Laura Carvalho
O governo enviou ao Congresso o PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2020, que colocou no papel aquilo que já sabíamos que seria a essência da política fiscal até uma eventual revisão da emenda constitucional 95, conhecida como regra do teto de gastos: uma sucessão de ajustes fiscais recessivos em meio ao sucateamento da infraestrutura física e social do país.
Conforme a regra aprovada em 2016, o teto reajusta o máximo das despesas primárias apenas pela inflação do ano anterior —em vez de, por exemplo, permitir um reajuste real pelo crescimento do PIB do ano anterior ou a uma taxa em linha com o crescimento médio anual previsto para a economia, como fazem países que adotaram alguma regra de gasto.
Seja qual for a reforma aprovada, as despesas previdenciárias continuarão crescendo bem mais que a inflação nos próximos anos, ainda que a um ritmo menor. As mudanças propostas não atingem o estoque de benefícios dos que já estão aposentados e nem dos que estão para se aposentar, minimizando seu impacto de curto prazo.
Ademais, no caso da saúde e da educação, há também um piso: o governo deve reajustar o valor do Orçamento destinado a essas áreas no mínimo pela inflação do ano anterior.
Ou seja, na prática, o teto implica o crescimento das demais despesas bem abaixo da inflação: investimentos em obras e reparos de infraestrutura, ciência e tecnologia, programas sociais, cultura etc.
Como os cortes cada vez mais draconianos nessas áreas não serão suficientes para manter o total de despesas abaixo do teto sem levar à paralisação da máquina pública, a regra prevê o acionamento de gatilhos automáticos que fazem exatamente aquilo que o PLDO 2020 já tratou de incorporar em suas previsões: a vedação de aumentos reais do salário mínimo, que fixa também o piso dos benefícios sociais, bem como de reajustes nos salários de servidores e de novas contratações.
Ou seja, em meio aos conflitos cada vez mais exacerbados por fatias cada vez menores do Orçamento, a EC 95 e o PLDO 2020 já estabelecem de antemão quem serão os perdedores.
O primeiro problema é de natureza política: como apontou Vinicius Torres Freire em coluna publicada nesta quarta-feira (17), “a disputa social e política pelos recursos mínimos do governo vai ficar ainda mais crítica, se não explosiva”.
A pergunta que não quer calar é se é possível conter tais demandas democráticas sem o uso de repressão e autoritarismo crescentes.
O segundo problema é de natureza econômica: em um contexto claríssimo de insuficiência de demanda interna e externa, o corte cada vez maior de investimentos em infraestrutura física e social tratará de manter o país no grave quadro de estagnação em que se encontra.
Em meio ao desemprego elevado e às desigualdades crescentes (agravadas pelo fim da valorização do salario mínimo), não há nenhuma perspectiva de recuperação mais acelerada do consumo das famílias. Assim, as empresas continuarão operando com capacidade ociosa e adiando suas decisões de investimento.
Uma alternativa seria aproveitar a reforma tributária em discussão para equilibrar a forma do ajuste fiscal: uma arrecadação extra de impostos pela tributação maior da renda e do patrimônio dos mais ricos poderia contribuir, se revisto o teto de gastos, para uma expansão de investimentos públicos por alguns anos, por exemplo —mesmo que a carga tributária se mantivesse estável no médio prazo pela redução mais do que necessária de impostos sobre o consumo e a produção.
Mas opções como essa não podem ser encontradas no Posto Ipiranga.
Laura Carvalho
Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".
Nenhum comentário:
Postar um comentário