Romerito (nome fictício de uma pessoa muito real) é taxista. Durante os governos Lula, Romerito trocava de carro a cada dois anos. Chegou a ter uma Spin sempre do ano. Foi quando o conheci. Carro tinindo, ele mesmo tinha criado um ponto na região onde moro. Não tinha antes, ele criou do nada, junto com outros 4 motoristas. Região nova, clientes bem atendidos, carros novos, o negócio prosperava e o país crescia. O ponto foi aumentando. De cinco motoristas chegou a ter 12. Criaram eventos de publicidade, montaram estrutura para atender os motoristas, geladeira, televisão, sombra ... ponto na frente de um "Centro Comercial" que virou quase "Shopping" entre 2008 e 2014.
No governo Dilma, Romerito resolveu ir além. O programa "Minha Casa, Minha vida" começou a construir um enorme condomínio perto do local do ponto. Romerito comprou casa para ele e para as duas filhas. Era o sonho de uma vida se realizando. Dizia, garboso, que as duas filhas estavam estudando e iam ser "doutoras"! Uma na federal e outra numa universidade privada com PROUNI.
Todas as vezes que eu conversava com Romerito, nas corridas que fazíamos, ele se mostrava confiante. Feliz. Casa, renda, trabalho, as filhas se desenvolvendo ... tudo como o Brasil era.
Um dia, Romerito começou a dizer que Lula era "ladrão". Romerito dizia isto com uma certeza impressionante. Quando questionado sobre como sabia dos supostos roubos, Romerito dizia que "tinha um amigo" no MEC e que ele "tinha confirmado tudo". Lula era ladrão. Tinha ficado rico roubando o país. Mais algumas semanas e não era mais o amigo que tinha confirmado a história, era a filha que supostamente trabalhava num ministério e sabia. Ainda tinha um genro que tinha trabalhado na "Oi" e que "tinha visto" documentos de que o Lulinha era o dono da Oi.
Romerito falava isto indignado. Colocava a sua legitimidade nesta questão. Não adiantava dialogar. Era ladrão e pronto. Do Lula, Romerito passou a apoiar o impeachment da Dilma, "porque o Brasil tá ruim demais" ... Quando perguntado o que estava ruim ele repetia que "ninguém mais aguentava as 'pedaladas'". Temer iria colocar o Brasil nos trilhos. Romerito brigou com alguns motoristas que o avisaram que tirar Dilma era ruim. Romerito esfregava a Folha de SP e o Jornal Nacional na cara dos colegas. Dilma saindo o PIB dobrava. Era só para a "roubalheira do PT". Romerito se tornou agressivo com os colegas. Segundo ele, não aceitava "quem defendia ladrão".
Apoiou o impeachment. O motivo: as pedaladas. "Prejudicaram o Brasil".
Durante o governo do vice, Michel Temer, Romerito sentiu a mudança. Ao contrário do que imaginava, foi para pior. O preço da gasolina aumentou e as parcelas do "Minha casa, Minha vida" quintuplicaram de preço. Romerito me dizia que "estava difícil". Que tinha perdido quase 75% da sua renda. As pessoas não andavam mais de táxi. Tudo, entretanto, "era culpa do PT". O Temer não podia fazer milagre. Tinha roubado tanto que era hora de "apertar o cinto". Fiz poucas corridas com Romerito. Não se tinha mais dinheiro para andar de táxi, mesmo com a promoção que o ponto adotou de dar "30% de desconto" para poder concorrer com o Uber. Uber que tinham dito ao Romerito que era coisa do PT.
Veio a eleição. Romerito não só fez campanha para Bolsonaro como ativamente passou a usar o WhatsApp. Compartilhou a "mamadeira de piroca", a "tese do Haddad defendendo a pedofilia", as diversas fotos das "fazendas do Lula". Quando eu entrava no carro do Romerito já sabia que ia me incomodar. A mamadeira de piroca "uma filha tinha visto pessoalmente". A tese do Haddad era verdade porque a outra filha tinha lido uma parte da faculdade, dada por um professor comunista, e as fazendas do Lula "estavam lá, para qualquer um ver". Um dia disse a Romerito que eu pagava a corrida até a fazenda do Lula, supostamente começava em Goiás e ia até o norte do Tocantins. Eu disse que pagava. Ele hesitou. "Vai dar muito caro ...". Eu disse que goiás era aqui do lado, e eu queria ver, mas se não achássemos a fazenda ele me pagava o valor da corrida. Amarelou. Lula era ladrão e pronto. Agora, Bolsonaro ia dar um jeito no Brasil.
Romerito não está mais trabalhando no ponto. Fiquei sabendo que aceitou um emprego de motorista de caminhão, ganhando menos de 30% do que tirava no taxi, nos bons tempos. Também precisou devolver (ou vender) as casas das filhas, porque não estava conseguindo pagar. Me ofereceu a spin que ele tinha comprado em 2014. "Estou precisando", disse ele.
Quem falar em "Bolsonaro" no ponto de táxi, apanha. As filhas de Romerito estão trabalhando (sem carteira), uma delas largou a faculdade. O PROUNI atrasou e a faculdade exigiu o pagamento dos valores "cheios", assim que o programa se normalizasse eles abateriam nas próximas mensalidades. Romerito não tinha para pagar.
Conversei com ele pelo telefone. Triste, acabrunhado e com uma das filhas morando na casa que sobrou do "Minha casa, minha vida". Segundo ele, a prestação subiu e é quase metade do "ordenado" dele. Tudo culpa do Lula e do PT, me repetiu, mais uma vez. Quando ouvi ao fundo do telefone os gritos da filha:
— Cala a boca, pai. Deixa de ser burro. Não vai nunca trocar o disco e reconhecer que foi enganado?
Ela tem razão. Romerito, no final, ainda tem uma casa do "Minha casa, minha vida" e a Spin, comprada com os programas e o momento da economia de Dilma e Lula. É culpa sim do PT que Romerito não tenha ainda passado fome. É culpa do PT que ele ainda tenha um teto para morar e, se Bolsonaro deixar, vai ser culpa do PT que a filha que estuda em universidade pública vai conseguir se formar.
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