Joaquim Ferreira dos Santos
Insaciáveis, as piranhas farão sua parte com a crueldade devida contra quem — agora não adianta rezar — provocou tantas mortes
Agora — eis o que vos falo do alto da montanha carioca — é a vez de as águas se voltarem furiosas contra os palácios e sua pestilenta anarquia de desmandos. É a hora de os morros fazerem descer não mais a estação primeira nem mais a acadêmicos das nossas felicidades, mas a lama da Derradeira Tempestade. Em abril, a alegria morreu afogada. É hora de vingança.
A tempestade desta semana — ouça o que vos digo — é a que fará justiça com as suas próprias águas. Lavará a alma dos que sofreram na Muzema, no alto do Horto, e atolará na morte mais vil os responsáveis por essa desgraça. A Última Tempestade — esta que vos anuncio como inclemente — é a versão água suja da “volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”. Um jeito bíblico, cruel e encharcado de dizer aos que arruinaram tanta gente — ordinários, sacanas, chegou a conta.
O Dilúvio Definitivo libertará os crocodilos do canal imundo do Recreio e eles se juntarão aos já libertos jacarés da favela do Rola. Todos, enfurecidos pelos maus tratos de anos, vomitarão suas babas putrefatas sobre o mármore corrompido do palácio no Parque Guinle. Nessa chuva justiceira, jacarés e crocodilos descobrirão o governador que só quer atirar na testa do próximo e aí então — está escrito e vos antecipo — haverá lama para tudo que é lado. As goteiras apodrecerão as adegas, as pilastras, as alcovas, e os animais dos pântanos farão sem piedade o trabalho que todos clamam.
A Derradeira Tempestade derramará trovões em silêncio, sua fúria escapará aos meteorologistas e não deixará disparar a sirene salvadora aos poderosos que chafurdam molengas na desordem municipal. Os carros blindados dos vereadores ficarão submersos na "gaiola das loucas". Aquele que não limpou o bueiro, o que não segurou a encosta, o energúmeno que teclou F e fingiu não ver o barraco que ia rolar — pulhas, patifes, chegou a vez de vocês ouvirem a sentença implacável por tamanha insensatez.
As águas pervertidas do canal do Mangue se tornarão revoltas e deitarão sobre o leito seboso da Presidente Vargas o seu cortejo de piranhas. Estas se espalharão pelos elevadores da prefeitura e, com a raiva autorizada pelos mortos na barreira do RioSul e também pelos afogados do Jardim Maravilha, subirão até a mesa do alcaide-pastor que detesta a cidade e avisarão sem solenidade: chegaram as águas do juízo final. Insaciáveis, as piranhas farão sua parte com a crueldade devida contra quem — agora não adianta rezar — provocou tantas mortes.
Eis que vos trago o anúncio do rio que o dragão vomitou no Apocalipse bíblico e ele vai — Vingança é o seu nome — atrás de quem soterrou as irmãs do morro da Babilônia. Escutai a voz ensandecida deste último temporal.
Ele corrigirá as injustiças de abril e soltará seu mais tenebroso soldado, o tubarão branco aprisionado no AquaRio. Em sua fuga sobre a Orla Conde, ele ressuscitará os polvos fantasmas do mercado de peixes na Praça XV. Os dentes afiados de um, os braços asquerosos dos outros — eis que vos narro a cena final —, eles invadirão o palácio dos deputados na Primeiro de Março e, em nome do motociclista afogado no alto da Gávea, não deixarão acima das águas quaisquer das deletérias excelências responsáveis pela infelicidade carioca.
Eis que vos anuncio o dilúvio restaurador, o cobrador furioso por tanta vulgaridade e ignorância. Canalhas, escrotos — afoguem-se todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário