quarta-feira, 24 de abril de 2019

Sobre a paranoia do governo Bolsonaro


Debaixo da Cama 
Luis Fernando Verissimo

"Uma cama larga, simbolizando o país. Sobre a cama, não me pergunte como, um reacionário, simbolizando as classes dominantes, sua mulher frívola e infiel, simbolizando a inconsciência nacional, e um doido, simbolizando um doido. Fala o doido:

— Esse ruído...

— Que ruído? – pergunta o reacionário.

— Debaixo da cama.

— Não ouvi ruído nenhum.

— Exatamente. Não é estranho? O jacaré está quieto.

– Que jacaré?

– O jacaré embaixo da cama.

A mulher frívola e infiel dá um grito abafado. O reacionário diz:

— Não há jacaré nenhum embaixo da cama.

O doido faz uma cara triunfante e pergunta:

— Se não há um jacaré embaixo da cama, então o que é que está em silêncio?

A lógica do argumento é inatacável. E, a julgar pelo tamanho do silêncio, o jacaré é enorme.

— Por que será que ele está quieto? – pergunta o reacionário.

— Não sei – diz o doido. – A não ser que ele tenha comido alguém...

A mulher frívola e infiel leva as mãos à boca mas deixa escapar um nome:

— Danilo!

— O quê? – dizem o reacionário e o doido juntos.

— Nada, nada...

Mas ela desaparece sob o lençol para chorar seu amante. Danilo, comido por um jacaré embaixo da cama! E com o pijama novo que ela lhe deu.

— O jacaré deve ter comido o comunista – diz o reacionário.

— Que comunista?

— Tem sempre um comunista debaixo da cama.

— Depois eu é que sou doido...Não tem comunista nenhum debaixo da cama.

— Se o jacaré comeu, não tem mesmo.

— Só há uma maneira de sabermos o que realmente aconteceu – diz o doido, sensatamente. Olharmos debaixo da cama.

Os dois espiam embaixo da cama e vêem um moço de pijama novo, que sorri sem jeito.

O reacionário endireita-se na cama e começa a refletir. Olha para o doido, depois olha para sua mulher que chora. Aos poucos, vai se dando conta da situação.

— Meu Deus! – exclama.

— O quê? – diz o doido, pensando que é com ele.

— O comunista comeu o jacaré.


VERÍSSIMO, Luiz Fernando. A Velhinha de Taubaté – Novas histórias do analista de Bagé Porto Alegre: L & P M, 1983.

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