impõe lockdown ou restrições de circulação. 

7 – Boicotar as vacinas. Rejeitar a Coronavac, por ser chinesa e “do Doria”. Recusar vacinação obrigatória. Desencorajar. Não se vacinar. Não comprar milhões de doses da Pfizer que estariam aqui em dezembro. Proibir negociações com os laboratórios. Barganhar o preço até obrigar estados a suspender a vacinação. Solapar o SUS, a Fiocruz, o Butantan e todos os que poderiam já estar produzindo e imunizando em massa. Talvez estejam no seu colo 100 mil cadáveres. 

Como você chamaria quem age assim? 

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Bolsonaro não é louco, é um criminoso frio


Bolsonaro não é louco 

Por Ruth de Aquino

Vamos chamar a coisa pelo nome. O presidente eleito por milhões de brasileiros não é louco. Psicóticos e neuróticos podem ser classificados assim. Eles sofrem e enxergam o sofrimento do outro. Eles não têm método. Bolsonaro é diferente. Pelos estudos da psiquiatria inglesa no século XIX, Bolsonaro se encaixaria em outra categoria: a dos psicopatas.

Conversei com o psicanalista Joel Birman para entender essas fronteiras entre transtornos mentais. “A psicopatia não é uma loucura no sentido clássico, mas uma insanidade moral, um desvio de caráter de quem não tem como se retificar porque não sente culpa ou remorso”. Os psicopatas são “autocentrados, agem com frieza e método”. “Não têm empatia em relação ao outro, o que lhes interessa é o que lhes convém”. A palavra psicopatia vem do grego psyché, alma, e pathos, enfermidade.

A pandemia só tornou esses traços de Bolsonaro mais gritantes. Desde os primeiros grandes gestos do presidente, ficou claro, disse Birman, que seus atos “são marcados por crueldade e violência”. Proposição de liberar fuzis para civis. Proposição de acabar com os radares nas estradas. Proposição de não multar a falta de cadeirinha para crianças. Proposição de acabar com os exames toxicológicos para motoristas de caminhão, ônibus e carretas. Proposição de legalizar o garimpo predatório nas florestas e terras indígenas. Tudo isso é um atentado à vida.

Eu poderia lembrar o que muitos teimam em esquecer. Que Bolsonaro já era assim antes de ser eleito. Quem defende torturador e condena as vítimas, publicamente, no Congresso, não é uma pessoa que preza a vida. Não surpreende, portanto, que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, denuncie, sem meias palavras, a “política genocida” de Bolsonaro. O presidente pode trocar seu ministro da Saúde, mas será barrado pelo STF se insistir em condenar o isolamento social e ameaçar a saúde pública.

Ao criar uma realidade paralela, Bolsonaro desfruta sua liberdade de ir e vir sem se importar com as consequências de seu exemplo. Não só para velhos mas para jovens que também não resistem ao vírus. Ele refuta a ciência, ignora as normas sanitárias nacionais e internacionais, receita remédios polêmicos sem autoridade para isso, ironiza quem se isola, chamando a mim e a você de “moleques”. Coloca em maior risco os pobres e vulneráveis. O presidente é uma temeridade ambulante.

Ao se recusar a divulgar o resultado de seu exame, despreza a população, se acovarda e age diferente dos homens públicos que honram seus cargos. Pode até ser que esteja imune após uma versão branda da Covid-19 e por isso se sinta apto a saracotear pelas ruas e padarias, mexendo em dinheiro e comida, enxugando o nariz e apertando as mãos do povo aglomerado. Bolsonaro não é tosco. Nem burro. Nem inconsequente, leviano ou louco. Vamos chamá-lo pelo adjetivo correto? Bolsonaro é perverso, ao estimular um comportamento de altíssimo risco.

A OMS classifica a psicopatia como um transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais. A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, autora do livro Mentes perigosas, diz que a “psicopatia não é uma doença, é uma maneira de ser”. O psicopata, segundo ela, sempre vai buscar poder, status e diversão. Enxerga o outro apenas como um objeto útil para conseguir seus objetivos.

Todos nós precisamos reagir a Bolsonaro. É urgente. Não podemos nos tornar cúmplices no crime de lesa-humanidade. Omissão também mata.

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Continue, Bolsonaro!



Ruth de Aquino - O Globo

Continue assim, presidente. Continue a se mostrar como é, sem disfarces ou escaramuças. Pelo bem do Brasil em 2022. Neste carnaval e no resto do ano, não rasgue a fantasia de Jair Bolsonaro, o abominável homem das praias e planaltos. Não dê ouvidos a generais ou civis que tentem moldá-lo. Ignore parlamentares.

Somos um regime presidencialista...e cristão. Não é mesmo? Glória nas alturas. Abrace muito o Crivella, aquele pastor tão querido do Rio de Janeiro. Dancem. Na real e na metáfora. Amém. Se der para incluir o Witzel no abraço e no samba, está valendo. Ele também gosta de mandar a polícia mirar na cabecinha. E se o bloco incluir os irmãos metralha Zero Um, Zero Dois e Zero Três, teremos um trio elétrico para ninguém botar defeito na república das bananas.

Nas rodas de samba, não há outro assunto. Os furos que o chefe do Executivo dá a troco de nada. As grosserias que envergonham foliões. Greenpeace é um lixo, uma porcaria. Índio está evoluindo e ficando parecido com ser humano. Reservas são zoológicos. Uma pessoa com HIV é uma despesa para todos. Oriental tem pau pequeno. Quem quiser vir fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Não podemos ser um país do mundo gay. Governador do Nordeste é paraíba. O educador Paulo Freire era um energúmeno. Nem “a porra da árvore” escapou.

O Brasil, agora, está diante não de uma piada de mau gosto, mas de um crime de difamação moral e sexual. Jair Bolsonaro disse com riso indecente que a jornalista da “Folha de S.Paulo”, Patrícia Campos Mello, queria “dar o furo” em troca de informações. Galgou o pódio dos desprezíveis. O normal, num país regido por leis, é que o presidente seja instado a retirar o que disse e pedir desculpas. O normal é que ele condene o vídeo nojento e criminoso que compara jornalistas a prostitutas e ordene às redes bolsonaristas que o retirem do ar. Isso não livra ninguém de processo.

O monopólio da grosseria nunca se restringe aos comandantes. Para agradar ao chefe, seus diretos imitam o estilo porque pode valer afagos e promoção. Todos se tornam a pior versão de si mesmos quando o superior é rude.

Paulo Guedes não se imaginava assim como ministro. Começou com tchutchuca é a vó, chamou servidores de parasitas e criticou a festa danada de empregadas na Disney. Já se desculpou, até o próximo “deslize”. Os generais tiram do armário a farda embolorada de linha-dura. Eduardo, o ex-futuro-embaixador, se esgoela na Câmara para atacar adversárias políticas: “Raspa o sovaco, hein? Senão dá um mau cheiro do caramba”.

É só seguir o thread, o fio condutor do cotidiano. O Brasil começa a legitimar violência, intolerância e falta de educação entre compatriotas. A folia é a do impropério, do abuso.

Houve um momento em que achei que jornalistas nem deveriam aparecer mais em frente ao Palácio da Alvorada para ser ofendidos por Bolsonaro. Que deixassem o presidente falando sozinho para sua claque. Mas não. Quanto mais à vontade Bolsonaro estiver no figurino do capitão Jair, maior será o serviço prestado pela imprensa.

O mundo conhece ditadores de direita, ditadores de esquerda, democratas populistas. Bolsonaro desfila em outra ala, que transcende a ideologia. A ala dos vulgares e repulsivos. A vontade é de cancelar Jair. Mas, para o Brasil, melhor que ele não emudeça nem rasgue a fantasia dantesca. Que continue a expor seus paetês e seus esgares como porta-bandeira do insulto. Talvez assim, com nota zero em harmonia e enredo, consiga o rebaixamento, para o bem de todos e felicidade geral da nação.